Agosto, o mês do aleitamento materno, carrega a cor dourada para simbolizar o padrão ouro desse alimento. Mãe de duas filhas — Mariana, 2 anos, e Catarina, 8 meses —, Marcela Carneiro vivencia os frutos dessa preciosidade. "Além de ser nutritivo, é anticorpo, conforto, consolo e conexão entre a mãe e a criança. Eu, particularmente, acho um momento gostoso de se viver", diz a arquiteta. A lista de benefícios é, de fato, extensa — conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), bebês amamentados têm menos propensão a desenvolver sobrepeso e diabetes mais tarde na vida, por exemplo — e não para de ganhar reforços: pesquisas científicas revelam novos benefícios desse superalimento regularmente.
Divulgado no último dia 28 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), um estudo da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, mostra que uma molécula de açúcar presente no leite materno humano pode ser essencial para a saúde do cérebro de recém-nascidos. Os cientistas descobriram que o micronutriente mio-inositol está mais presente no leite durante os primeiros meses de lactação, justamente o período em que as conexões neurais estão se formando de maneira rápida no cérebro do bebê.
Testes mostraram que o mio-inositol aumentou tanto o tamanho quanto o número de conexões sinápticas entre neurônios em desenvolvimento, indicando uma maior conectividade neural. "A maioria das conexões no cérebro humano se forma nos primeiros meses após o nascimento. Nossos resultados mostram que a molécula apoia esse desenvolvimento", conta Thomas Biederer, autor principal do estudo e pesquisador sênior da universidade americana.
Vanessa Macedo, pediatra do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, sublinha que o leite materno tem elementos capazes de modular e estimular o desenvolvimento cognitivo de bebês. "Essas substâncias não podem ser encontradas em fórmulas infantis. Os estudos mostram que nenéns amamentados têm QI (quociente de inteligência) mais elevado na vida adulta.A especialista também destaca que, quando não é possível que a criança seja amamentada pela mãe, uma boa estratégia é recorrer aos bancos de leite. "O leite materno doado e pasteurizado pode ajudar a garantir alguns benefícios imunológicos", diz.
Mortalidade
A curto prazo, alimentar-se com do leite materno é vital, mostra um grande trabalho divulgado, em julho, na revista American Journal of Preventive Medicine. O estudo com dados de quase 10 milhões de crianças mostra que os recém-nascidos amamentados têm 33% menos probabilidade de morrer durante o período pós-perinatal, que vai do sétimo até o 364º dia de vida.
O ensaio, liderado por Julie Ware, pesquisadora do Cincinnati Children's Center for Breastfeeding Medicine, um centro voltado à saúde materno-infantil nos Estados Unidos, analisou informações referentes ao primeiro ano de vida de crianças colhidas entre 2016 e 2018. Segundo Ware, uma das causas de morte minimizadas pelo aleitamento é a síndrome da morte súbita infantil (SMSI). "Foram constatadas uma redução de até 40% com qualquer amamentação por pelo menos dois meses e uma diminuição de até 60% se o aleitamento continuar por quatro meses ou mais", detalha.
Ware conta que muitas infecções também podem ser reduzidas. "O leite humano está repleto de moléculas protetoras e confere proteção significativa ao bebê. É muito importante incluir a promoção, a proteção e o apoio à amamentação em nossos esforços de redução da mortalidade infantil. Essa é a base de uma boa saúde ao longo da vida", defende.
Rossiclei Pinheiro, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), narra que a amamentação é a principal forma de combate à desnutrição e à mortalidade infantil. Por isso, deve estar entre as prioridades dos agentes públicos. "É uma estratégia de saúde pública que, sozinha, pode diminuir a quantidade de mortes por causas evitáveis. O leite é rico em imunoglobulinas, anticorpos e várias proteínas, lipídeos e carboidratos adequados para a nutrição do recém-nascido", lista.
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O trabalho de cientistas também ajuda a fortalecer a importância desse alimento, diz Biederer, que constatou com os colegas os benefícios cerebrais para os recém-nascidos. "Nossos resultados fazem parte de um conjunto de trabalhos que deixam claro que o leite humano é complexo e tem muitos benefícios. Estamos apenas começando a compreendê-los. Esperançosamente, esperamos que o estudo apoie iniciativas que auxiliem as mães a terem mais oportunidades para amamentar", diz o pesquisador da Universidade de Tufts.
Gláucia Porfíria Andrade, 21 anos, faz questão, mesmo com as dificuldades, de amamentar a filha Manuela, de quatro meses. A estudante de jornalismo descreve que o início do aleitamento foi um grande desafio. "Na primeira semana, quase desisti. Fiquei dois dias com o coletor nos seios, não conseguia nem mesmo usar bombinha. Dormia com o coletor para poder tirar leite e dar para ela na mamadeira. Não conseguia amamentar, o peito doía muito." Os planos são de seguir com o aleitamento até os 12 meses. "É de extrema importância para a conexão da mãe e do bebê, só que é muito desgastante, exaustivo. Acredito que uma mãe não se torna menos mãe por não conseguir."
Riscos do desmame precoce
O período em que a criança recebe exclusivamente o leite materno e os desdobramentos a longo prazo de adotar ou não essa prática também é alvo de estudos científicos. Um artigo das universidades de Uppsala e de Sophiahemmet, na Suécia, e divulgado, neste ano, na revista International Breastfeeding Journal mostra que, quanto mais cedo os bebês começam a provar outros alimentos, mais rapidamente eles param de mamar.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a introdução alimentar antes dos seis meses de vida do bebê. Durante o ensaio, porém, os estudiosos constataram que 48% das crianças avaliadas receberam degustação de comida aos quatro meses. O grupo, orientado por Eva-Lotta Funkquist, professora de Uppsala, avaliou informações fornecidas por mães de mais de 1.200 crianças.
Conforme o artigo, quanto mais cedo os bebês ingeriram pequenas quantidades de comida, mais rapidamente passaram a comer grandes porções, o que levou a um fim precoce da amamentação. Funkquist explica que o paladar dos pequenos muda quando conhecem outros sabores. "Geralmente, é tentador para a criança comer alimentos que contenham mais calorias", diz.
Rossiclei Pinheiro, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), reforça que o desmame precoce traz riscos à saúde do bebê: "A introdução alimentar deve ser oportuna e após seis meses de vida. Se a mãe precisar se ausentar antes, deve ser orientada a retirar e conservar o próprio leite", aconselha. Mesmo após a introdução alimentar, é recomendado que a criança continue a ser amamentada. Conforme a OMS, o aleitamento materno deve ir até os 2 anos de idade ou mais.
Sabrina Rodrigues, mãe da Helena, 9 anos, e da Vitória, 2 anos, conhece bem as vantagens da amamentação prolongada. A mais velha recebeu leite materno até os 4 anos e 2 meses, e a vontade da empresária é que a caçula mame até os 3 anos. "É natural, normal, saudável, aumenta o elo e o vínculo entre mãe e filho. A criança tem maior imunidade contra doenças e se recupera melhor quando adoece. É um momento nosso, de olho no olho. Muita gente julga a amamentação prolongada, eu não me importo. Faço por minha filha o que ninguém mais pode", diz.
Segundo Vanessa Macedo, pediatra do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, os benefícios se mantêm com o passar do tempo. "Ainda tem muitas coisas boas. Ajuda, por exemplo, na parte imunológica, supre necessidade de vitaminas. Então, manter a amamentação o maior tempo possível ainda tem muito benefício."
Mulheres protegidas contra o diabetes
A proteção contra o câncer de mama e ovário em decorrência da amamentação é bem evidenciada cientificamente. E parece não ser o único benefício. Um estudo apresentado, em junho, no encontro anual da Sociedade de Endocrinologia dos Estados Unidos revela uma associação com a melhora, no pâncrea, no número de células produtoras de insulina e com um aumento a sensibilidade à insulina nas mães — fatores que evitam a ocorrência do diabetes tipo 2.
Para o trabalho, a equipe orientada por Julie Hens, pesquisadora da Universidade de Yale em New Haven, nos EUA, estudou camundongos que deram à luz filhotes e os dividiram em dois grupos: que amamentou ou não. Ao comparar os grupos, cientistas descobriram que camundongos não lactantes tiveram aumento em um tipo de gordura semelhante à gordura visceral em humanos e conhecida por elevar o risco para o diabetes. Essas cobaias também apresentaram menos células produtoras de insulina no pâncreas. Segundo os pesquisadores, isso significa que o corpo tem menos reserva de insulina, o que leva a maiores chances de desenvolvimento da doença metabólica.
Julie Hens conta que existem evidências circunstanciais mostrando que mulheres que amamentam têm um risco reduzido para doenças metabólicas e cardiovasculares. Ela e sua equipe pretendem continuar investigando o tema. "Estamos planejando examinar o pâncreas e outros órgãos com mais detalhes para entender melhor o que encontramos."
Conforme João Lindolfo Borges, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia no Distrito Federal, os efeitos da amamentação na prevenção do diabetes podem ser atribuídos a vários fatores. "Ela é associada a uma redução da perda de peso pós-parto e também tem sido ligada a uma menor prevalência de síndrome metabólica, que é um conjunto de condições que aumentam as chances de diabetes tipo 2, entre outras questões."
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