As últimas três semanas foram as mais quentes já registradas, e julho está a caminho de ser o mês com as mais altas temperaturas desde que o monitoramento foi iniciado, em 1940. A informação, confirmada nesta quinta-feira (27/07) por cientistas do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da União Europeia, e da Organização Meteorológica Mundial (OMM) coloca o mundo na era do "fervimento global", segundo o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres.
Além da temperatura atmosférica, o mês superou todas as marcas nas medições da superfície oceânica. Os cientistas que fizeram o alerta destacaram que a quebra de recordes está associada às ondas de calor da América do Norte, da Ásia e da Europa, além dos incêndios florestais no Canadá e na Grécia.
Na quarta-feira, uma análise independente da Universidade de Leipzig, na Alemanha, havia previsto que julho seria o mais quente dos últimos 120 mil anos, com base em registros paleoclimáticos. "Para vastas partes da América do Norte, Ásia, África e Europa, este é um verão cruel. Para todo o planeta, é um desastre. E para os cientistas, é inequívoco: os humanos são os culpados. Tudo isso é inteiramente consistente com previsões e avisos repetidos. A única surpresa é a rapidez da mudança", discursou Guterres, na sede da ONU, em Nova York.
Em 6 de julho, a média diária da temperatura global atmosférica na superfície ultrapassou o recorde estabelecido em agosto de 2016, tornando-se o dia mais quente já registrado, com 5 e 7 de julho logo atrás, disse o informe da OMM e da Copernicus. Nas três primeiras semanas do mês, foi excedido temporariamente o limite de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Estudos demonstram que passar dessa marca em definitivo pode levar ao colapso de sistemas marinhos e terrestres, com impactos significativos na saúde e na economia.
Segundo o alerta divulgado, desde maio, a temperatura média global da superfície do mar está bem acima dos valores observados anteriormente para a época do ano, contribuindo para o julho excepcionalmente quente. "Temperaturas recordes fazem parte da tendência de aumentos drásticos nas temperaturas globais", comentou Carlo Buontempo, diretor do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, em nota. "As emissões antrópicas (causadas por atividades humanas) são, em última análise, o principal fator dessas temperaturas crescentes". Segundo Buontempo, "é improvável que o recorde de julho permaneça isolado este ano, as previsões indicam que as temperaturas nas áreas terrestres provavelmente estarão bem acima da média".
"Amostra do futuro"
A Organização Meteorológica Mundial prevê que há 98% de probabilidade de que pelo menos um dos próximos cinco anos seja o mais quente já registrado, e 66% de risco de se exceder temporariamente o 1,5°C acima da média de 1850-1900 por pelo menos uma vez no período. "O clima extremo que afetou muitos milhões de pessoas em julho é, infelizmente, a dura realidade da mudança climática e uma amostra do futuro", lamentou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas. "A necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa é mais urgente do que nunca. A ação climática não é um luxo, mas uma obrigação."
Os recordes de calor acompanham a chegada do El Niño no Pacífico tropical. Porém, segundo o cientista climático HaustKarsten, da Universidade de Leipzig, embora o fenômeno natural contribua para o calor, os recordes que vêm sendo quebrados mês a mês são consequências "da liberação contínua de grandes quantidades de gases de efeito estufa pelos seres humanos". Como os efeitos do El Niño só deverão se manifestar totalmente no segundo semestre, Haustein alertou que "julho provavelmente será seguido por mais meses de calor recorde até pelo menos o início de 2024".
Autor do livro El Niño in World History (El Niño na História Mundial, sem edição em português), o especialista climático da King´s College London George Adamson concorda que o fenômeno não é o único culpado pelas quebras de recorde de calor. "O El Niño pode causar grandes mudanças nos padrões climáticos em todo o mundo, mas não pode ser responsabilizado pelas atuais temperaturas globais. Durante os anos sem El Niño, a energia extra liberada pelo fenômeno continua lá, mas uma maior parte dela é transferida para os oceanos tropicais. Portanto, embora você veja flutuações na temperatura da superfície relacionadas ao El Niño, a causa subjacente das temperaturas globais observadas em escalas de tempo decenais é o dióxido de carbono liberado por atividades antropogênicas", garante.
O relatório mais recente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) atesta que a atividade humana é responsável por todo o aquecimento registrado desde meados do século 19. "O intervalo provável da mudança induzida pelo homem na temperatura da superfície global em 2010-2019 em relação a 1850-1900 é de 0,8°C a 1,3°C, com uma estimativa central de 1,07°C. Enquanto o intervalo provável da mudança atribuível à força natural é de apenas -0,1°C a 0,1°C', diz o resumo técnico do documento.
O IPCC também destaca que o uso de combustíveis fósseis é o principal fator que impulsiona o aquecimento global: "Em 2019, cerca de 79% das emissões globais de gases de efeito estufa foram provenientes de energia, indústria, transporte e edifícios e 22% vieram da agricultura, silvicultura e outros usos da terra. As reduções de emissões de CO2 decorrentes de medidas de eficiência são ofuscadas pelo aumento das emissões em vários setores."