A infertilidade afeta milhões de casais em todo o planeta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 17,5% da população em idade reprodutiva tem o problema, que pode ser causado por uma série de fatores, como distúrbios hormonais, condições genéticas e estilo de vida inadequado. Enquanto casais lutam contra a dificuldade para engravidar, cientistas buscam investigar a fundo as origens da condição e criar formas de melhorar abordagens que ajudem as pessoas que querem ter filhos.
Conforme a OMS, essa é uma doença do sistema reprodutor definida pela incapacidade de conseguir uma gravidez após um ano ou mais de relações sexuais regulares desprotegidas. Hábitos como tabagismo, ingestão excessiva de álcool e obesidade podem afetar a fertilidade, assim como a exposição a poluentes e outras substâncias tóxicas. Divulgado no último dia 12 na revista PLoS One, um estudo mostra que essa complicação parece estar aumentando ao longo dos anos.
A equipe liderada por Finn Egil Skjeldestad, da Universidade do Ártico da Noruega, analisou dados de 11.064 mulheres nascidas entre 1916 e 1975 e descobriu que 6% das que nasceram entre 1956 e 1975 tinham infertilidade primária, quando nunca se teve uma gravidez. No caso das nascidas entre 1966 e 1975, 10% eram acometidas pela condição secundária, quando pelo menos uma gestação foi alcançada. Taxas de outros períodos anteriores variaram de 6% a 7%, indicando, segundo os autores, um sutil aumento com o passar do tempo.
Além dessas elevações, mais mulheres jovens relataram o uso de tecnologias de reprodução assistida (TRAs) nos últimos 50 anos. O sucesso dessas abordagens também aumentou com o tempo, alcançando 58% para infertilidade primária e 46% para a secundária em nascidas a partir de 1966. Em nota, Skjeldestad avalia que "os dados fornecem informações valiosas sobre as tendências de infertilidade e os resultados das TRAs entre mulheres em idade reprodutiva durante grande parte do último século".
Na opinião de Roberto de Azevedo Antunes, diretor da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), as taxas de infertilidade, apesar de variarem um pouco, se mantiveram relativamente estáveis ao longo dos anos, sem mudanças muito drásticas. "O que mudou foi a disponibilidade e a procura por tratamentos de medicina reprodutiva. Dessa forma, é possível tratar e acompanhar mais casais que sofram com infertilidade", afirma.
Edilberto de Araújo Filho, ginecologista especialista em reprodução humana assistida e membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), também sublinha que esse ramo da ciência tem evoluído muito. "Hoje, a gente é capaz de muita coisa. Uma delas, com grande relevância, é o congelamento de óvulos, que passou por um longo período de melhoramento. Agora, chegamos à vitrificação dos óvulos, que trouxe para a mulher a possibilidade de fazer um planejamento, guardar os óvulos enquanto é mais jovem, e poder ter a chance de ter um filho mais tarde", detalha.
Variantes
Apesar dos avanços da medicina, algumas pessoas podem nunca receber uma resposta exata sobre a dificuldade de ter filhos. Cientistas acreditam que a genética tem um papel ainda mais importante na hora de sanar essa dúvida. Pesquisadores do Medical College of Georgia, nos Estados Unidos, relatam que cerca de 17% das mulheres com infertilidade inexplicada também têm variantes genéticas conhecidas por causar outras doenças — desde condições comuns, como problemas cardíacos, até patologias raras, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA).
Os autores do estudo, publicado, em março, na revista New England Journal of Medicine, formulam a hipótese de que problemas genéticos criam uma predisposição à infertilidade e também a outras doenças. Por exemplo, mulheres com problema de fertilidade têm sido observadas com um risco aumentado de complicações cardiovasculares. "A conexão com as doenças já era conhecida, mas o que não sabíamos era se havia uma relação genética. Esse foi o objetivo do nosso trabalho", diz, em nota, Lawrence Layman, endocrinologista reprodutivo da Universidade de Augusta e líder do estudo.
Para o ensaio, a equipe sequenciou os exomas, regiões específicas do genoma humano que contêm os genes que codificam proteínas, de 197 mulheres com idade entre 18 e 40 anos e infertilidade inexplicada. O grupo descobriu que 6,6% das voluntárias tinham variantes em 59 genes que, provavelmente, causam condições como doenças cardíacas e câncer de mama — essas variantes estão presentes em cerca de 2,5% da população em geral.
O médico Azevedo Antunes salienta que esse tipo de infertilidade acomete de 10% a 20% dos pacientes. Segundo o especialista, existem diversas variantes gênicas que são associadas, tanto nos homens quanto nas mulheres, a essa condição. "Quando dizemos que um casal tem infertilidade sem causa aparente, significa que afastamos problemas nas causas mais comuns. Contudo, a cada dia que passa, estamos descobrindo novas associações de diversas variantes genéticas com alterações que levam a maiores dificuldades de gravidez e outras doenças em potencial", explica.
O estudo mostrou, ainda, que 10% das mulheres tinham variantes genéticas conhecidas por causar doenças para as quais existem poucas, ou nenhuma, alternativa de tratamento, como Parkinson. Além disso, os cientistas identificaram em 21 mulheres, 20 variantes em genes associados a condições mais severas — por exemplo, um risco aumentado de desenvolver ELA e doença renal policística. Para Layman, os resultados indicam que "a infertilidade pode ser, de fato, um biomarcador para futuras doenças médicas".
Saiba Mais
Obesidade pode afetar testículos
Além da genética, a obesidade é um fator crucial para a fertilidade, especialmente entre os homens. Um ensaio, publicado em maio, na revista European Journal of Endocrinology, aponta que meninos com sobrepeso são mais propensos a serem homens inférteis. Durante a investigação, os cientistas descobriram que jovens do sexo masculino com peso normal tinham um volume testicular 1,5 vez maior que aqueles com sobrepeso ou obesidade na puberdade.
"Embora a prevalência da obesidade infantil esteja aumentando em todo o mundo, o impacto da obesidade e dos distúrbios metabólicos associados no crescimento testicular não é bem conhecido. Nesse estudo, descobrimos que estar acima do peso ou obeso tem associação com um menor volume testicular", relata, em nota, Rossella Cannarella, pesquisadora da Universidade de Catania, na Itália, e coautora do artigo.
Durante as atividades, os cientistas coletaram dados sobre volume testicular, idade, índice de massa corporal e resistência à insulina de 268 crianças e adolescentes. Descobriram que meninos com peso normal tinham um volume testicular 1,5 vez maior que aqueles com sobrepeso. As crianças e adolescentes do estudo com níveis normais de insulina apresentavam um volume testicular até duas vezes maior, em comparação com aqueles com hiperinsulinemia, uma condição comumente ligada ao diabetes tipo 2.
Prevenção
Como o menor volume testicular indica uma produção de esperma mais pobre na vida adulta, os estudiosos acreditam que a perda de peso pode ajudar os pacientes a evitar a infertilidade. "Portanto, especulamos que um controle mais cuidadoso do peso corporal na infância pode representar uma estratégia de prevenção para manter a função testicular mais tarde na vida", destaca Cannarella.
Eduardo Pimentel, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia seccional Distrito Federal, explica que homens obesos também têm maior predisposição a sofrerem com doenças metabólicas e hormonais, o que prejudica a fertilidade. "De forma direta e indireta, essas questões podem interferir na produção e na qualidade dos espermatozoides. Existem estudos que relacionam essa situação a danos causados nos gametas por conta de uma reação química que chamamos de estresse oxidativo."