A prática do mindfulness busca fazer com que, pela atenção plena, a pessoa esteja consciente do momento presente, com ganhos para a saúde mental. Uma pesquisa da Universidade de Cambridge — publicada, nesta segunda-feira (10/07), na revista Nature Mental Health — traz evidências nesse sentido. Segundo o artigo, adultos que participam voluntariamente de programas baseados em mindfulness (MBPs) têm riscos menores de apresentar sintomas de ansiedade e depressão pelos menos nos seis meses seguintes à conclusão da atividade.
O trabalho também mostra que os MBPs podem gerar uma redução pequena a moderada no sofrimento psicológico dos adultos, com 13% a mais dos alunos observando os benefícios, quando comparados aos não participantes desse tipo de iniciativa. Para chegar à conclusão, os cientistas examinaram integrantes de cursos de mindfulness realizados em grupo, ministrados por professores, de forma presencial e em ambientes comunitários.
Julieta Galante, autora principal, conta que, no trabalho anterior do grupo, ainda não estava claro se os cursos de mindfulness poderiam ajudar na saúde mental em diferentes contextos de convivência em comunidade. "Esse estudo é a confirmação de mais alta qualidade, até o momento, de que essas práticas presenciais normalmente oferecidas na comunidade realmente funcionam para a pessoa média", afirma, em nota. A expectativa do grupo é de que os resultados estimulem a adoção de programas semelhantes em ambientes de trabalho e em instituições educacionais.
Na análise, os estudiosos reuniram e investigaram dados de 2.371 adultos que participaram de ensaios clínicos para avaliar a eficácia dos MBPs. Cerca de metade foi designada, de forma aleatória, para os programas de mindfulness com duração de oito semanas, participando de sessões semanais que duravam entre uma e duas horas e meia. Esse grupo foi comparado com outro que não participou de programas do tipo. Todos responderam a questionários, e constatou-se melhora do sofrimento psicológico de quem fez parte dos MBPs: menor vulnerabilidade ao longo de seis meses e maior percepção e melhora psíquica.
Os cientistas também descobriram que sofrimento psicológico preexistente, idade, gênero, nível educacional e disposição para a prática de mindfulness não afetaram os resultados observados na análise. "Confirmamos que, se os adultos escolherem fazer um curso de mindfulness presencial, com um professor e em um ambiente de grupo, isso será benéfico para ajudar a reduzir o sofrimento psicológico e melhorar a saúde mental. No entanto, não estamos dizendo que todas as pessoas devem fazer isso porque não funciona para algumas pessoas", afirma Galante.
A autora afirma que ninguém deve ser influenciado a escolher entre um curso de atenção plena ou outra atividade que traga benefícios psicológicos, como se reunir com colegas e jogar futebol. "Não temos evidências de que o mindfulness seja melhor que outras práticas que geram bem-estar, mas se você não estiver fazendo alguma coisa , esses tipos de cursos certamente estão entre as opções que podem ser úteis."
Alterações no cérebro
Conforme o artigo, o mindfulness abordado nos MBPs costuma ser definido como "a consciência que surge ao prestar atenção intencionalmente no momento presente e sem julgamentos, e ao desdobramento da experiência momento a momento". Esses programas corriqueiramente associam elementos de meditação, consciência corporal e psicologia moderna e são pensados para ajudar a reduzir o estresse, melhorar o bem-estar e aumentar a resiliência mental e emocional.
Luan Diego Marques, psiquiatra do Instituto Meraki, em Brasília, conta que pesquisas com neuroimagem mostram que o mindfulness promove alterações na estrutura e nas funções cerebrais. "Uma das mudanças observadas é o aumento da atividade do córtex pré-frontal, área responsável pela regulação emocional e pela concentração. Além disso, tem o potencial de reduzir a atividade da amígdala, região relacionada à resposta ao medo e ao estresse, contribuindo para a diminuição da ansiedade", detalha. "Também é notável o aumento da massa cinzenta em áreas como o hipocampo, que é o setor envolvido na memória, e o córtex cingulado anterior, associado à regulação emocional", completa.
Segundo o psiquiatra, a técnica tem sido relacionada a melhorias na conectividade entre diferentes regiões cerebrais. "O que possibilita uma comunicação mais eficiente entre redes neurais envolvidas na atenção e na autorregulação emocional. Essas descobertas destacam os benefícios do mindfulness para a saúde mental e o bem-estar geral", explica.
Cuidados
Para complementar os resultados do ensaio clínico, a equipe realizou uma revisão sistemática de outros 13 estudos, com dados de oito países. Constaram que a idade média dos participantes dos MBPs é de 34 anos e que o público feminino ocupa a maioria das vagas: 71% do total de alunos.
Vitor Barros, psicólogo e diretor do Trabalho no Divã — Saúde Mental no Trabalho, em Brasília, pontua que procurar um programa sério e com referências é essencial. "Trata-se de uma prática que influencia diretamente sobre a saúde mental e percepção de si mesmo. Existem muitos gurus que se aproveitam do momento para trazer conceitos e práticas que não fazem parte do mindfulness, como regressão de vidas passadas, revitimização e até mesmo ficar vendendo cursos para enriquecimento próprio", alerta.
Fábio Leite, psiquiatra do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, reforça o cuidado. "É importante que tenha orientação de alguém bem qualificado porque, caso contrário, o resultado não é o mesmo. A pessoa não vai conseguir alcançar o estágio de relaxamento, de diminuição de ansiedade, esvaziamento da mente."
Aplicativos sob análise
O ensaio publicado na revista Nature Mental Health também aborda a eficácia dos aplicativos de mindfulness. Segundo a autora principal, Julieta Galante, apesar de serem mais baratas, "não há nem de longe a mesma base de evidências para a eficácia" dessas ferramentas. "Alguns aplicativos podem dizer que são baseados em evidências, mas geralmente se referem a testes presenciais com um professor e um grupo", justifica.
Na avaliação dos pesquisadores da Universidade de Cambridge, ainda não é possível afirmar que é a prática do mindfulness em si que reduz o sofrimento psicológico dos praticantes ou o fato de os cursos envolverem trabalho em grupo de maneira presencial e com um professor disponível. A equipe planeja buscar essas respostas e o que acontece quando as pessoas continuam a praticar a meditação de mindfulness sozinhas em um próximo ensaio clínico.
Na avaliação do psicólogo Vitor Barros, as diferenças entre os programas presenciais e por aplicativos são nítidas. "A prática do mindfulness não é algo tipo fast food, que se pode consumir de qualquer jeito ou em qualquer lugar", afirma. "É preciso preparar o cenário: isolar o local, estar onde não será incomodado naquele momento, tirar distrações. Quando é on-line, a pessoa que está conduzindo não consegue controlar o ambiente."
Segundo o psiquiatra Luan Diego Marque, ambos os formatos podem ser benéficos. Porém, os aplicativos nem sempre abordam todas as etapas do programa oficial. "Meditação mindfulness e o programa MBSR têm algumas diferenças. O programa é composto por muitas etapas cientificamente comprovadas, sendo a meditação uma das etapas", diferencia. "Então, a partir disso ,observamos a limitação de alguns apps on-line. Precisamos avaliar se o aplicativo oferece apenas a meditação mindfulness ou promove a interação em grupo norteada pelo programa MBSR. "
Enquanto os britânicos não chegam a uma resposta, a líder do estudo indica não desmerecer a prática tradicional. "Se você receber a oferta de um curso de mindfulness presencial de quatro ou oito semanas, em um ambiente de grupo com um professor e tiver curiosidade, eu diria, com base nesse estudo, vá em frente e experimente", enfatiza Galante.