Cinco anos antes de os chatbots começarem a escrever poesia e produzir teses acadêmicas, o especialista em tecnologia da informação Jean-Gabriel Ganascia publicou um artigo na revista da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), discutindo mito e realidade no mundo das máquinas. O texto, de 2018, sustenta que a ideia de computadores superarem a humanidade fundamenta-se em mitos e lendas como a do Golem ou de Talos, figuras dotadas de vida. Com a ajuda de Elon Musk, do astrofísico Stephen Hawking e do futurista Ray Kurzweil, que fizeram declarações apoiando essa ideia, disseminou-se o medo de um mundo comandado por robôs.
"Ao contrário do que algumas pessoas alegam, as máquinas não oferecem nenhuma ameaça existencial à humanidade. Sua autonomia é puramente tecnológica", afirmou Ganascia. Recentemente, em uma palestra do projeto TED, o cientista da computação reafirmou que as máquinas "não têm vontade própria e permanecem subjugadas aos objetivos que damos a elas".
É o que pensa também John Behrens, diretor de iniciativas tecnológicas do Colégio de Artes e Letras Notre Dame, nos Estados Unidos. "Inteligência artificial é um tipo de software, e quanto mais as pessoas a tratarem dessa forma — e não como um ser robótico — melhor para nós", diz.
Para o especialista, erros e acertos na área da IA não estão vinculados ao "desejo" da máquina, mas ao uso que o humano faz dela. "Por exemplo, é apropriado que um jovem interaja com um chatbot se o software soa tão humano que o jovem se torna emocionalmente apegado e vulnerável?", questiona. "A questão fundamental, é que a tecnologia e suas aplicações estão evoluindo mais rápido do que as ciências sociais, as humanidades e as artes podem acompanhar."
Distração
Centralizar a discussões sobre IA em riscos potenciais de máquinas dominarem o mundo é distrair das questões éticas centrais, destaca Noel Sharkey, professor emérito de Inteligência Artificial e Robótica da Universidade de Sheffield, no Reino Unido. Como o homem está programando os sistemas para perpetuar padrões discriminatórios é mais importante que discutir sobre supostas rebeliões de robôs, acredita.
"A IA representa muitos perigos para a humanidade, mas não há ameaça existencial ou qualquer evidência de uma", argumenta Sharkey. "Muitos sistemas de IA empregados no policiamento, justiça, entrevistas de emprego, vigilância de aeroportos e até passaportes automáticos mostraram-se imprecisos e preconceituosos contra pessoas de cor, mulheres e pessoas com deficiência. Há muita pesquisa sobre isso e precisamos desesperadamente regular a IA. Procurar riscos que ainda não existem ou podem nunca existir desvia a atenção dos problemas fundamentais." (PO)
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