Pré-história

Árvores genealógicas revelam detalhes sobre comunidades do neolítico

Reconstituição feita por grupo internacional de cientistas a partir de técnicas avançadas de análise de DNA mostra práticas como monogamia e enterros familiares em comunidades que viveram há 12 mil anos

Correio Braziliense
postado em 27/07/2023 06:03 / atualizado em 27/07/2023 06:39
Uma das representações formadas: monogamia e filhos com mulheres de outras regiões
 -  (crédito: Desenho de Elena Plain; reproduzido com a permissão da Universidade de Bordeaux/PACEA)
Uma das representações formadas: monogamia e filhos com mulheres de outras regiões - (crédito: Desenho de Elena Plain; reproduzido com a permissão da Universidade de Bordeaux/PACEA)

Cientistas descobriram detalhes de como se comportavam comunidades do período neolítico, cujo estilo de vida baseado na agricultura, em vez da caça e da coleta, contribuiu profundamente para o modo de vida moderno. Conforme o estudo, divulgado, nesta quarta-feira (26/07), na revista Nature, a capacidade de produzir e armazenar comida extra levou povos desse período — há cerca de 12 mil anos — a desenvolver novos costumes sociais baseados na riqueza e, portanto, a construir hierarquias sociais.

O trabalho revela hábitos de duas grandes famílias pré-históricas que viveram em um território que, hoje, faz parte da França, e tem como base novos métodos para obter e analisar o DNA antigo. De acordo com o ensaio, a poligamia não era comum na época, e os homens se casavam com mulheres de fora, enquanto as filhas viajavam para outros lugares na vida adulta.

Para o trabalho, pesquisadores da Universidade de Bordeaux, na França, e do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, avaliaram informações do genoma de 94 indivíduos enterrados em Gurgy, na França. A partir disso, reconstituíram duas árvores genealógicas. A primeira conecta 64 indivíduos ao longo de sete gerações e é, até o momento, a maior representação do tipo reconstruída a partir de DNA antigo. A segunda conecta 12 indivíduos ao longo de cinco gerações.

Ao explorar as genealogias, os pesquisadores revelaram um forte padrão em que cada geração está, quase que exclusivamente, ligada à geração anterior através do pai biológico, conectando, assim, todo o grupo de Gurgy pela linhagem paterna. Ao mesmo tempo, evidências sugerem que os homens permaneciam onde nasceram e tinham filhos com mulheres de fora do local. Em contrapartida, a maioria das filhas adultas não ficava na região. Curiosamente, as mulheres que chegavam provavelmente eram vindas de uma rede de comunidades próximas em vez de apenas um único grupo.

Famílias numerosas

Maïté Rivollat, autora principal do estudo, conta que a equipe concluiu também que as famílias tinham muitos integrantes. "Observamos um grande número de irmãos que alcançaram a idade reprodutiva. Combinado com o número esperado igual de mulheres e a quantidade significativa de infantes falecidos, isso indica a existência de famílias grandes, uma alta taxa de fertilidade e condições estáveis de saúde e nutrição, o que é bastante surpreendente para tempos tão antigos", detalha. Outra característica única em Gurgy pontuada pelo artigo é a ausência de meio-irmãos, sugerindo que não havia parcerias reprodutivas poligâmicas.

Stéphane Rottier, arqueoantropólogo da Universidade de Bordeaux e integrante do grupo de pesquisadores, conta que, desde o início da escavação, foram encontradas evidências de um controle total do espaço funerário. "Apenas alguns enterros foram sobrepostos, que pareciam ser administrados por um grupo de indivíduos próximos ou pelo menos por pessoas que sabiam quem era enterrado onde", diz.

Na avaliação da equipe internacional de cientistas, o trabalho representa um passo sem precedentes na compreensão da organização social das sociedades passadas. "Somente com os grandes avanços em nosso campo nos últimos anos e a integração total dos dados de contexto foi possível realizar um estudo tão extraordinário. É um sonho tornado realidade para todos os antropólogos e arqueólogos e abre um novo caminho para o estudo do passado humano antigo", afirma, em nota, Wolfgang Haak, do instituto alemão e autor sênior do estudo.

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