A esclerose lateral amiotrófica (ELA) tem prevalência de um caso para 20 mil pessoas no Brasil, conforme o Ministério da Saúde, sendo considerada rara no país e no resto do planeta. Ainda sem cura, a doença afeta o sistema nervoso de maneira degenerativa e progressiva, causando paralisia irreversível. Enquanto as intervenções disponíveis visam retardar o avanço da enfermidade, cientistas buscam alternativas mais eficazes para facilitar o diagnóstico, melhorar e prolongar a vida dos pacientes e até mesmo chegar à cura. Uma série de resultados divulgados neste ano mostra avanços nesse sentido.
Publicada, em março, na revista Science, uma pesquisa mostra que utilizar um composto capaz de editar o DNA pode contribuir para o tratamento da doença. Segundo o artigo, quem tem ELA, Alzheimer e demência frontotemporal sofre com a perda de estatmina-2, uma proteína essencial para a regeneração de neurônios e a manutenção de conexões com as fibras musculares. Elas são indispensáveis para que haja contrações e movimentos, e o deficit dessa substância pode ser resolvido usando drogas criadas para alterar o DNA e restaurar a produção.
No trabalho, cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA, utilizaram ratos com problemas na produção de estatmina-2, semelhante ao que ocorre em humanos com ELA, para testar a ferramenta de edição genética. Pelos testes, conseguiram confirmar que, com a administração das drogas no fluido que envolve o cérebro e na medula espinhal, os níveis normais da proteína foram restabelecidos em todo o sistema nervoso das cobaias.
O líder do ensaio, Don Cleveland, professor de medicina, neurociências e medicina celular e molecular da Escola de Medicina da universidade americana, considera os resultados animadores. "O que descobrimos é que podemos imitar a função do TDP-43, que interfere na produção da estatmina-2, com uma droga que mexe no DNA, restaurando o nível correto de RNA e da estatmina-2 no sistema nervoso dos mamíferos", afirma, em nota.
Segundo Bruno Burjaili, neurocirurgião especializado no tratamento de doenças da cabeça, nervos e coluna vertebral, apesar de a medicina saber que a doença provoca a perda de neurônios, ainda não há respostas para as causas e como evitá-las, o que impossibilita o desenvolvimento de uma cura. Para o médico, no futuro, essas soluções virão das terapias gênicas. "Poderíamos modificar genes causadores da doença", indica. "De preferência, antes de ela se manifestar, mas também após isso."
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Origem
Outra equipe de pesquisadores dos Estados Unidos trabalha em um estudo que indica uma possível origem da doença. Cientistas da Universidade do Colorado em Boulder descobriram que, quando presente em altos níveis no tecido nervoso, a proteína PEG10 altera o comportamento celular e contribui para o aparecimento da ELA. Segundo o trabalho, divulgado, em junho, na revista eLife, a descoberta poderá auxiliar na criação de terapias para a doença.
A pesquisa — liderada por Alexandra Whiteley, professora-assistente do Departamento de Bioquímica da universidade, em parceria com cientistas da Harvard Medical School — foi conduzida com animais, e os estudiosos identificaram quais proteínas se acumulavam quando o gene da ubiquilina-2, relacionado à ocorrência de ELA, falhava. Entre milhares de proteínas possíveis, chegaram à PEG10.
Em uma segunda etapa, o grupo coletou o tecido espinhal de pacientes falecidos com ELA e buscou quais proteínas se destacavam entre mais de 7 mil substâncias. A PEG10 mais uma vez chamou a atenção, estando entre as cinco mais presentes. Em um experimento à parte, o grupo também descobriu que, com a falha na ubiquilina, a PEG10 se acumulava e interrompia o desenvolvimento dos axônios, estruturas dos neurônios que transportam os sinais elétricos do cérebro para o resto do corpo.
Na avaliação de Whiteley, os resultados indicam que a proteína pode ser um caminho promissor de enfrentamento à doença. "O fato de o PEG10 provavelmente estar contribuindo para a ELA significa que podemos ter um novo alvo para o tratamento. Para uma patologia terrível, em que não há terapêutica eficaz que prolongue a expectativa de vida por mais de alguns meses, isso pode ser enorme", afirma. Segundo a cientista, o ensaio ainda deve ajudar a entender outras patologias que resultam do acúmulo de proteínas, como o Alzheimer.
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Dificuldades
Os esforços da ciência em buscar respostas para enfrentar a ELA, porém, enfrentam alguns obstáculos, afirma o neurologista Marcos Alexandre Carvalho Alves, do Instituto de Neurologia de Goiânia. Um deles é a criação de modelos animais que reproduzem as características da doença em humanos. Além de o processo ser muito difícil, os existentes não são totalmente satisfatórios. "Isso dificulta o desenvolvimento de terapias que possam ser testadas em animais antes de serem usadas em humanos", diz.
O médico lembra que as características da doença dificultam o desenvolvimento de terapias. "A ELA é complexa e multifacetada. Isso significa que, mesmo os cientistas conhecendo os mecanismos que levam à degeneração das células nervosas, ainda não se sabe exatamente como ocorre e como detê-la." Segundo ele, a terapia genética é uma aposta promissora, visto que os cuidados atuais são principalmente para desacelerar o avanço da ELA e aliviar os sintomas.
Para desacelerar a ELA, cientistas da Harvard Medical School apostam em intervenções focadas em uma proteína. Eles criaram modelos de neurônios motores a partir da transformação de amostras de células-tronco de pacientes e descobriram que a gasdermina E está presente em níveis elevados nessas células. Depois, tentaram suprimi-la para proteger os neurônios.
A intervenção foi feita em camundongos, que tiveram a proteína silenciada, atrasando a progressão dos sintomas. Apesar de a pesquisa não confirmar quais drogas podem agir diretamente na gasdermina E e em outras proteínas da mesma família, os cientistas creem que o estudo pode auxiliar os ensaios futuros. "Descrevemos um caminho e moléculas que você pode direcionar para o tratamento de muitas doenças neurodegenerativas", afirma Judy Lieberman, uma das líderes da pesquisa.