meio ambiente

Mudanças climáticas deixam a Terra mais insegura para a humanidade

O planeta ultrapassou sete das oito condições limites para garantir bem-estar e justiça à vida humana, mostra relatório feito por mais de 50 cientistas. O homem é o principal responsável pelo cenário

A Terra já não é um lugar seguro para a humanidade. Devido à própria ação do homem, importantes limites para o bem-estar foram ultrapassados, colocando em risco a vida de bilhões de pessoas ao redor do globo. Em um artigo publicado na revista Nature, uma equipe internacional com mais de 50 cientistas de diversas instituições alertam que, sem uma mudança drástica na forma como se lida com os recursos naturais, para muitas pessoas, o planeta já é um cenário dantesco, com fome, seca, migrações forçadas por falta de recursos e calor acima do suportável.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores de ciências naturais e sociais avaliaram, pela primeira vez, como o mundo avança em relação a cinco aspectos considerados essenciais para o funcionamento do planeta e o consequente bem-estar de seus habitantes. São eles: clima, biodiversidade, água doce, ciclo de nutrientes e diversos poluentes. Os autores definiram oito fronteiras, dentro dessas classificações, que ao serem ultrapassadas, colocam a Terra em risco. E, então, calcularam para onde a humanidade está se encaminhando.

Por exemplo, as atividades humanas estão alterando os fluxos de água, quantidades excessivas de nutrientes são liberados nos cursos d'água com o uso de fertilizantes e áreas naturais são prejudicadas. "Isso representa ameaças existenciais para um planeta estável, para os ecossistemas e suas contribuições vitais para as pessoas", diz o artigo.

A não ser pela recuperação da camada de ozônio, as demais fronteiras foram cruzadas, mostra o estudo. Um exemplo é o fato de dezenas de milhões de pessoas já serem prejudicadas pelo nível atual das mudanças climáticas, pois o mundo ultrapassou o limite considerado justo e seguro de 1 grau acima dos níveis pré-industriais.

Dignidade

Embora pesquisas anteriores tenham avaliado os limites seguros desses processos, esta é a primeira a incorporar a justiça na análise científica. Os especialistas adicionaram esse conceito, identificando até onde os humanos têm acesso a recursos que garantam uma vida digna e como a falta disso coloca populações inteiras em uma posição injusta, como aquelas que precisam migrar devido aos impactos das mudanças climáticas.

"A justiça é uma necessidade para a humanidade viver dentro dos limites planetários. Essa é uma conclusão vista em toda a comunidade científica em várias avaliações ambientais de peso. Não é uma escolha política", comentou, em coletiva de imprensa on-line, Joyeeta Gupta, professora de meio ambiente e desenvolvimento na South University de Amsterdã, na Holanda.

"Os resultados do nosso 'exame de saúde' (do planeta) são bastante preocupantes: dentro dos cinco domínios analisados, vários limites, em escala global e local, já foram transgredidos", alertou Johan Rockström, líder do projeto e diretor do Instituto de Pesquisas sobre Impactos Climáticos de Potsdam. "Isso significa que, a menos que ocorra uma transformação oportuna, é mais provável que pontos de inflexão irreversíveis e impactos generalizados no bem-estar humano sejam inevitáveis. Evitar esse cenário é crucial se quisermos garantir um futuro seguro e justo para as gerações atuais e futuras."

Medidas

Para os autores, o cenário também sinaliza a "necessidade urgente de liderança global, tomada de decisão rápida e transformação em direção a um espaço seguro e justo". "Transformar nossas economias para operar dentro dos limites do planeta oferece enormes oportunidades para os líderes empresariais ficarem à frente do escrutínio regulatório, atender às expectativas de uma base de consumidores e partes interessadas cada vez mais conscientes e proteger as comunidades", defendem, no estudo.

O momento não poderia ser mais propício e urgente, disseram os autores. Recentemente, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) salientou que o 1% mais rico da população mundial é responsável pelo dobro das emissões de CO2 dos 50% mais pobres. "As mudanças climáticas aumentaram a desigualdade e vão continuar a fazê-lo sem ações. Essa ciência equipará os líderes para construir justiça e bem-estar em suas decisões sobre sustentabilidade", diz o artigo.

Transformação deve ser sistêmica, diz especialista

Universidade Charles Sturt Divulgação - 2023. Ciencia. Kevin Parton, professor emérito do Instituto para Terra, Água e Sociedade da Universidade Charles Sturt, na Aust

"É uma pesquisa significativa, que tenta fornecer um exame integrado dos limites de oito dos sistemas ecológicos do mundo. Portanto, dá um retrato da sustentabilidade do nosso planeta muito além de apenas olhar para as mudanças climáticas. Além disso, o estudo foca não apenas nos limites técnicos (ou seguros), mas também estima limites que são justos. Por exemplo, ainda estamos, mas apenas marginalmente, dentro do limite seguro para as mudanças climáticas ( 1,5°C), enquanto o limite justo é excedido regularmente porque, mesmo a pouco mais de 1°C, muitos milhões de pessoas mais pobres sofrem com condições de ondas de calor induzidas, muitas vezes, em países que contribuem pouco para a mudança climática. Os aerossóis são um exemplo em que tanto o limite seguro quanto o justo foram excedidos, e é claro que não há caminho fácil de volta. Deve haver uma transformação global sistêmica nos setores de energia, alimentação, urbano e outros que aborde a mudança econômica, técnica e política, garantindo o acesso dos pobres ao reduzir o uso e a redistribuição de recursos."

Kevin Parton, professor emérito do Instituto para Terra, Água e Sociedade da Universidade Charles Sturt, na Austrália