De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença de Parkinson acomete cerca de 4 milhões de pessoas no planeta. Com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional, o número pode dobrar até 2040. Dessa forma, identificar fatores que anteveem a evolução da doença é condição estratégica para enfrentá-la. Pensando nisso, pesquisadores da Escola Politécnica Federal de Lausana (EPFL), na Suíça, descobriram que pessoas que apresentam alucinações precoces — comum em cerca de 30% dos pacientes — correm risco de ter um declínio cognitivo mais rápido.
O artigo, publicado, nesta quinta-feira (29/06), na revista Nature Mental Health, aponta que as alucinações de presença, que, normalmente, se caracterizam como uma forte sensação de que alguém está atrás de você — mesmo sem ter ninguém — podem ser um grande indicativo do agravamento do Parkinson. A sensação, porém, costuma ser ignorada por médicos e pacientes, alertam os autores.
Para realizar o trabalho, cientistas da EPFL se uniram a pesquisadores do Hospital Sant Pau, na Espanha, e coletaram dados de 75 pacientes com idade entre 60 e 70 anos. Os voluntários responderam a uma série de entrevistas neuropsicológicas, para avaliação do estado cognitivo, e a entrevistas neuropsiquiátricas, que ajudam na detecção de alucinações. Também foram submetidos a medições eletroencefalográficas (EEG), com o objetivo de visualizar a atividade cerebral em repouso.
Ao analisar os dados obtidos, os pesquisadores descobriram que o declínio cognitivo da função executiva frontal — que diz respeito à diminuição das habilidades cognitivas envolvidas no controle e na regulação de pensamento, comportamento e emoções — é, nos cinco anos seguintes, mais rápido nos pacientes que apresentavam alucinações precoces.
Conforme o estudo, o nível de declínio cognitivo ao longo desse tempo está associado a padrões de ondas cerebrais medidos pelo EEG durante a primeira avaliação. Assim, essa condição poderia ser um indicador de agravamento do Parkinson se percebida no início do adoecimento. "Se você tem a doença de Parkinson e alucinações, mesmo que sejam pequenas, deve compartilhar essas informações com seu médico o mais rápido possível", enfatiza, em nota, Fosco Bernasconi, do Laboratório de Neurociência Cognitiva da EPFL e principal autor do estudo.
Terapias
Os cientistas ressaltam, no artigo, que doenças neurodegenerativas, como o Parkinson, costumam ser detectadas quando estão muito avançadas, o que acaba reduzindo o efeito de algumas medidas terapêuticas. Ao buscar sinais precoces do avanço da patologia, como as pequenas alucinações, a equipe pretende criar formas de retardar a progressão dos sintomas cognitivos e psiquiátricos da doença.
Segundo Olaf Blanke, líder do laboratório que guiou a pesquisa, a detecção precoce também poderá facilitar o desenvolvimento de terapias aprimoradas e personalizadas. "Pretendemos ter um marcador precoce para identificar indivíduos em risco de uma forma mais grave da doença de Parkinson com base na propensão a alucinações. E, idealmente, identificar esses indivíduos antes mesmo de as alucinações realmente ocorrerem", detalha, em nota.
O neurologista Marcelo Lobo, do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, reforça que o sintoma avaliado pelos cientistas tem papel-chave no acompanhamento da doença. "Esse preditor pode ajudar no tratamento. Quando a gente diagnostica um paciente atípico, o uso de medicações específicas pode trazer um um benefício importante no controle dos sintomas, principalmente nas alucinações e no declínio cognitivo. Pode também fazer com que a gente inicie precocemente medidas de reabilitação por meio de treinamento cognitivo", afirma.
De acordo com o ensaio, alucinações em geral estão entre os sintomas menos conhecidos da doença de Parkinson, apesar de serem comuns, acometendo cerca de metade dos diagnosticados. O tipo precoce é, de fato, motivo de preocupação porque aparece em um terço dos pacientes antes do início dos sintomas motores, como tremores. Pode ser leve, mas também grave, como alucinações visuais.
É estabelecido pela ciência e pela medicina que alucinações visuais complexas, como ver alguém que não está presente, são associadas ao declínio cognitivo e à demência em decorrência do Parkinson e outros distúrbios neurodegenerativos. Todavia, elas normalmente surgem em um estágio avançado da doença, o que limita seu uso como marcador precoce de declínio cognitivo.
Priscilla Mussi, geriatra e coordenadora de Geriatria do Hospital Santa Lúcia, crê que, apesar da recente descoberta, o preditor poderá ser útil na criação de abordagens mais eficazes. "O reconhecimento precoce dessas alterações cognitivas por meio da avaliação neuropsicológica é importante e pode ser útil para a introdução de novas estratégias terapêuticas", diz. "Entre as alterações cognitivas, a demência é o estado mais grave da doença, aumentando o risco de morte, devido a complicações clínicas ligadas ao funcionamento respiratório, efeitos colaterais dos medicamentos, que podem levar à sedação e a distúrbios cardíacos."
Palavra de especialista: necessidade de mais estudos
"Alucinações são um sintoma comum em pacientes com a doença de Parkinson avançada. Elas podem envolver a visão, a audição, o olfato e até mesmo o tato. O declínio cognitivo é outro sintoma frequente e se refere à diminuição da capacidade de pensar, raciocinar, lembrar e processar informações. Isso pode afetar a memória, a atenção, a linguagem e o funcionamento executivo, levando a dificuldades no planejamento, na tomada de decisão e na resolução de problemas. Existem várias implicações na relação entre alucinações e declínio cognitivo na doença de Parkinson. Estudos têm mostrado que pacientes com alucinações apresentam um maior comprometimento cognitivo do que aqueles que não têm alucinações. Diante disso, podemos utilizar medicamentos para atenuar esses sintomas. Todavia, a relação entre alucinações e declínio cognitivo na doença de Parkinson é complexa e ainda não está completamente compreendida. Mais pesquisas são necessárias para investigar os mecanismos específicos envolvidos e desenvolver abordagens terapêuticas eficazes para lidar com esses sintomas. O tratamento, atualmente, se concentra em ajustes de medicamentos, terapias comportamentais, atividade física e suporte psicossocial."
Marcos Alexandre Alves, neurologista do Instituto de Neurologia de Goiânia, pertencente ao Grupo Kora Saud
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