O El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico Tropical, chegou no último dia 8, mais cedo do esperado, trazendo um forte clima de apreensão. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) avalia que há 56% de probabilidade de o fenômeno meteorológico se tornar de forte intensidade, e alerta que a força do evento natural, que dura de nove a 12 meses, impacta no aumento da temperatura global e no clima de todo o planeta, além de gerar consequências para a economia.
Segundo a Organização Mundial de Meteorologia (OMM), agência especializada em clima e tempo da Organização das Nações Unidas (ONU), o El Niño acontece em intervalos de tempo que variam, em média, de dois a sete anos. Desta vez, a previsão era de que havia 60% de chance de ele chegar até o fim de julho e 80% de probabilidade de se formar até setembro. Seu início, porém, foi declarado cerca de dois meses mais cedo do que o padrão montado a partir de episódios anteriores.
Há ainda um temor de que o aumento das temperaturas atrapalhe o cumprimento do Acordo de Paris — um tratado firmado em 2015 por mais de 190 países para melhorar a resposta às mudanças climáticas. Em comunicado divulgado em maio, a OMM destaca que o desenrolar do El Niño vai colaborar para que o clima esquente, pressionando as metas.
No anúncio, o secretário-geral da agência, Petteri Taalas, alertou que o fenômeno meteorológico, provavelmente, levará a um novo pico no aquecimento global, além de aumentar as possibilidades de novos recordes de calor. Esse cenário pode se somar a outra previsão, também da OMM, de que os próximos cinco anos serão o quinquênio mais quente do planeta. Há uma probabilidade de 66% de que, em pelo menos um desses anos, a temperatura exceda em 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais, situação que o acordo de Paris tenta evitar.
Efeitos sistêmicos
No começo deste ano, a OMM havia publicado um relatório mostrando que os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados. No entanto, com a chegada do El Niño, essas temperaturas poderão ser superadas. Isso porque, conforme Taalas, nos três anos finais do período avaliado, o mundo estava sob a influência de uma espécie de freio natural da elevação dos termômetros: o La Niña, que resfria as águas do Oceano Pacífico e diminui o calor.
Para Andrea Ramos, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) no Distrito Federal, o El Niño é preocupante em qualquer lugar do mundo. "Em geral, ele contribui para aumento recorde das temperaturas globais, perda de florestas tropicais, branqueamento de corais, alteração da atividade elétrica da terra, geração de incêndios florestais, maior incidência de eventos extremos e degelo polar", lista.
A meteorologista afirma que o evento deve ser acompanhado ao longo de seu desenvolvimento. "O monitoramento vai condicionar se será moderado, forte ou super forte", justifica. Estimativas da OMM indicam algumas áreas com maior risco de serem afetadas. O fenômeno poderá causar um disparo nos índices de precipitação em partes do sul da América do Sul, sul dos Estados Unidos, Chifre da África e Ásia Central. Também deve desencadear secas devastadoras na Austrália, na Indonésia e em partes do sul da Ásia.
Água acumulada
Um grupo de pesquisadores da China também alertou, em abril, na revista Land-Atmosphere Research, que há a possibilidade de intensificação do fenômeno meteorológico. Conforme o estudo, o Oceano Pacífico tropical passou por um La Niña atípico, que durou três anos e fez com que uma grande quantidade de água quente se acumulasse em 2022. Segundo os autores, essa reserva hídrica é muito maior que os acúmulos que precederam fortes El Niños no passado.
"O conteúdo de calor do oceano no inverno de 2022 é o maior dos últimos 40 anos. Como esse conteúdo serve como um precursor primário para um próximo El Niño, mostramos, por meio de um conjunto de experimentos modelo, que o atual é suficiente para impulsionar um forte El Niño no fim de 2023", afirma, em nota, Tao Lian, um dos autores do ensaio e membro do Segundo Instituto de Oceanografia.
Para fazer a previsão, a equipe analisou informações da termoclina — a camada de transição entre as águas mais quentes perto da superfície do oceano e as águas profundas mais frias — do fim de 2022 até início de 2023. Quando a profundidade dessa camada é maior que o normal no Pacífico Ocidental, é provável que ocorra um El Niño no ano seguinte.
Os pesquisadores compararam os dados recentes com informações de 1982, 1997 e 2015 — anos que exibiram uma termoclina mais profunda do que o normal, precedendo o início de três eventos extremos de El Niño. Depois, minimizou a incerteza nas previsões filtrando influências climáticas de fora do Pacífico Tropical. Com dados mais refinados, chegou-se a um cenário no qual se vê um El Niño mais forte no fim deste ano.
Conforme o meteorologista Mamedes Luiz Melo, também do Inmet DF, o fenômeno de agora se assemelha ao último. "Ele tem uma característica parecida com aquele de 2015/16: um aquecimento forte. É considerado forte quando chega a pelo menos a 2°C de aumento na temperatura. Quando alcança uma elevação de 2,5°C, é caracterizado como um super El Niño, o que ainda não aconteceu."
Melo explana ainda que tanto o El Niño quanto a La Niña não têm padrões muito específicos para acontecerem. "Não há um período cíclico certinho. No entanto, a gente sabe que a cada 10, 20, 50, 100 anos, eles aparecem bem fortes. Não existe um motivo específico. Já acontece na natureza assim há um bom tempo, e eles nunca são iguais, podem ser parecidos, mas nunca igual."
Risco de excesso de chuva no Brasil
Há um temor de que o Brasil seja muito afetado por um El Niño mais grave. De forma geral, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), na Região Sul do Brasil, o fenômeno desencadeia excesso de chuva nos meses de inverno e na primavera. No Norte e Nordeste, há uma diminuição nos índices de precipitação durante o outono e o verão. No inverno, há uma tendência de aumento da temperatura média na região central do Brasil, e chances de redução do número de geadas intensas no Sul.
Andrea Ramos, meteorologista do Inmet no Distrito Federal, ressalta que nem sempre o El Niño tem características para gerar todas essas reações de uma vez. "Vale lembrar que um único episódio do fenômeno não será capaz de provocar todos os impactos, mas eleva consideravelmente as chances de ocorrência deles. Como está recente, teremos que analisar depois, pois a nossa estação mais chuvosa é no verão, que começa em dezembro e vai até março. Só então, teremos uma análise do impacto mais significativo." Para especialista, ainda não é possível relacionar o ciclone que afeta o Sul nos últimos dias ao El Niño.
Charles Dayler, engenheiro agrônomo e especialista em meio ambiente, ilustra algumas possíveis consequências. Segundo ele, o plantio agrícola pode ser afetado, já que o excesso de chuva dificulta as colheitas e causa outros danos. "Então, se a gente estiver pensando em termos de manejo da lavoura com excesso de chuva, pode ter problema de encharcamento de solo. A soja, por exemplo, vai sofrer uma abertura de vagem com excesso de chuva e o grão vai perder."
Ele pontua ainda que a própria logística da colheita e da distribuição das produções pode ser prejudicada. "Vai haver dificuldade no uso de maquinário, uma vez que você tem um solo com excesso de chuva. Fica difícil o trânsito nesse solo, e as máquinas podem atolar. Um outro exemplo que a gente tem é a questão da própria cana-de-açúcar. Com excesso de chuva, a gente tem perda de qualidade da cana. Vai ter uma concentração de água nela, e isso não é interessante na hora de fazer o transporte", finaliza.
Impacto econômico durador
Inundações avassaladoras, secas que atrapalham plantações, diminuição da quantidade de peixes e elevação na incidência de doenças tropicais são alguns dos problemas que podem ser desencadeados pelo El Niño, sobretudo se o fenômeno tiver forte intensidade, e, como consequência, afetar a economia mundial. Um estudo realizado por cientistas da Universidade Dartmouth, nos Estados Unidos, e divulgado na revista Science, em maio, detalha esses impactos financeiros.
De acordo com os cientistas, o período de cinco anos que sucede o evento meteorológico é acompanhado por um desaceleramento econômico mundial. A expectativa é de que, no século 21, as perdas econômicas globais totalizem US$ 84 trilhões. Só o evento deste ano pode gerar um impacto de US$ 3 trilhões até 2029.
Para o ensaio, os pesquisadores passaram dois anos examinando a atividade econômica global nas décadas seguintes aos eventos de 1982/83 e 1997/98. Ao fazer a análise dos dados, encontraram uma característica em comum: o crescimento econômico desacelerado mais de cinco anos depois dos fenômenos meteorológicos. A economia global perdeu cerca de US$ 4,1 trilhões meia década após o fenômeno que se iniciou em 1982 e US$ 5,7 trilhões depois do El Niño de 1997.
Nesses casos, as maiores defasagens econômicas foram protagonizadas por países mais pobres. "Podemos dizer, com certeza, que sociedades e economias não apenas sofrem um golpe e se recuperam. Uma desaceleração após o El Niño pode durar até 14 anos ou até mais", declarou, em nota, o principal autor do estudo, Christopher Callahan, candidato a doutorado em geografia em Dartmouth. (IA)
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