CIÊNCIA

Em que momento da história os humanos começaram a se beijar nos lábios

Estudiosos sugeriram que o beijo na boca evoluiu para avaliar a adequação de um parceiro em potencial, por meio de sinais químicos transmitidos na saliva ou na respiração

BBC
Sophie Lund Rasmussen e Troels Pank Arbøll - The Conversation*
postado em 01/06/2023 09:06 / atualizado em 01/06/2023 09:06
 (crédito: Getty Images)
(crédito: Getty Images)

Beijar na boca é um ato tão natural e comum em várias sociedades atuais que é facilmente banalizado.

Mas, na verdade, não está claro se as pessoas sempre se beijaram ou se isso só começou a acontecer em um passado relativamente recente.

O fato é que a história e os motivos do beijo são mais complexos do que se poderia imaginar.

Em artigo publicado na revista científica Science, analisamos quantidades significativas de evidências negligenciadas que desafiam as crenças atuais de que o primeiro registro de beijo romântico-sexual aconteceu na Índia, por volta de 1500 a.C..

Em vez disso, o beijo na boca foi documentado na antiga Mesopotâmia — atual Iraque e Síria — desde pelo menos 2500 a.C..

Isso significa basicamente que a história registrada do beijo romântico-sexual é pelo menos 1.000 anos mais antiga do que a data mais antiga conhecida anteriormente.

Por que nos beijamos?

Antropólogos evolucionistas sugeriram que o beijo na boca evoluiu para avaliar a adequação de um parceiro em potencial, por meio de sinais químicos transmitidos na saliva ou na respiração.

Outros propósitos sugeridos para o beijo incluem provocar sentimentos de apego e facilitar a excitação sexual.

O beijo na boca também é observado entre nossos parentes vivos mais próximos, os chimpanzés e bonobos. Isso sugere que o comportamento pode ser muito mais antigo do que as primeiras evidências atuais em humanos.

A população na antiga Mesopotâmia pode ter inventado a escrita, embora sua invenção no antigo Egito também tenha sido mais ou menos contemporânea.

A escritura mesopotâmica mais antiga é de cerca de 3.200 a.C., da cidade de Uruk, agora no sul do Iraque.

Essa escrita, chamada cuneiforme, era inscrita em tabuletas de argila úmida com o auxílio de estiletes de bambu em forma de cunha.

Originalmente, a escrita era usada para fazer anotações em sumério, uma língua sem relação conhecida com nenhuma outra.

Mais tarde, foi adaptada para escrever em acádio, uma antiga língua semítica.

Dois macacos dando beijo na boca
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Os bonobos também dão beijam na boca

Embora os primeiros textos que encontramos estejam principalmente ligados a práticas administrativas e reflitam amplamente a mecânica da burocracia, as pessoas desenvolveram esse modo de escrita nos séculos subsequentes para incluir outros gêneros de textos.

Na primeira metade do terceiro milênio antes de Cristo, mitos e feitiços se materializam nesses textos e, mais tarde, em documentos privados sobre pessoas comuns.

Algumas das fontes mais antigas que mencionam o beijo na boca podem ser encontradas em textos mitológicos sobre atos dos deuses que datam de aproximadamente 2.500 a.C..

Primeiros registros

Em um dos exemplos mais antigos, descrito no chamado Cilindro de Barton, um artefato de argila da Mesopotâmia com inscrições cuneiformes, diz-se que duas divindades tiveram relações sexuais e se beijaram: "... com a deusa Ninhursag, ele teve relações sexuais. Ele a beijou. E preencheu seu ventre com o sêmen de sete gêmeos".

Fontes posteriores, como provérbios, um diálogo erótico entre um homem e uma mulher e um texto jurídico, dão a impressão geral de que beijar no contexto do sexo, da família e da amizade era provavelmente uma parte comum da vida cotidiana em áreas centrais do antigo Oriente Médio, do final do terceiro milênio antes de Cristo em diante.

Duas mulheres dando beijo na boca
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A história do beijo é mais complexa do que se imagina

Ainda assim, parece que o beijo romântico-sexual na rua pode ter sido malvisto, e é possível que fosse praticado preferencialmente entre casais casados.

A sociedade provavelmente tinha uma série de normas sociais do tipo em relação ao comportamento ideal.

Mas o fato de tais normas existirem aponta para uma prática generalizada.

Único ponto de origem?

Evidências sugerem que o beijo na boca era praticado pelo menos no antigo Oriente Médio e na Índia.

Isso se contrapõe a observações prévias sobre a história mais antiga de beijo da humanidade.

Um manuscrito da Índia datado de cerca de 1.500 a.C., por exemplo, foi usado anteriormente para sugerir que o beijo foi trazido para o ocidente como uma prática cultural de lá.

As evidências mais antigas da Mesopotâmia indicam que podemos descartar esse cenário.

Estátua de um homem e uma mulher abraçados, prestes a se beijar
Getty Images

Considerando a ampla distribuição geográfica do beijo romântico-sexual na Antiguidade, acreditamos que o beijo teve múltiplas origens.

E mesmo que alguém procurasse um único ponto de origem do beijo, teria que buscá-lo milênios atrás, em tempos pré-históricos.

Um estudo antropológico recente mostrou que o beijo romântico-sexual não é universal.

No entanto, existe documentação escrita antiga sugerindo uma tendência para sua prática em sociedades com hierarquias sociais complexas.

Isso levanta uma questão sobre o quão amplamente usado era o beijo sexual no mundo antigo, especialmente em sociedades que não podem ser rastreadas porque não usavam a escrita.

Embora algumas sociedades possam não ter praticado o beijo romântico-sexual, argumentamos que ele devia ser conhecido na maioria das culturas antigas, devido a contatos culturais, por exemplo.

Mas se pesquisas futuras mostrarem que o beijo na boca não pode ser considerado quase universal no mundo antigo, será interessante considerar as razões pelas quais essa não era uma prática comum.

Surpreendentemente, a história e a cultura do beijo são complexas, com muitos aspectos ainda a serem revelados.

* Sophie Lund Rasmussen é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Troels Pank Arbøll é professor assistente de assiriologia na Universidade de Copenhage, na Dinamarca.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

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