Foi uma pergunta aleatória. Sabine Hossenfelder estava em um táxi com um jovem e, quando ela informou que era física teórica, o rapaz perguntou: "Um xamã me disse que minha avó ainda está viva por causa da mecânica quântica. Isso é verdade?".
O rapaz talvez não soubesse, mas Hossenfelder era a pessoa ideal para ele fazer essa pergunta.
A cientista, que hoje trabalha no Centro de Filosofia Matemática da Universidade de Munique, na Alemanha, passa o tempo procurando respostas para esse tipo de questionamento.
"Foi isso que me interessou na física desde o início: todas aquelas grandes questões difíceis de responder", disse ela à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
"Vinte anos depois, ainda não tenho as respostas, mas se você me fizer uma pergunta, posso lhe dar uma resposta bem longa."
Essas respostas estão refletidas em artigos de imprensa e em livros como Lost In Math ("Perdidos na matemática", em tradução livre, sem versão no Brasil) e Existential Physics: A Scientist's Guide to Life's Biggest Questions ("Física Existencial: um guia científico para as maiores questões da vida", também sem versão no Brasil).
Além disso, ela se tornou conhecida por meio de seu blog BackRe(Action) e de seu popular canal no YouTube.
Centenas de milhares de pessoas seguem a cientista na internet. "Somos atraídos por mistérios", diz.
"Acho que por trás dessa atração está o desejo de entender como nos encaixamos neste universo, o que essas leis fundamentais que usamos na física nos dizem sobre isso", explica Hossenfelder. "Elas não respondem exatamente a todas as grandes questões, mas nos dão uma pista sobre o que é possível e o que não é."
Mas voltando à pergunta do início deste texto: O que o xamã disse ao jovem do táxi pode ser verdade?
Relatividade
"Eu realmente não sabia o que responder, porque a mecânica quântica em si não tem muito a ver com vida após a morte", diz Hossenfelder.
"Mas, depois de pensar um pouco sobre isso, cheguei à conclusão de que não era completamente falso."
"Se você deixar de lado a mecânica quântica, é verdade que nossas teorias de espaço e tempo, que remontam principalmente a Albert Einstein, nos dizem algo sobre a realidade do passado e também do futuro, embora o futuro seja mais complicado porque dessa mecânica quântica."
Seguindo esse fio, ela chegou a uma resposta para a pergunta peculiar.
"O que Einstein nos ensinou, embora eu ache que foi uma surpresa para ele mesmo que isso fosse uma consequência de sua teoria, é que fundamentalmente você não pode falar da existência deste momento presente sem também reconhecer a existência do passado exatamente da mesma maneira", diz Hossenfelder.
Você provavelmente já percebeu: o presente é um instante entre o passado e o futuro.
Se eu perguntar o que você está fazendo agora, você responderá que está lendo este artigo, mas mesmo essa resposta já tem um pouco do passado.
"Tudo o que você vive, tudo o que você vê, você vê como se fosse uma pequena quantidade de tempo no passado", detalha Hossenfelder.
Ou seja, o momento "agora" é impossível de descrever.
Além disso, "o que chamamos de momento presente pode ser o futuro ou o passado para outra pessoa. Einstein chamou essa noção de independência do observador".
O trem de Einstein
Para entender melhor, vamos relembrar um dos famosos experimentos mentais de Einstein.
Até então, duas correntes da física pensavam de maneira diferente: os newtonianos afirmavam que, ao medir a velocidade da luz, ela seria diferente dependendo de como você se movia; já os maxwellianos argumentavam que a velocidade da luz era sempre a mesma.
Einstein se concentrou em um elemento-chave da velocidade: o tempo.
E percebeu que a afirmação sobre o tempo era uma pergunta sobre o que é simultâneo.
Por exemplo, se você diz que um trem chega à estação às 7h05, isso significa simplesmente que ele chega à plataforma no mesmo momento em que o relógio está marcando 7h05.
Mas Einstein achava que essa noção de coisas acontecendo ao mesmo tempo na verdade dependia de como você está se movendo.
E isso significava que o fluxo do tempo poderia não ser o mesmo para todo mundo.
Para explicar isso, Einstein imaginou um homem parado na plataforma de uma estação de trem. De repente, dois raios caem de cada lado dele, exatamente à mesma distância.
A luz de cada um dos raios atinge seus olhos precisamente no mesmo momento.
Para esse homem, os dois raios caíram simultaneamente.
Mas, naquele exato momento, um trem que viaja próximo à velocidade da luz está passando. Nele, há uma mulher.
À medida que a luz emana dos raios, o trem se move em direção a um enquanto se afasta do outro.
A luz do raio à frente, em direção ao quem está no trem, chega primeiro aos olhos da mulher, pois a distância é menor. A luz do raio de trás chega depois.
Ou seja, ao contrário do homem na plataforma, para a mulher, o tempo transcorreu entre os dois raios: um caiu antes do outro.
Portanto, se a velocidade da luz é constante - e é - qual dos observadores está certo? Os raios caíram ao mesmo tempo ou um depois do outro?
A resposta: nenhum e ambos. Ambos têm uma perspectiva igualmente válida.
"Todos os observadores têm os mesmos direitos, por assim dizer: sua realidade não é mais real do que a minha", observa Hossenfelder.
O passado presente
Essa impossibilidade de definir uma noção do agora é chamada de "relatividade da simultaneidade".
"Einstein disse que temos que tratar o tempo como uma dimensão, e ele criou uma entidade chamada espaço-tempo", explica a física teórica.
"Depois de fazer isso, você não pode introduzir um momento específico ao agora, porque isso não funciona para todos os observadores."
Seguindo essa lógica, se não houver uma noção inequívoca para definir o que acontece agora, aponta Hossenfelder, então todo momento pode ser "agora" para alguém.
Isso incluiria todos os momentos do seu passado e do seu futuro.
"Isso leva à conclusão de que o passado existe da mesma forma que o presente", diz Hossenfelder.
Esse raciocínio nos levaria a pensar que o passado em que vive sua tataravó existe da mesma forma que o nosso presente.
"É claro que se você quiser falar com sua tataravó, nada disso vai te ajudar... ainda não sabemos como fazer isso", afirma.
E essas últimas palavras nos chamaram a atenção: o que ela quis dizer com "ainda"?
As leis
"Neste ponto, tenho que admitir que o que se segue são coisas em que acredito, que acho interessantes, mas podem ou não estar corretas", diz a cientista.
No mínimo, ficamos intrigados, principalmente considerando que as reflexões de Sabine Hossenfelder são derivadas do estudo da física fundamental.
"Se você pensar sobre isso, quando alguém morre, de certa forma, eles continuam a existir", diz Hossenfelder.
"O que acontece é que todas as informações que compunham sua personalidade - as conexões específicas dos átomos, as sinapses em seu cérebro e assim por diante - se decompõem, se desfazem. Mas sabemos, pela maneira como as leis fundamentais da natureza funcionam, que essa informação não é destruída."
"A única coisa que acontece é que ela se difunde em correlações sutis nos restos do corpo, se enreda com outras partículas, se espalha por todo o planeta Terra e, a longo prazo, por todo o universo."
Então: a informação ainda está lá, mas, para fins práticos, é impossível recuperá-la.
No entanto, Hossenfelder se pergunta: quem sabe o que acontecerá em um bilhão de anos?
"O universo vai existir por algum tempo, então há potencial para desenvolvimento tecnológico", diz Hossenfelder.
"Mesmo que a informação que compõe uma pessoa não esteja mais em um só lugar e não possamos conversar com ela, talvez alguém descubra como fazer isso. Ou algo pode mudar na natureza dos humanos; talvez algumas consciências cósmicas também se espalhem e essas informações se tornem acessíveis novamente", afirma a cientista.
"Eu sei que parece loucura, e confesso que tenho dificuldade em entender isso intuitivamente, mas com base no que sabemos sobre como nossas teorias atuais funcionam, parece que nossa existência transcende a passagem do tempo. Há algo atemporal sobre a informação que nos constitui, além de constituir tudo no universo."
Como Einstein escreveu...
"Para nós, físicos crentes, a distinção entre passado, presente e futuro tem apenas o significado de uma ilusão, ainda que persistente."
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