A comunidade científica comemorou os resultados do estudo de fase III de uma droga para Alzheimer, que retardou em 35% o declínio cognitivo de pessoas com a doença inicial sintomática. Além disso, o donanemab, um anticorpo monoclonal, resultou em uma perda 40% menor na capacidade de realizar tarefas cotidianas, comparado ao grupo placebo. Desenvolvida pela farmacêutica Eli Lilly, o medicamento, porém, pode causar inchaço e pequenas hemorragias cerebrais, efeito colateral observado em 24% e 31,4% dos participantes, respectivamente.
O donanemab soma-se a um arsenal ainda modesto, mas em expansão, de fármacos que atacam a doença diretamente. Hoje, o lecanemab, da Biogen/Esai, é o único tratamento aprovado por agências de vigilância sanitária que também atua sobre a causa do Alzheimer. Outros laboratórios testam anticorpos com o mesmo objetivo e, recentemente, alguns experimentos com drogas semelhantes falharam nas fases finais. Os resultados apresentados ontem ainda não foram publicados, mas a Lilly afirmou que, em breve, aparecerão em uma revista científica.
O novo medicamento tem como alvo as placas beta-amiloide, uma das principais causas conhecidas do Alzheimer. Quando produzida em excesso, essa proteína danifica o cérebro, provocando a degeneração dos neurônios, um processo que pode começar até 20 anos antes de os sintomas cognitivos se manifestarem. Assim como o lecanemab, a droga promove uma limpeza no órgão. Segundo o comunicado da Lilly, em mais de 70% dos participantes houve redução de resíduos no cérebro, verificada pelo exame de tomografia.
Proteína tau
Diferentemente de estudos anteriores, o do donanemab dividiu os voluntários de acordo com níveis da proteína tau, que, quando elevada, indica a progressão do Alzheimer. Os efeitos da droga foram melhores entre aqueles com concentração intermediária do biomarcador. Em 18 meses, os testes com 1,1 mil pessoas desse subgrupo mostraram uma redução de 35% no avanço do declínio cognitivo, comparado aos que tomaram placebo. Já nos participantes com taxas mais altas da tau, o percentual foi mais modesto, de 29%, semelhante ao obtido pelo concorrente lecanemab.
A fase III do estudo também mostrou que 47% dos pacientes sob o regime do donanemab não progrediram na doença ao longo de 12 meses — no grupo placebo, o índice foi de 29%. Os benefícios clínicos foram medidos em um teste padrão que avalia o desempenho nas atividades diárias, como cuidar das finanças e organizar a casa.
"A placa amiloide é uma característica fisiopatológica definidora da doença de Alzheimer", disse, no comunicado da Lilly, Eric Reiman, presidente de pesquisa da Banner, um dos locais onde o estudo foi realizado. "Os principais resultados fornecem suporte convincente para a relação entre a remoção da placa amiloide e um benefício clínico em pessoas com a doença", acrescentou.
"Essas drogas não são isentas de riscos e precisamos aprender mais sobre os efeitos colaterais mais comuns — inchaço ou edema cerebral", comentou a neurologista Cath Mummery, da Universidade College London, na Inglaterra. "Embora raramente graves, precisamos conseguir prever quem está em maior risco e como minimizar isso", adverte a médica, que não participou do estudo. A incidência de inchaço, uma condição chamada Aria-E, e de pequenas hemorragias cerebrais (Aria-H) foi de 24% e 31,4% nos pacientes tratados. Três pessoas morreram durante os estudos, em decorrência desse efeito colateral.
Histórico
Para Mummery, porém, no geral, os resultados são animadores. "Isso confirma que agora estamos entrando na era do tratamento da doença de Alzheimer. Após muitos anos de testes negativos, temos resultados consistentes em vários anticorpos antiamiloide, mostrando que a remoção da proteína muda o curso da doença. Esse resultado histórico sugere que em um grupo de pacientes com níveis intermediários de tau, a proteína secundária anormal que se acumula no Alzheimer, o declínio cognitivo pode ser retardado em mais de um terço em 18 meses, e em quase metade dos pacientes não houve progressão ao longo de um ano."
Em nota, a Associação de Alzheimer dos Estados Unidos comemorou o comunicado da Lilly. "Para as pessoas nos estágios iniciais da doença de Alzheimer, esses resultados sugerem que o donanemab mudará significativamente o curso da doença", disse Joanne Pike, presidente da organização. "O progresso que vimos nessa classe de tratamentos, bem como a diversificação de novas terapias em potencial nos últimos anos, oferece esperança aos afetados por esta doença devastadora", complementou Maria C. Carrillo, diretora científica da associação. A médica demonstrou, contudo, uma preocupação com o acesso ao medicamento. Nos Estados Unidos, o custo anual do tratamento com o lecanemab é estimado em US$ 26,5 mil (em torno de R$ 132,2 mil).