Reciclagem, reutilização, reorientação e diversificação. Na segunda etapa de negociações de um tratado histórico sobre o ciclo de vida do plástico, representantes de 175 países, incluindo Brasil, discutirão, em Paris, os quatro eixos propostos pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) na tentativa de evitar que o mundo se transforme em um imenso lixão. Segundo o órgão da ONU, a produção do material tem aumentado exponencialmente nas últimas décadas, com a produção média de 400 milhões de toneladas por ano — número que deve dobrar em 2040.
A primeira rodada para a elaboração do tratado foi em novembro passado, no Uruguai. Agora, até sexta, a França sedia a segunda de uma série de cinco semestrais, previstas para encerrar em 2024, na Coreia. A expectativa é de que, no ano seguinte, os países participantes sejam chamados para adotar o instrumento, que é juridicamente vinculante. "O mundo está nos observando", disse, ontem, na abertura, o presidente da comissão sobre poluição plástica, o peruano Gustavo Meza-Cuadra Velásquez.
O tratado levará em conta a vida útil completa do plástico, da fonte de fabricação à chegada do poluente aos oceanos, passando pela incorporação de aditivos. O ciclo de vida do material, um subproduto de combustíveis fósseis, é considerado ambientalmente agressivo do momento da produção ao descarte. Na natureza, levam-se quatro séculos para se decompor e, no processo natural de degradação, formam-se micropartículas muito perigosas quando aspiradas e ingeridas, encontradas na atmosfera e nos oceanos.
Divulgado às vésperas da segunda mesa de negociações, um relatório do Pnuma destaca que a reciclagem e a reutilização do plástico têm potencial para reduzir 80% da poluição causada por esse material. Porém, o documento alerta que, ainda assim, serão necessárias outras ações para gerenciar 100 milhões de toneladas métricas geradas por produtos de vida curta anualmente, até 2040. "Isso é equivalente a quase igual, em peso, a 5 milhões de contêineres de transporte, que — colocados lado a lado — se estenderiam por 30 mil quilômetros, ou cerca de uma viagem de ida e volta de Nova York a Sydney."
"Bomba-relógio"
Na abertura da sessão, o presidente francês, Emmanuel Macron, mandou uma mensagem em vídeo aos participantes. Chamando a situação de "bomba-relógio", o governante destacou a necessidade de "acabar com um modelo globalizado e insustentável" de produção e consumo de plástico. "O objetivo principal deve ser reduzir a produção de novos plásticos e banir o quanto antes os produtos mais poluentes — como os descartáveis — e os mais perigosos para a saúde", apontou.
No encontro da comissão, porém, não há apenas aqueles que defendem a substituição do material. Representantes da indústria também foram chamados para as discussões. Em entrevista à agência France-Presse de notícias (AFP), Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma, disse que as empresas precisam contribuir com o tratado. "Se nos voltarmos à camada de ozônio, que é provavelmente o nosso tratado de maior sucesso, não conseguiríamos encontrar uma solução sem a presença da indústria na mesa de negociações. Acho que, assim que a legislação for aprovada, as empresas vão seguir. Já que estão lá, é melhor participarem e fazerem parte da mudança porque o tratado está chegando e será ambicioso. É o que o mundo quer."
Entre as nações participantes, há uma coalizão liderada por Ruanda e Noruega que defende a eliminação da poluição até 2040. Porém, grandes produtores, como China e Estados Unidos, pedem, no lugar, um destaque maior à reciclagem e à gestão de resíduos. O Brasil faz parte do grupo que insiste na necessidade de reduzir drasticamente o material, especialmente para evitar a contaminação de seus 5,7 milhões de quilômetros quadrados de área marinha. Micropartículas plásticas ameaçam ecossistemas e a saúde humana, com impactos também na pesca.
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Justiça
A filipina Marian Ledesma, delegada do Greenpeace do Sudeste Asiático, destacou que não se trata unicamente de uma questão ambiental. "Um tratado global de plásticos forte e equitativo não apenas abrirá o caminho para a eliminação da poluição plástica, também significa alcançar justiça para comunidades impactadas pela extração e produção e, desproporcionalmente, afetadas pela crise do plástico. É por isso que é necessário que esse instrumento legal proporcione uma redução drástica na produção de plástico e um plano de transição justo para trabalhadores e outras partes interessadas."
O Greenpeace e o artista plástico Benjamin Von Wong montaram uma instalação de 5m de altura às margens do Rio Sena para mandar uma mensagem aos negociadores. A instalação inclui a representação de uma plataforma petrolífera gigante alimentando uma cadeia de suprimentos plásticos. "Eu projetei a #PerpetualPlastic Machine para destacar a conexão íntima entre a indústria de combustíveis fósseis e empresas de bens de consumo que vendem descartáveis. Ambas são responsáveis por devastar nosso planeta enquanto colocam a culpa nos consumidores. Espero que essa instalação possa se tornar um símbolo de como é necessário, para nós, termos um tratado global forte e ambicioso", disse Von Wong, em nota.
A poluição plástica está associada ao aquecimento global. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2019, o problema gerou 1,8 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa, ou seja, 3,4% das emissões globais, número que pode dobrar até 2060.
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Estratégias
Para reduzir a poluição plástica em 80% globalmente, até 2040, o Pnud sugere, primeiro, a eliminação de artigos mais problemáticos e desnecessários Posteriormente, pede três mudanças de mercado. São elas:
Reutilizar: A promoção de opções de reutilização, incluindo garrafas recarregáveis, distribuidores a granel, esquemas de devolução de embalagens etc., pode reduzir 30% da poluição plástica até 2040.
Reciclar: Reduzir a poluição plástica em mais 20% até 2040 pode ser alcançado se a reciclagem se tornar um empreendimento mais estável e lucrativo. A remoção dos subsídios aos combustíveis fósseis, a aplicação de diretrizes de design para aumentar a reciclabilidade e outras medidas aumentariam a parcela de plásticos economicamente recicláveis de 21% para 50%.
Reorientar e diversificar: A substituição cuidadosa de produtos como embalagens plásticas, sachês e itens para viagem por produtos feitos de materiais alternativos — como papel ou materiais compostáveis — pode proporcionar uma redução adicional de 17% na poluição plástica.