dores crônicas

Tratamento pode controlar a dor crônica sem o uso de opioides

Terapia experimental combina suporte médico e técnicas como meditação e melhora da postura para interromper o uso de opioides. Em um ano, 29% dos participantes da pesquisa abandonaram o analgésico

Isabella Almeida
postado em 24/05/2023 06:00
 (crédito: University of Missouri)
(crédito: University of Missouri)

Cerca de 20% da população mundial sofre com dores crônicas, e, para algumas dessas pessoas, o desconforto é tão grande que precisam recorrer a opioides, medicamentos com potente efeito analgésico, mas que também podem causar dependência química e até levar à morte. Buscar alternativas para esses pacientes mobiliza cientistas há anos. Um tratamento desenvolvido na Universidade de Warwick e no James Cook University Hospital, ambos no Reino Unido, poderá levar à interrupção do uso da droga, sem incluir outra. No lugar, entra um combinado de intervenções, como orientação médica, técnicas de atenção plena e de gerenciamento do estresse.

A intenção da equipe era criar um programa para orientar pacientes a abandonarem analgésicos, diminuírem a ingestão de opioides e aprenderem a controlar a dor usando técnicas alternativas. Mais de 600 pessoas que tomavam regularmente esse tipo de remédio por pelo menos três meses colaboraram com o trabalho, feito entre 2017 e 2020. Os resultados obtidos foram positivos: 29% dos participantes, pararam de usar opioides em um ano, sem ser necessário substituir a medicação e sem piorar os quadro de dor.

Nos testes, os pacientes foram submetidos a duas combinações de tratamento. Uma parcela teve acesso a suporte médico, um livro de autoajuda e um CD de relaxamento. A outra foi submetida aos mesmos cuidados e participou de um programa, com sessões em grupo, sobre técnicas de enfrentamento, gerenciamento de estresse, estabelecimento de metas, atenção plena, conselhos sobre postura e movimento, e como lidar com sintomas de abstinência e controle da dor.

Após um ano de avaliação, 29% daqueles que se submeteram ao programa de intervenção conseguiram abandonar completamente os opioides, enquanto apenas 7% dos integrantes do outro grupo atingiram o objetivo. Também não houve diferença em relação à dor ou como ela interferiu no cotidiano dos participantes independentemente do uso ou não dos opioides.

"Nosso estudo mostra claramente que os opioides podem ser, gradualmente, reduzidos e interrompidos sem piora real da dor. Isso confirma nossas suspeitas de que eles têm muito pouco impacto a longo prazo na dor persistente", enfatiza, em nota, Sam Eldabe, coautor do ensaio e consultor em medicina da dor no The James Cook University Hospital.

Sessões semanais

As atividades em grupo foram feitas, semanalmente, em três sessões que duravam o dia inteiro, de oito a 10 semanas, por uma enfermeira treinada. Foram incluídos, nos encontros, educação sobre opioides e dor, análise de caso de pessoas que fizeram a redução gradual da medicação e ensinamento de habilidades de autogerenciamento para dor. Houve, ainda, espaço para técnicas como mindfulness (atenção plena) e distração.

Além do convívio com outros pacientes, os participantes fizeram sessões individuais, pessoalmente e por telefone, com a enfermeira, a fim de ter maior apoio e aconselhamento personalizado. Um aplicativo de redução gradual projetado para o estudo foi usado para calcular a ingestão de opioides e monitorar a evolução do acompanhamento.

Na avaliação de Harbinder Kaur Sandhu, professora de psicologia da saúde na Universidade de Warwick e líder do estudo, os resultados, publicados na revista Jama, são positivos porque o consumo de analgésico, a longo prazo, pode causar efeitos colaterais, além fazer as pessoas acreditarem que a interrupção do uso seja ruim. "Os pacientes podem relutar em abandoná-los porque acham que pioraria a dor ou não saberiam como abordar isso com seu médico", afirma, em nota. "Nosso programa ajuda as pessoas a aprenderem maneiras alternativas de controlar a dor e a superarem os desafios da abstinência, além de ter o potencial de proporcionar às pessoas uma melhor qualidade de vida em geral."

O oncologista Carlos Tadeu Garrote, da Rede Dasa, afirma que há limitações na medicina para o tratamento e a cura de algumas doenças, incluindo as que causam dores crônicas. Por isso, segundo ele, a avaliação adequada do controle da dor é fundamental para garantir a dignidade e a qualidade de vida das pessoas com essa condição. "Sendo assim, entender a causa e a necessidade de continuidade da medicação é algo fundamental para evitar erros de uso inadequado de opioides", completa.

Impactos sociais

Eldabe, coautor do ensaio, enfatiza também os impactos sociais desse tipo de tratamento. Em nota, ele relata que os usuários de opioides "perdem o interesse na interação social com a família e amigos e, gradualmente, se retiram da sociedade para um nevoeiro mental induzido" pelos medicamentos.

O médico brasileiro lembra que, como muitos remédios, os opioides podem levar à dependência, e existem efeitos colaterais agudos — como sonolência, náuseas e redução do libido — e mais crônicos, a constipação, por exemplo. Entretanto, ele ressalta que, desde que acompanhado de maneira adequada, o uso é seguro. "Em muitos casos, a utilização não se restringe a pessoas com dores oncológicas. Pode ser também indicado em condições benignas, como hérnia de disco", completa.

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Foco em causas bases

"É importante que a medicina e a ciência busquem novas alternativas de tratamento para os problemas de saúde porque nem todos os pacientes respondem da mesma maneira às terapias existentes. Além disso, muitos medicamentos têm efeitos colaterais significativos e podem não ser seguros ou eficazes para todos. Hoje. nos Estados Unidos, assistimos a uma série de casos de dependência pela substância fentanil, presente em medicamentos opioides. A pesquisa contínua é necessária para desenvolver novos acompanhamentos que sejam mais eficazes, seguros e acessíveis para um número maior de pessoas. Além disso, a pesquisa pode ajudar a entender melhor as causas subjacentes das doenças e desenvolver estratégias preventivas mais funcionais. Além disso, tratar causas bases sempre será fundamental para evitar dores agudas e crônicas."

Luan Diego Marques, médico psiquiatra do Instituto Meraki Saúde Mental, em Brasília

 

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