O Abril Azul, instituído em 2008 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o mês dedicado à conscientização do transtorno do espectro autista (TEA), evidencia a relevância de um tema que preocupa a comunidade científica pelo número significativo da população acometida por essa condição.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima 70 milhões de autistas com diagnóstico no mundo. No Brasil, a estimativa é de dois milhões de pessoas com algum grau do transtorno, descrito pela primeira vez pelo médico Leo Kramer, em 1943.
Não existe cura para o autismo. Porém, enfatiza a neurologista Marli Barra, é possível fazer intervenções, desde que o diagnóstico seja feito precocemente, para mudar o nível do espectro para mais leve.
As causas do transtorno do espectro autista ainda permanecem desconhecidas. Evidências científicas apontam que não há uma causa única, mas sim a interação de fatores genéticos e ambientais.
Marli Marra, neurologista e presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil/Seção Minas Gerais, esclarece que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento de base biológica, com vários sinais e sintomas.
"Não existe um marcador biológico, o diagnóstico é sempre clínico", explica a médica. Segundo ela, alguns sinais, no entanto, podem servir de alerta para pais ou responsáveis pela criança procurarem ajuda de profissionais com experiência para um diagnóstico mais precoce, medida fundamental para iniciar as intervenções.
Marli Marra enumera comportamentos que podem sinalizar algum nível de autismo. Entre eles, ela destaca a baixa ou nenhuma socialização; movimentos e comportamentos repetitivos; dificuldade para manter contato visual; expressão facial e de comunicação comprometidas; manias; e apego a rotinas.
Sem cura
Não existe cura para o autismo. Porém, enfatiza a neurologista, é possível fazer intervenções, desde que o diagnóstico seja feito precocemente, para mudar o nível do espectro para mais leve.
Desse modo, o prognóstico poderá, conforme Marli Marra, vislumbrar a inserção social do autista. A médica, entretanto, faz uma ressalva para as síndromes comumente associadas ao autismo, além do nível cognitivo do paciente.
Ela explica que essas associações ao TEA resultam em um leque de intervenções para garantir a melhor qualidade de vida do paciente, entre exames, terapias psicológicas, psicoeducacional, fonoaudiológica, terapia ocupacional, psicomotricidade e orientação familiar, além de medicamentos, conforme os sintomas apresentados por cada paciente.
A neurologista adverte, porém, que o uso de vitaminas, óleos essenciais e dietas específicas "não têm eficácia comprovada cientificamente".
Embora a maioria das crianças precise consultar um especialista - pediatra de desenvolvimento comportamental, psiquiatra infantil, neurologista infantil, [neuro]psicólogo -, para uma avaliação diagnóstica, pediatras gerais e psicólogos infantis familiarizados com a aplicação do diagnóstico e Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition Text Review, podem fazer um diagnóstico clínico inicial.
Confusão
De acordo coma literatura médica, alguns transtornos também podem ser confundidos com o TEA, por apresentarem dificuldades no desenvolvimento, principalmente o social e de comunicação.
Alguns exemplos
- Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) - quando a pessoa tem dificuldade para prestar atenção, concluir tarefas ou é muito agitada e impulsiva. Depende do diagnóstico fornecido pelo médico.
- Síndrome de Savant - quando a pessoa tem uma capacidade de memorização elevada e resolução de problemas matemáticos, mas apresenta um déficit de inteligência em alguns aspectos e dificuldades de interação social.
- Síndrome X-Frágil - síndrome parecida com o autismo, pois os sintomas mais característicos são os distúrbios de comprometimento intelectual e comportamento, em diferentes graus, desde leve dificuldade no aprendizado ou até mesmo deficiência mental grave, mas a SXF e o autismo são diferentes por causa da genética.
Por conta dessa falta de conscientização e informação, muitas famílias não conseguem perceber os primeiros sinais de autismo, que podem surgir antes de a criança completar um ano.
Por isso, é muito comum que adultos recebam o diagnóstico tardio, que costuma acontecer - principalmente - após se identificarem com pessoas que conhecem que estão no espectro (filhos, amigos, colegas de trabalho), ou até mesmo com personagens de séries e filmes. Por isso, a conscientização e a representatividade são muito importantes.
Futuro
Pesquisa realizada pela healthtech Genial Care revela preocupação de maioria esmagadora (82%) dos cuidadores quanto ao futuro das crianças brasileiras com autismo.
O estudo "Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil" obteve 535 respostas no total e foi composto por um questionário com 51 perguntas abertas e de múltipla escolha.
"Ainda existe uma defasagem muito grande nos dados sobre autismo no Brasil e no mundo. Os últimos números publicados pela OMS, em 2010, revelam que há cerca de 2 milhões de autistas no Brasil, a população total no país é de 200 milhões de habitantes, o que significa que 1% da população estaria no espectro. Nos EUA, por exemplo, de 2008 até 2022, o diagnóstico subiu de 1 caso em 125 pessoas para 1 em 36, ou seja, aumentou, aproximadamente, quatro vezes," afirma Kenny Laplante, fundador e CEO da Genial Care.
Para entender qual é a prevalência do autismo no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), colocou - pela primeira vez - o autismo no radar das estatísticas, com o objetivo de mapear quantas pessoas vivem com o transtorno autista e quantas podem ter, mas ainda não receberam o diagnóstico. Esse dado foi incluído após a sanção da Lei 13.861/19, que obriga o IBGE a inserir perguntas sobre o autismo no Censo de 2020.
Esses dados deveriam ter sido mapeados em 2020, mas foram adiados para 2022 por conta da pandemia da COVID-19. O Censo Escolar do Brasil registrou um aumento de 280% no número de estudantes com TEA (transtorno do espectro autista) matriculados em escolas públicas e particulares apenas no período entre 2017 e 2021.
"Essa desinformação tem consequências: afeta a interação, comunicação, desenvolvimento e, principalmente, vidas de tantas famílias. Mas nós queremos (e vamos!) ajudar a mudar esse cenário", ressalta o founder da Genial Care, Kenny Laplante. "A transformação do cenário de autismo no Brasil acontece à medida que desconstruirmos os tabus, preconceitos e mitos, dando voz ao que realmente importa: pessoas no TEA e suas famílias. E só isso não basta: é preciso conexão, apoio, cuidado e ciência. Precisamos garantir que elas estejam no lugar certo para atingir a melhor qualidade de vida e seus sonhos. Afinal, todos podem aprender e trilhar caminhos extraordinários."
Dificuldades
Um dado alarmante que a pesquisa revela é que 82% dos cuidadores não se sentem confortáveis com o futuro e o planejamento a longo prazo do filho. E, além da dificuldade em se organizar financeiramente para o custo do tratamento (79%), muitas outras necessidades das famílias foram identificadas.
- 57% sente dificuldade em saber o que fazer ou como agir em situações desafiadoras com a criança
- 48% sente dificuldade em ter tempo para descanso e para cuidar de si mesmo
- 79% afirma ter dificuldades financeiras para pagar o tratamento
"Embora não seja uma amostra representativa da população inteira, tivemos respondentes de todas as faixas de renda familiar, e as respostas surpreenderam pela consistência entre famílias de renda alta, média, e baixa. Apesar de toda família ser diferente, todos querem basicamente a mesma coisa: que seus filhos consigam atingir seu máximo potencial" destaca Kenny.
A maioria das pessoas com TEA no Brasil não tem diagnóstico. Mesmo entre as famílias de alta renda, no estudo a representatividade de diagnóstico precoce ainda é baixa.
Mães
De acordo com as respostas obtidas no estudo, o papel protagonista continua na figura materna. Em muitas casas, a presença dos pais toma um lugar como coadjuvante nos cuidados das crianças com transtorno do espectro autista (TEA).
- 86% são mães
- 52% possui entre 35 e 44 anos
- 71% possui graduação ou pós-graduação
- 20% possui renda superior a R$ 10 mil
- 46% não possui trabalho formal
- 30% trabalha em tempo integral
Diagnóstico
Conforme as respostas levantadas no estudo, 35% das crianças têm comorbidades, e o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) foi a comorbidade mais citada no estudo e se mostra a condição associada mais comum na vida das crianças e dos cuidadores.
- 21% têm deficiência intelectual
- 29% sofre com transtornos de ansiedade
- 4% têm distúrbios do sono, epilepsia ou Transtorno Opositivo-Desafiador
- 46% têm Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)