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Terapia genética pode reverter Alzheimer; entenda a pesquisa

Testada preliminarmente em um pequeno número de pacientes, substância reduziu a produção de uma proteína que, quando danificada, causa demência. Pesquisadores acreditam que nova terapia terá mais sucesso que as duas já aprovadas

Uma terapia genética voltada ao Alzheimer leve reduziu os níveis de uma proteína nociva para o cérebro, associada à causa do mal neurodegenerativo. O tratamento tem potencial não só de retardar, mas de reverter a doença, sugere um artigo publicado ontem na revista Nature Medicine. Segundo os pesquisadores, da Universidade College London (UCL) e da Fundação NHS Trust, na Inglaterra, essa é a primeira vez em que se testa um silenciador de genes para demência. Os resultados se baseiam em um estudo de fase 1, que verificou, em humanos, a segurança e a eficácia da substância.

Hoje, estima-se que mais de 55 milhões de pessoas vivam com algum tipo de demência, especialmente Alzheimer, número que deve dobrar a cada 20 anos. "Por isso, tratamentos que modifiquem o curso da doença para prevenir ou retardar sua progressão são uma necessidade significativa, ainda não atendida", destaca a líder do estudo, Catherine Mummery, da UCL.

A neurologista conta que o foco do medicamento em teste é a tau, uma das proteínas que, quando danificadas, causam o Alzheimer. Além dela, a beta-amiloide é conhecida por provocar a doença e já existem dois remédios aprovados — aducanumabe e lecanemabe — que têm essa substância como alvo. Porém, o sucesso de ambos é limitado e, como há risco de efeitos colaterais graves, alguns médicos preferem esperar mais tempo para prescrevê-los. E nenhum deles reverte os danos já causados, diferentemente do que foi visto, agora, com a droga experimental.

Segundo os pesquisadores, a substância, chamada provisoriamente de MAPTRx, aparentemente terá mais sucesso que as anteriores, reduzindo, pela primeira vez, os sintomas da doença. O ensaio de fase 1 mostrou que, em um pequeno grupo de pacientes acompanhados por três anos, a droga impede que o gene induza a formação defeituosa da tau. Assim, haveria menor produção da proteína, o que alteraria o curso do Alzheimer.

"Precisaremos de mais pesquisas para entender até que ponto a droga pode retardar a progressão dos sintomas físicos da doença e avaliar a droga em idosos e grupos maiores de pessoas e em populações mais diversas", admite Mummery. "Mas os resultados são um passo significativo para demonstrar que podemos atingir a tau com sucesso com uma droga silenciadora de genes para retardar — ou possivelmente até reverter — a doença de Alzheimer e outras causadas pelo acúmulo de tau no futuro", acrescenta.

Quarenta e seis pacientes com idade média de 66 anos foram incluídos no estudo, que ocorreu de 2017 a 2020. A pesquisa analisou três doses da droga, administradas por injeção no sistema nervoso, por meio do canal espinhal, em comparação com um placebo. Os resultados preliminares indicam que a substância foi bem tolerada, com todos os voluntários chegando ao fim do período de teses e mais de 90% completando o pós-tratamento. Os efeitos colaterais nos dois grupos foram leves ou moderados, sendo o mais comum dor de cabeça após a injeção.

"Esse estudo de fase 1 é empolgante porque mostra que podemos alterar a quantidade de tau — uma das proteínas que causa a doença de Alzheimer", destaca Liz Coulthard, professora da disciplina de Demência Neurológica na Universidade de Bristol, Inglaterra, que não participou da pesquisa. "Essa redução é alcançada bloqueando as mensagens do DNA que produzem a proteína anormal dentro de cada célula. É um método de alta tecnologia de tratamento de pacientes com Alzheimer. Sabemos que pode ser útil porque uma droga semelhante agora é usada com sucesso para tratar uma condição neurológica rara da infância, a atrofia muscular espinhal", explica. "Ensaios maiores são necessários para testar se esse efeito realmente ajuda os pacientes. Uma grande desvantagem desse tratamento é que ele precisa ser administrado por injeção na coluna lombar, ou seja, por punção lombar", pondera.

Reguladores

Em janeiro, pesquisadores do Hospital Infantil do Texas e da Faculdade de Medicina Baylor do estado norte-americano identificaram novos reguladores da tau que também têm potencial para servir como alvos terapêuticos para Alzheimer e outras doenças associados a essa proteína. Os autores publicaram um artigo na revista Neuron, considerado promissor por especialistas.

O objetivo dos pesquisadores foi realizar uma triagem para encontrar genes cuja inibição pode reduzir os níveis de tau. Com modelagem computacional, os cientistas chegaram a 6,6 mil genes-alvo. Em seguida, eles fizeram testes com células de mamíferos moscas-da-fruta (um modelo comum nesse tipo de pesquisa) para detectar as estruturas do DNA que afetam diretamente a produção da proteína. Por fim, chegou-se a um catálogo de 11 novos alvos para drogas futuras, sendo que três mostraram-se mais promissores.

Tratamento promissor

"Esse artigo mostra os resultados de estágio inicial de uma nova droga para tratar a doença de Alzheimer. Ela reduz os níveis de tau, uma das proteínas tóxicas que se acumulam no cérebro de pessoas com Alzheimer. Os pesquisadores descobriram que o novo tratamento era seguro e, curiosamente, também houve uma redução muito promissora de tau no líquido cefalorraquidiano após o tratamento. Embora haja um longo caminho a percorrer em estudos maiores para determinar se esse medicamento ajudará as pessoas que vivem com demência, os dados são muito promissores. Esse tipo de tratamento direcionado à tau tem o potencial de retardar ou mesmo interromper a progressão da doença de Alzheimer",

Tara Spires-Jones, professora de neurodegeneração e vice-diretora do Centro para Descobertas de Ciências Cerebrais da Universidade de Edimburgo, na Escócia