Presente em cerca de 25% do território nacional, o Cerrado é o bioma mais ameaçado do Brasil. Uma pesquisa divulgada na revista Science desta semana, liderada por cientistas da Universidade Federal de Goiás (UFG), mostra o quanto áreas de conservação em terras particulares podem ajudar a reverter esse cenário. Segundo os autores, dividir com a iniciativa privada a responsabilidade de conservação pode abrir novos caminhos para resguardar espécies ameaçadas.
Para conduzir a pesquisa, Paulo De Marco Junior, líder do estudo, e colegas utilizaram dados da Lei de Proteção da Vegetação Nativa do Brasil, que exige que proprietários rurais reservem áreas dentro de terras particulares como reservas legais protegidas. Os estudiosos avaliaram a contribuição desses espaços para a biodiversidade geral e a conservação do Cerrado.
A equipe analisou dados sobre vertebrados terrestres em risco de extinção e observou que as áreas protegidas privadas alojam até 14,5% da distribuição desses animais. "Esse potencial pode chegar a próximo de 15% e a 25% se considerarmos as perdas de habitat já sofridas por essas espécies no Cerrado", observa De Marco Junior.
Para os cientistas, o benefício da preservação do Cerrado em áreas particulares se equipara, e até mesmo supera, a proteção ambiental oferecida pelas iniciativas governamentais. "Aplicando a mesma metodologia, esse valor é de 15% para a proteção oferecida pelas Unidades de Conservação de nosso sistema público. Portanto, a proteção em terras privadas tem um papel realmente relevante complementado a oferecida pelas unidades de conservação."
De forma geral, áreas de proteção, como parques nacionais e territórios selvagens, são essenciais para a manutenção da biodiversidade a longo prazo. No entanto, esses espaços somam aproximadamente 20% da superfície do planeta, e análises mostram que isso não é suficiente para proteger a biodiversidade ao redor do mundo. Grande parte da terra em regiões habitadas por humanos é de propriedade privada. Por isso, a necessidade da conservação compartilhada, defendem os autores.
Metas ambientais
Ricardo Machado, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB), pontua que o trabalho dos proprietários rurais também ajuda o país a cumprir as metas ambientais. "A conservação da biodiversidade é um dever do Estado, mas sem a participação deles, os compromissos nacionais e internacionais não serão cumpridos", explica.
O especialista ilustra que os países integrantes da Convenção sobre Biodiversidade, entre eles o Brasil, acordaram em conservar 30% do planeta até 2030. "Seguindo o compromisso, deveríamos ter 30% do Cerrado salvaguardado em áreas protegidas, e o percentual atual é de apenas 8%. Sem os proprietários rurais, a meta não será cumprida. E se somente o Estado arcar com a conservação, vai ser uma grande intervenção territorial", avalia.
Na mesma linha, De Marco Junior afirma que a preservação do Cerrado causa impactos positivos em toda sociedade, tendo, entre os benefícios, a redução dos efeitos de mudanças climáticas e a associação a estratégias de agricultura sustentável, que podem gerar melhorias econômicas e sociais. "Nosso estudo chama a atenção para a necessidade de considerar a proteção em terras privadas na conservação da biodiversidade. Esse é um ponto em que o Brasil está na frente em relação ao resto do mundo, já que temos uma legislação específica sobre isso", enfatiza.
Falta ao país, na avaliação do pesquisador, melhores políticas para a recuperação dos espaços degradados. "Acreditamos que é necessário valorizar o produtor rural que está seguindo a lei e mantendo a qualidade dessas áreas, criar incentivos e prover conhecimentos que facilitem a todos implementar modelos de restauração ambiental", indica De Marco Junior.