Pesquisadores da China conseguiram, pela primeira vez, criar estruturas semelhantes a embriões utilizando células-tronco embrionárias de macacos. Ao serem implantadas no útero de fêmeas, a estrutura gerou uma resposta parecida à das fases iniciais de uma gestação. A expectativa é de que o trabalho, detalhado na revista Cell Stem Cell, ajude no melhor entendimento de complicações iniciais da gravidez natural e na melhora de procedimentos da fertilização in vitro.
Os autores do artigo ressaltam que questões éticas impedem testes com embriões humanos, e isso faz com que essa fase inicial de desenvolvimento embrionário seja pouco conhecida. "Como os macacos estão intimamente relacionados aos humanos em termos evolutivos, esperamos que o estudo desses modelos aprofunde nossa compreensão do desenvolvimento embrionário humano, inclusive lançando luz sobre algumas das causas de abortos prematuros", afirma, em nota, o coautor Zhen Liu, da Academia Chinesa de Ciências (CAS) em Xangai.
O experimento em laboratório criou, segundo a equipe, um sistema semelhante a um embrião que pode ser induzido e cultivado indefinidamente. Células-tronco embrionárias de macacos foram expostas a vários fatores de crescimento e estimuladas a formar estruturas semelhantes a embriões com cinco a sete dias de existência. Os naturais se chamam blastocistos. Os criados pela equipe chinesa, blastoides.
Quinze dias após o início da cultura, os cientistas puderam notar estruturas parecidas com saco vitelino, que se forma antes da placenta, e também âmnio, que envolve o embrião. Entre os 41 blastoides obtidos, 5% desenvolveram uma estrutura que dá início à reorganização celular.
Os cientistas realizaram o sequenciamento de RNA de 6 mil células individuais, que revelou que os diferentes tipos encontrados dentro das estruturas tinham padrões de expressão gênica semelhantes às células de blastocistos naturais ou embriões pós-implantação.
Apesar de diversas células dos blastoides não terem se desenvolvido como esperado durante a cultura, algumas apresentaram genes que são associados ao endoderma, responsável por formar o revestimento dos tratos respiratório e gastrointestinal. Outras foram associadas com genes que participam do desenvolvimento da placenta.
Evolução limitada
A equipe também transferiu os blastoides para o útero de oito fêmeas de macaco. Entre sete a 10 dias após o transplante, três animais apresentaram sacos gestacionais. Os cientistas escolheram cobaias da espécie Macaca fascicularis, também conhecido como macaco de cauda longa, pela maior similaridade com características humanas.
A implantação desencadeou a liberação dos hormônios da gravidez: progesterona e gonadotrofina coriônica. No entanto, em 20 dias, os sinais de gravidez desapareceram, e os fetos não foram formados. Segundo os cientistas, as estruturas semelhantes a embriões não têm potencial de desenvolvimento completo.
A expectativa é de que, nos próximos experimentos, o grupo foque ainda mais no desenvolvimento do sistema de cultura de estruturas semelhantes a embriões de células de macaco. "Isso nos fornecerá um modelo útil para estudos futuros. Aplicações adicionais de blastoides de macaco podem ajudar a dissecar os mecanismos moleculares do desenvolvimento embrionário de primatas", declarou, em nota, o coautor Fan Zhou, da Universidade de Tsinghua.
Para o médico Bruno Ramalho, especialista em reprodução assistida, a pesquisa abre caminho para novas descobertas, mas ainda há muito o que ser estudado acerca do assunto. "Esse é somente o primeiro estudo demonstrando a possibilidade de se criar estruturas embrionárias a partir de células-tronco retiradas de embriões em macacos. Por isso, é preciso ter muita cautela quanto aos resultados", afirma
Ramalho descarta uma aplicação clínica imediata dos procedimentos criados pela equipe chinesa. "Em um futuro longínquo, é possível que estudos como esse forneçam conhecimento suficiente para predizermos o potencial de implantação de um embrião e, talvez, até sermos capazes de melhorar os resultados em técnicas de reprodução assistida. Mas, insisto, qualquer suposição é mero exercício de previsão do futuro", enfatiza.
Lacunas a serem preenchidas
"Em razão dos limites éticos óbvios, principalmente para os estudos envolvendo humanos, ainda há muitas lacunas sobre o desenvolvimento embrionário e os eventos biológicos iniciais relacionados à evolução saudável da gravidez. Então, os impactos de pesquisas como esta estão diretamente relacionados ao aprofundamento desse conhecimento. A reprodução humana assistida já subiu muitos degraus evolutivos desde o primeiro nascimento, 45 anos atrás. Mas as chances de sucesso permanecem abaixo do que nós gostaríamos de oferecer: nos melhores cenários, as taxas de gravidez e nascidos vivos em tratamentos de reprodução assistida ficam próximas de 50%. Conhecer mais profundamente aspectos da biologia embrionária, certamente, poderia mudar esse cenário. Com ética e fomento à ciência, quem sabe um dia cheguemos a resultados melhores."
Bruno Ramalho, ginecologista especialista em reprodução assistida da Maternidade Brasília