Microscópios de fluorescência inovaram a forma de fazer pesquisa científica: possibilitaram enxergar micro-organismos e partículas invisíveis a olho nu. Até hoje, eles são primordiais para o trabalho de cientistas. E seguem sendo aprimorados. Pesquisadores do Salk Institute, na Califórnia, Estados Unidos, desenvolveram dois instrumentos vestíveis capazes de gerar imagens de alta resolução, alto contraste e multicoloridas da atividade da medula espinhal. Esse registro detalhado é feito em tempo real e de regiões antes inacessíveis.
Axel Nimmerjahn, responsável por liderar a pesquisa, conta que estudos anteriores relacionados à medula espinhal demonstraram que os neurônios são fundamentais no processamento da dor, mas esses trabalhos não conseguiram captar o processo em movimento. "As abordagens anteriores não tinham resolução espacial ou temporal para capturar os padrões de atividade correspondentes em tempo real", explica.
Segundo o também diretor do Waitt Advanced Biophotonics Center, os microscópios vestíveis podem suprir essa necessidade. "Eles permitem essas medições, o que é crucial para uma melhor compreensão da lógica celular e do processamento de informações dentro da medula espinhal. Além disso, permitem registros simultâneos de células não neuronais", detalha.
Os instrumentos vestíveis têm entre 7 e 14 milímetros de largura — aproximadamente a largura de um dedo mindinho. Para a montagem deles, os cientistas personalizaram seis microlentes e as incluíram em dois minúsculos barris ópticos — parte do microscópio por onde a luz atravessa. A equipe também colocou um cubo de filtro fluorescente no espaço entre as lentes para captar as imagens de fluorescência. O resultado atingido foi o esperado.
O maior microscópio consegue captar imagens de 12 a 13 vezes maiores de regiões do tecido nervoso, em relação ao que era possível anteriormente. De acordo com Nimmerjahn, esses registros mais detalhados podem ajudar cientistas a entenderem a comunicação entre a medula espinhal e as percepções sensoriais: "Eles nos ajudam a compreender melhor como a informação sensorial, incluindo sinais de dor, é processada pela medula espinhal."
O cientista lembra que a relação entre informação sensorial e medula espinhal não é apenas uma troca de informação entre o cérebro e órgãos periféricos, e o novo instrumento ajuda na percepção desse fenômeno complexo.
Já o microscópio menor pode obter informações dessas sensações em contextos saudáveis ou de doenças, como dor crônica, coceira, esclerose lateral amiotrófica (ELA) e esclerose múltipla (EM): "Isso nos permite entender melhor como as entradas sensoriais são convertidas em saídas motoras em condições normais e de doença", explica o pesquisador.
Para testar a nova tecnologia, os pesquisadores implantaram os microscópios vestíveis em camundongos machos e fêmeas entre 6 e 11 semanas de idade. Os resultados do experimento demonstraram que, ao apertar as caudas das cobaias, os astrócitos — células do sistema nervoso que sustentam e nutrem os neurônios — eram ativados e enviavam sinais coordenados pelos segmentos da medula espinhal.
A partir da alta capacidade de imagem proporcionada pela nova tecnologia, a equipe investiga, agora, como diferentes condições de dor inflamatória e neuropática e doenças neurodegenerativas alteram a atividade normal de tipos de células neuronais e não neuronais, além de quais abordagens terapêuticas poderiam ajudar a controlar essas dinâmicas anormais. "Nosso objetivo final é identificar melhores estratégias de tratamento para as patologias. Primeiro, em camundongos, e, depois, com médicos e empresas farmacêuticas para ensaios clínicos em humanos", antecipa Nimmerjahn.
Na avaliação do neurocirurgião Luiz Cláudio Modesto, do Hospital Brasília, a nova tecnologia tem potencial para favorecer a visualização e registro da atividade elétrica da medula espinhal: "É um método pelo qual a gente poderia interagir nesses neurônios, deixá-los especialmente sensíveis para alguns comprimentos de onda e, então, ter uma janelinha de estudo e de interação para iluminar o tecido e fazer a célula de um tipo ou de outro tipo disparar".
Fluorescência
Além de microscópios capazes de analisar simultaneamente atividades das células nervosas, há avanços na microscopia quanto à análise de proteínas. Cientistas do Max Planck Institute for Medical, na Alemanha, liderados pelo ganhador do Prêmio Nobel de Física Stefan Hell, desenvolveram uma versão aprimorada de um avançado microscópio de fluorescência de alta resolução criado por eles, o Minflux. O novo instrumento consegue observar, em proteínas, movimentos e alterações de forma e tamanho nanométricos.
As ferramentas anteriores não eram suficientes para explorar movimentos e alterações desse tipo. A primeira versão do microscópio, apresentada em 2016, foi usada para rastrear, em células, proteínas marcadas com fluorescência. Entretanto, os movimentos captados eram aleatórios, e o rastreamento de fluorescência tinha precisões da ordem de dezenas de nanômetros.
O diferencial do novo sistema é a capacidade de poder registrar movimentos de proteínas com uma precisão espaço-temporal de até 1,7 nanômetro por milissegundo. Implementado em um microscópio padrão, o novo Minflux influencia no direcionamento dos feixes de luz que atravessam as lentes para garantir precisão nanométrica e localização em tempo real de moléculas fluorescentes que foram ativadas individualmente.
O objetivo dos pesquisadores do instituto alemão é, com o microscópio aprimorado, rastrear moléculas fluorescentes individuais. Dessa forma, acreditam, será possível estudar alterações em proteínas, especificamente a cinesina-1 — proteína motora com capacidade para converter energia química (ATP) em locomoção das células, considerada uma estrutura-chave para ajudar a entender a causa de atrofias musculares e algumas doenças renais.
"A nova versão do Minflux permite, pela primeira vez, uma resolução espacial em microscopia de luz que é da ordem do tamanho de moléculas biológicas (de 1 a 3 nanômetros)", assinala Hell. "Além disso, permite ver movimentos pequenos, mas muito rápidos, de proteínas e outras biomoléculas nas células, como as chamadas proteínas motoras que transportam todo o tipo de carga."
O pesquisador, porém, indica algumas limitações do novo instrumento. Uma delas é que, para fazer as imagens detalhadas, ele precisa de moléculas fluorescentes como marcadores. "Ele não captura a imagem das proteínas e das biomoléculas em si, mas das pequenas moléculas fluorescentes que são anexadas especificamente às estruturas de interesse de análise", observa.
A equipe de cientistas considera que a nova tecnologia poderá contribuir para ampliar o entendimento de como as proteínas funcionam e para decifrar os processos de origem de determinadas doenças — informações estratégicas para a formulação de tratamentos e intervenções eficazes. "Seremos capazes de medir movimentos mais rápidos, como a curvatura das proteínas à medida que se dobram e muitos outros movimentos parecidos de biomoléculas nas células", aposta Hell.
* Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza