mudanças climáticas

Calor extremo: estudo mapeia áreas de risco no planeta

A partir de dados climáticos, cientistas de universidade britânica identificam regiões do planeta que poderão sofrer os maiores danos em decorrência de ondas de temperatura recorde. Há áreas do Brasil que demandam alerta

Isabella Almeida
postado em 26/04/2023 06:00
 (crédito: Noorullah Shirzada)
(crédito: Noorullah Shirzada)

Os últimos oito anos foram os mais quentes registrados na história, alertou a Organização Meteorológica Mundial (OMM), na semana passada. Junto a esse fenômeno, há a recorrência de ondas recordes de calor em algumas regiões do planeta. Uma pesquisa da Universidade de Bristol divulgada, ontem, na revista Nature Communications, indica quais áreas do globo poderão sofrer mais danos em consequência das temperaturas escaldantes. Partes da América Central e da Europa estão entre as mais preocupantes. No Brasil, trechos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste também demandam atenção.

Segundo o estudo, extremos de calor nunca antes registrados associados à vulnerabilidade socioeconômica colocam países como Afeganistão, Papua Nova Guiné e parte da América Central em maior perigo. Pequim e a Europa Central estão no mesmo patamar. Nesse caso, as ondas de calor recordes em áreas densamente povoadas poderiam afetar milhões de pessoas.

Os autores também alertam que as regiões que ainda não enfrentaram o fenômeno costumam ser especialmente mais sensíveis. Isso porque as medidas de adaptação geralmente são colocadas em prática somente depois que os termômetros passam a evidenciar o problema. Outros possíveis agravantes são o aumento populacional e restrições no fornecimento de energia e de cuidados de saúde.

Em nota, a principal autora da pesquisa, Vikki Thompson, enfatiza a necessidade de atores políticos considerarem planos de ação relevantes para reduzir o risco de mortes e danos associados aos problemas climáticos. "Como as ondas de calor estão ocorrendo com mais frequência, precisamos estar melhor preparados. Identificamos regiões que podem ter tido sorte até agora. Algumas delas têm populações em rápido crescimento, algumas são nações em desenvolvimento, algumas já estão muito quentes. Precisamos perguntar se os planos de ação contra o calor para essas áreas são suficientes", afirma.

Charles Dayer, engenheiro agrônomo especialista em meio ambiente, lembra que a reação precisa acontecer o quanto antes, pois as soluções relativas às mudanças climáticas nunca são imediatas. "A gente não consegue interferir rapidamente no clima, os efeitos que sentimos hoje começaram com o início da industrialização. Com relação a essas ondas de calor, não tem medidas rápidas a serem tomadas. Podemos iniciar ações para reduzir o aquecimento, mas só vamos ver os efeitos daqui a alguns anos", explica.

Pode piorar

No artigo publicado na revista Nature Communications, há regiões brasileiras com risco moderado de serem atingidos pelo calor extremo (veja mapa). Especialista em emergência climática e desastre ambiental planetário, Thiago Ávila comenta a necessidade de o país dar maior atenção aos desastres ambientais. "Embora não estejamos nas regiões mais afetadas, o Brasil enfrenta ondas de calor significativas que podem piorar", enfatiza. "Aliados ao aumento da temperatura média do planeta, esses eventos causam danos maiores à população mais pobre e de regiões mais suscetíveis à desertificação. No Brasil, essas são regiões que também concentram índices de pobreza e desigualdade preocupantes."

A possibilidade de ocorrência de milhares de mortes em razão do agravamento das ondas de calor é lembrada por Dann Mitchell, coautor do artigo. "Estar preparado salva vidas. Vimos algumas das ondas de calor mais inesperadas em todo o mundo resultando em dezenas de milhares de mortes. Nesse estudo, mostramos que esses eventos recordes podem ocorrer em qualquer lugar. Governos de todo o mundo precisam estar preparados", afirma.

Para fazer as análises, os cientistas britânicos utilizaram a teoria de valores extremos, um método que ajuda a presumir os períodos de reaparecimento de eventos raros a partir de grandes conjuntos de dados de modelos climáticos. Ainda assim, alertam, há um volume significativo de extremos estatisticamente impossíveis de serem previstos, por nunca terem acontecido. Quase um terço (31%) das regiões avaliadas onde as observações foram consideradas confiáveis enfrentaram esse tipo de problema entre 1959 e 2021. A onda de calor que acometeu o oeste da América do Norte, em 2021, é um exemplo.

Novas práticas

Na avaliação de Dayer, esse tipo de pesquisa colabora para que medidas para amenizar desequilíbrios climáticos possam ser pensadas e colocadas em prática por governantes e pela sociedade. "Estudos como esse ajudam a entender quais locais vão demandar maiores volumes de recurso e quais ações vão ser necessárias nesses lugares, além de dizer quais técnicas e ferramentas poderão ser utilizadas. Essas pesquisas podem orientar a tomada de decisões, sejam públicas ou privadas, para combater a mudança do clima."

Há ainda, segundo Dayer, a possibilidade de as metodologias serem adequadas ao cenário local. "Dependendo do modelo do estudo, pode-se readequá-lo à realidade brasileira e até mesmo ao cenário de cada unidade da Federação. Somos um país muito grande. Talvez, uma ferramenta que seja boa para o Norte e Nordeste não seja a mais adequada para o Sul", afirma o engenheiro agrônomo.

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Severo para os mais pobres

"O aumento da temperatura da Terra gera um período mais curto de chuvas, porém com maior incidência, o que também é um desastre. Isso causa alagamentos e gera um tempo maior de seca. São, portanto, secas prolongadas com temperaturas médias cada vez mais altas e momentos de ondas de calor que têm um efeito muito severo, principalmente nos países mais pobres, sem capacidade de trazer um conforto térmico para a sua população. As áreas urbanas mais adensadas com menos arborização e disponibilidade de água potável também são impactadas pelo cenário de emergência climática e pelo aumento da temperatura da Terra. Para lidar com isso, é preciso que se faça ações para deter o aquecimento global. Para amenizar os seus efeitos, é necessário promover conforto térmico a partir das construções, assim como repensar as cidades, promovendo maior arborização, convivência com o verde, áreas sensíveis à água. Ou seja, pensar em uma lógica de integração entre humanidade e natureza, algo que tanto venha amenizar ondas de calor, mas que também nos leve a um horizonte diferente do de hoje."

Tiago Ávila, socioambientalista e especialista em emergência climática e desastre ambiental planetário

 

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