São muitos os estudos que envolvem a qualidade do sono do ser humano. “O intuito é conhecer mais a ação do sono para o pleno funcionamento cerebral. Pesquisadores da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, descobriram que, durante o sono, o cérebro de ratos elimina moléculas prejudiciais associadas à degeneração cerebral. O espaço entre as células cerebrais aumentou enquanto os ratos estavam inconscientes, permitindo ao cérebro eliminar toxinas acumuladas durante as horas de vigília. A conclusão disso é que, se não dormimos o tempo adequado, infelizmente, nosso cérebro não tem tempo suficiente para eliminar toxinas”, esclarece o neurocirurgião Felipe Mendes.
Já a privação do sono pode acarretar inúmeros efeitos a curto, médio e longo prazo.
Quando pensamos nesse resultado imediato, a falta de sono pode causar mal-estar, dor no corpo, sonolência, lentidão física e de raciocínio, falta de atenção e concentração e alterações de humor.
“A médio prazo, além dos sintomas acima, o paciente começa a ter diminuição ainda maior na capacidade de concentração e de aprendizagem, pode ter perda de libido e se esquecer de alguns acontecimentos. Quando se estendem por um longo período, os sintomas descritos acima se tornam ainda mais latentes, além de poder aumentar o risco de doenças e piorar aquelas já existentes ou pré-existentes.
Segundo um estudo do European Heart Journal, não dormir as oito horas de sono recomendadas pelas autoridades médicas aumenta em 48% o desenvolvimento de uma doença coronariana e em 15% a probabilidade de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC).
Cansaço
O jornalista Thiago Aureliano da Silva, por exemplo, que tem insônia desde a adolescência, conta que passou assim também o período de faculdade, início da vida adulta, até 2021, quando decidiu procurar tratamento, por acreditar que já estava sendo muito afetado. “Eu ficava muito cansado, não conseguia fazer as coisas e decidi procurar um médico. Ele disse que eu deveria tomar um remédio manipulado, mas poderia ficar dependente. Antes disso, eu já tinha tentado várias coisas, inclusive pesquisas na internet e ver alguns métodos, mas nada funcionava.”
Ele acabou decidindo tomar outras medidas. Foi assim que descobriu a terapia do sono, por meio de uma terapeuta que o ensinou algumas técnicas para ajudar a chegar ao sono profundo.
“Detalhei toda minha vida e foi montado um plano em cima disso. Começamos com o reiki, e depois seguimos para a acupuntura, juntamente com o tratamento com óleos essenciais. Além disso, dicas preciosas como não dormir na cama ao longo do dia, não ficar em frente às telas a partir das 21h, deixar o quarto sempre mais escuro e tranquilo, e ter um horário certo para dormir. Depois de quase um ano de tratamento, hoje eu consigo descansar. Aprendi que, assim como na vida temos horário para tudo, é fundamental uma rotina para o sono.”
Apesar de muita gente acreditar que dormir é perda de tempo, Felipe conta que isso é uma grande inverdade. “A impressão acaba sendo essa, já que o mundo está cada vez mais corrido e realizamos uma quantidade enorme de tarefas em curtos períodos de tempo. Porém, usar o tempo que deveria ser para dormir e descansar, para realizar outras tarefas é, muito pelo contrário, um grande malefício para a saúde. O cérebro só consegue funcionar plenamente quando está descansado.”
Além das atitudes tomadas por Thiago, o neurocirurgião fala sobre outras ações que podem e devem ser realizadas. “Elas são simples e têm um grande impacto na vida das pessoas com problemas para dormir. A alimentação também é uma grande aliada.
Existem alimentos específicos que podem ajudar a relaxar o corpo, assim como existem também alimentos que não podem nem devem ser consumidos à noite, pois têm efeito negativo na qualidade do sono. Por último, a prática de atividades físicas. Essa rotina de exercícios feita regularmente gera vários efeitos metabólicos importantes para a regulação do sono. Ao regular fisiologicamente nosso organismo, melhora aspectos da qualidade e da quantidade do sono.”
O empresário Thiago Salvador de Oliveira, de 42 anos, xará do entrevistado anterior, é um bom exemplo de como a qualidade do sono influencia no dia a dia. Ele, que dorme por volta de sete horas por noite e, eventualmente, chega a completar as oito recomendadas, raramente acorda de madrugada, e, quando acontece, é mais durante o fim de semana, somente para ir ao banheiro. “Não considero meu sono leve, mas também não é dos mais pesados. Acordo bem disposto quando durmo essa quantidade de tempo.”
Como suas primeiras 4/5 horas de sono são sempre ininterruptas, ele acredita atingir a fase mais profunda do sono regularmente e isso faz com que ele acorde descansado e disposto a realizar suas atividades físicas, que sempre acontecem pela manhã e em jejum.
De acordo com ele, eventualmente, ocorre de ter uma noite ruim de sono e isso está diretamente relacionado às preocupações do dia a dia.
Preocupações
“Eu tenho dois filhos pequenos, sou empresário e tenho várias responsabilidades. Apesar de gostar muito do meu padrão de trabalho, não tenho as garantias de alguém concursado ou que trabalha via CLT. Com essa circunstância e o inerente fato de que a vida é cheia de surpresas, as preocupações acontecem e dependendo do que seja, conseguem contribuir para uma noite de sono mais conturbada.”
Thiago Salvador relata que, quando isso acontece, ele tenta remediar com práticas que o relaxem antes de dormir, como exercícios respiratórios, meditação e orações.
Todas as noites o empresário procura ler, evita qualquer tipo de agitação e deixa o ambiente sempre tranquilo, além de não fazer uso de cafeína no período de 10 horas que antecedem seu horário de sono.
“Eu entendo que uma boa qualidade de vida é pautada por três pilares: uma boa alimentação, atividade física regular e uma boa qualidade de sono. Percebo que os dois primeiros são bastante discutidos, mas a qualidade de sono tem ocupado menos o hall de preocupações das pessoas.”
Alimentação X Sono
A nutricionista Patrícia Lara, especialista em medicina biomolecular e sócia-fundadora da Clínica Soloh de Nutrição, conta que a insônia pode ter origens fisiológicas individuais, além de influências comportamentais – nem todos obedecem ao ciclo circadiano de atividade cerebral diurno e, segundo essa perspectiva, os humanos poderiam ser classificados segundo cronótipos - tipos matinais, tipos intermediários e tipos noturnos, sendo prevalente o tipo intermediário (70%), com o restante sendo do tipo matinal (14%) ou noturno (16%).
“Todos nós exibimos diferenças individuais em nosso comportamento, por exemplo, atividades sociais, atividades diurnas e sono. O cronótipo é a expressão da ritmicidade circadiana individual, é, em parte, genético, mas fatores culturais e ambientais também afetam o padrão de sono de um indivíduo.”
Além dos cronótipos, conforme explica Patrícia, diversos neurotransmissores influenciam o sono e, por sua vez, o horário e tipo de alimento que consumimos impactam diretamente a produção e o funcionamento desses neurotransmissores. “Recentemente, o termo ‘crononutrição’ foi usado para descrever a interação entre os alimentos e o sistema circadiano. Foi sugerido que o relógio interno pode ser alterado mudando o tempo e a natureza da ingestão de alimentos.”
Entre os neurotransmissores que impactam a qualidade do sono, a nutricionista ressalta alguns, como o 5-hidroxitriptofano (5-HT), GABA, orexina, hormônio concentrador de melanina, colinérgico, galanina, noradrenalina e histamina.”As intervenções nutricionais que atuam sobre esses neurotransmissores podem impactar positivamente o sono.”
Os carboidratos, por exemplo, afetam a proporção de triptofano no interior das células, e podem complementar o efeito de aumento do sono gerado pelo consumo de proteína rica em triptofano. “A serotonina ajuda a regular o chamado ciclo sono-víglia, e sua síntese depende da disponibilidade de seu precursor triptofano no cérebro”.
Assim, o consumo de carboidratos é importante na regulação do sono. “A insulina influencia o transporte de triptofano por meio da barreira hematoencefálica após uma refeição rica em carboidratos, pois é um agente anabólico que também facilita a sua captação pelo músculo. O consumo de carboidratos de alto índice glicêmico (GI) aumenta a proporção de triptofano circulante”. Outro alimento interessante, pontua Patrícia, é a chicória, uma grande fonte de vitaminas e minerais, incluindo zinco, magnésio, manganês, cálcio, ácido fólico de ferro e potássio, bem como vitamina A, B6, C, E e K, e rica em compostos antioxidantes e estimuladores do neurotransmissor GABA. “Ela tem qualidades sedativas que se acredita reduzir a ansiedade e acalmar a mente, aliviando assim o estresse e os efeitos perigosos que pode ter no corpo.”
Sedativa
Por sua vez, a melatonina, explica a nutricionista, é um hormônio secretado pela glândula pineal, que apresenta efeitos sedativos. “Uma vez que a melatonina endógena influencia a temperatura central, facilitando o sono, o aumento da melatonina exógena pode afetar as mudanças na temperatura central, melhorando a qualidade do sono”. No entanto, a nutricionista alerta para o risco de se confiar em suplementos de melatonina para ajudar no sono.
“A prescrição de auxiliares para dormir pode ser viciante, e alguns têm sido associados à perda de memória, agressão e depressão. Até mesmo a melatonina pode ser mal utilizada - A melatonina é um composto natural liberado pelo corpo, geralmente à noite, e jogar fora esse equilíbrio adicionando ao seu sistema pode causar problemas adicionais de sono”.
Em vez de apostar em suplementos auxiliares, como um suplemento de melatonina, ressalta Patrícia, é importante atentar para erros comuns que prejudicam a qualidade do sono, como tempo de tela excessivo; dormir muito tarde e acordar muito tarde (como efeito do home office); ficar apertando o botão ‘soneca’ do despertador atrapalhando os ciclos de regeneração estabelecidos com uma rotina adequada de sono; se exceder em cochilos fora de hora; permanecer deitado na cama olhando pro teto em caso de insônia e não se exercitar (sedentarismo).
Além da atenção a esses erros comuns, a nutricionista pontua alguns alimentos que podem ser interessantes. “Existem vários estudos que revelaram que o kiwi contém muitos compostos medicinais, entre os quais os antioxidantes e a melatonina, que podem ser benéficos no tratamento dos distúrbios do sono, assim como nozes, junto com pistache e amêndoas para um lanche pós-jantar.”
Além deles, a especialista cita a cereja, devido à alta concentração de melatonina e de uma variedade de compostos fenólicos com propriedades antioxidantes e antiinflamatória; e a alface americana e romana, que têm leucina e lactupicrina, respectivamente, substâncias estimuladoras do neurotransmissor GABA, e indutoras de relaxamento mental e físico-muscular”, comenta.
Palavra de especialista
Felipe França - nutricionista especialista em oxidologia e bioquímica celular, sócio-fundador da Clínica Soloh de Nutrição.
Atenção para o uso de melatonina
“Os tratamentos medicamentosos para insônia são indicados para melhorar o início do sono, a manutenção do sono ou ambos. Exemplos de medicamentos com evidência de benefício para a insônia incluem hipnóticos, auxiliadores de melatonina ou relaxantes. Existem ainda alternativas nos nutrientes e nos suplementos alimentares para obter este mesmo efeito. Muito tem se falado sobre o uso da melatonina como suplemento. Em alguns casos ela pode ser utilizada, no entanto, vale ressaltar que trata-se de um composto liberado pelo corpo e adicioná-lo como suplemento pode atrapalhar seu equilíbrio natural. Também podem auxiliar no sono ervas como mulungu, kava-kava, camomila, lavanda, além de outros nutrientes que podem ser prescritos pelo nutricionista. Entre eles o Lactium, que é um biopeptídeo hidrolisado (baixo potencial alergênico, livre de lactose) extraído da caseína do leite com excelente resposta ao estresse. Ele apresenta propriedades relaxantes, melhora a qualidade do sono e possui afinidade por receptores de ácido gama-aminobutírico (GABA), um aminoácido (parte formadora de proteínas) natural, que atua como neurotransmissor no cérebro. Tal neurotransmissor é muito importante para o corpo pois ele inibe o Sistema Nervoso Central (SNC), trazendo relaxamento, tranquilidade e, assim como a melatonina, é secretado durante o repouso. Vale sempre ressaltar a importância do acompanhamento com nutricionista para lançar mão dessas estratégias.”