A retinose pigmentar (RP) é uma doença hereditária considerada rara, com prevalência de um caso a cada 4 mil pessoas, e que acarreta em perda progressiva da visão, podendo levar à cegueira. Atualmente, não há cura para essa condição. No entanto, uma pesquisa chinesa publicada na revista Journal of Experimental Medicine aponta que uma nova técnica de edição de genes pode reverter a situação.
O grupo de pesquisadores liderados por Kai Yao, na Universidade de Ciência e Tecnologia de Wuhan, desenvolveu uma forma versátil de edição de genomas, a PESpRY, baseada na técnica Crisp. Segundo eles, a nova abordagem tem potencial para permitir a correção de uma variedade de doenças causadas por mutações genéticas, o que permitiu que eles devolvessem a visão a ratos modificados geneticamente para ter a retinose pigmentar.
A doença pode afetar um ou ambos olhos e causa a degeneração de células fotorreceptoras, diminuindo o campo visual e tirando a nitidez visual. "A retinose pigmentar afeta as células da retina, a camada mais interna do interior do olho. Os pacientes apresentam diminuição progressiva da visão, especialmente a noturna ou em ambientes escuros. Também é afetado o campo da visão periférica. Esses pacientes enxergam melhor em ambientes bem iluminados", explica o oftalmologista Fernando Cresta, do CBV Hospital de Olhos.
Inicialmente, a meta da pesquisa era desenvolver uma ferramenta que pudesse ser implementada para qualquer tipo de edição genética. A tecnologia criada se provou eficiente, dando chance ao início dos testes em organismo vivo para corrigir a mutação de gene ligada à doença que afeta a retina. A RP pode ser causada por mutações em mais de 100 genes, e a equipe chinesa programou a técnica para atingir o PDE6.
No experimento, a técnica foi capaz de corrigir a mutação com eficiência e restaurar a atividade da enzima nas retinas das cobaias, impedindo a morte dos fotorreceptores de bastonetes e cones e restaurando as respostas elétricas normais à luz. "Observamos que fotorreceptores que estavam morrendo foram bem preservados por meio da correção genética. Então, passamos a avaliar o potencial da técnica para a restauração da visão, com séries de avaliações comportamentais. Os ratos tratados tiveram uma resposta impressionante nessas simulações de mundo real, indicando o potencial do PESpRY para futuras aplicações terapêuticas", detalha Kai Yao.
A equipe conduziu uma variedade de testes comportamentais para confirmar se os ratos submetidos à técnica manteriam a visão mesmo na velhice. As cobaias, por exemplo, conseguiram sair de um labirinto aquático guiado visualmente com uma performance praticamente similar à de ratos normais e saudáveis.
Segundo Kai Yao, os mecanismos de atuação observados em ratos devem ser similares em humanos. Porém, muito trabalho é necessário para que isso aconteça de maneira segura e eficaz. "Como primeiros passos rumo a essa meta, nosso estudo provê evidências convincentes para a aplicabilidade em organismo vivo dessa nova modalidade de edição de genoma. Nossas descobertas contribuem para melhor entendimento de como essa tecnologia pode ser usada para avanço da saúde humana."
Tratamentos
Apesar de não existir cura para a retinose pigmentar, há tratamentos que colaboram para evitar o avanço da doença, mas que nem sempre são acessíveis, relata o oftalmologista Marcelo Brito, membro titular do Conselho Brasileiro de Oftalmologia. "Por exemplo, existem medicamentos que podem ajudar a proteger os fotorreceptores restantes e terapias de luz que podem estimular a função retiniana. Esses tratamentos podem ser caros e, em alguns casos, não são cobertos pelo SUS (Sistema Único de Saúde)."
Brito sublinha, ainda, a necessidade de um acompanhamento médico. "O diagnóstico precoce pode ajudar a retardar a progressão da doença, mas é importante lembrar que a retinose pigmentar é uma condição progressiva e, eventualmente, pode levar à perda total da visão. Portanto, é importante que as pessoas sejam acompanhadas por um oftalmologista especializado em retinopatias hereditárias."