Os oceanos cobrem 70% da superfície do globo, abrigam o mais rico ecossistema da Terra e são fundamentais para regular o clima e o ciclo de oxigênio. Essa imensidão azul, porém, está sendo invadida por uma "espécie" que coloca em risco não só a vida marinha, mas a dos 8 bilhões de habitantes humanos do planeta: o plástico. Especialmente a partir dos anos 1950, quando a produção anual do material passou de 1,7 milhão de toneladas para 303 milhões em todo o mundo, produtos e embalagens começaram a ser descartados nos mares, com quase 5 milhões de toneladas detectadas em 2019. E vai piorar: um levantamento publicado, na semana passada, na revista Plos One mostra que essa taxa pode acelerar 2,6 vezes até 2040 se não for controlada.
A poluição dos oceanos é um dos principais pontos do tratado internacional para combater o lixo plástico, que deverá ficar pronto no próximo ano. Em 2022, os países membros da Organização das Nações Unidas aprovaram, em Nairóbi, uma resolução para acabar com o problema, o que não será fácil. Segundo o Pnuma, o programa ambiental da ONU, desde 1980, o descarte do material nos mares aumentou 10 vezes, afetando pelo menos 267 espécies de animais, incluindo 86% das tartarugas, 44% das aves e 43% dos mamíferos marinhos.
Outro documento das Nações Unidas que buscará proteger os oceanos do lixo plástico é o tratado do alto-mar, cujo texto base foi aprovado no início deste mês. O documento visa proteger 30% das zonas do oceano que não estão sob a jurisdição de nenhum estado, e um dos quatro principais objetivos é proibir ou limitar atividades humanas que podem colocá-las em risco. Isso inclui a pesca comercial, uma das fontes de poluição plástica marinha.
De acordo com pesquisadores do The 5 Gyres Institute, organização não governamental que liderou o estudo publicado na Plos One, a situação da poluição plástica oceânica não tem precedentes. Os cientistas examinaram dados coletados entre 1979 e 2019 e detectaram uma velocidade recorde no aumento do lixo que vai parar nos mares. Diferentemente de pesquisas anteriores, que se concentraram nas zonas do Hemisfério Norte próximas às nações mais industrializadas, a atual se baseia em medições de superfície realizadas em 11.777 estações de seis regiões marinhas — Atlântico Norte, Atlântico Sul, Pacífico Norte, Pacífico Sul, Índico e Mediterrâneo.
100 Titanics
Os cientistas fizeram um modelo e descobriram um aumento rápido e significativo na poluição plástica oceânica, especialmente a partir de 2005, quando a estimativa foi de 16 trilhões de partículas (os chamados microplásticos). Essa quantidade cresceu anualmente, chegando a 171 milhões de partículas em 2019. Em toneladas de plástico, a estimativa é de 5 milhões de toneladas acumuladas nos mares. O peso equivale a 100 navios Titanic.
"Encontramos uma tendência alarmante de crescimento exponencial de microplásticos no oceano global desde a virada do milênio. Esse é um alerta severo de que devemos agir agora em escala global. Precisamos de um Tratado Global da ONU forte e juridicamente vinculativo sobre a poluição plástica que interrompa o problema na fonte", disse, em nota, o principal autor, Marcus Eriken, cofundador e pesquisador do The 5 Gyres Institute.
Win Cowger, coautor do estudo, conta que, mesmo trabalhando há anos com o tema — ele é pesquisador do Instituto Moore de Pesquisa sobre Poluição Plástica, na Califórnia —, os resultados o surpreenderam. "A pesquisa abriu meus olhos para o quão desafiador é medir e caracterizar o plástico no oceano, e o resultado ressalta a necessidade de soluções reais para o problema. A intervenção de uma política internacional é urgente", considera.
Até o cérebro
Ravi Naidu, diretor do Centro Global de Remediação Ambiental da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, destaca os danos que os microplásticos causam à saúde humana. "Essas partículas são um contaminante emergente nos oceanos do mundo, decompondo-se a partir de resíduos plásticos maiores, incluindo sacolas, garrafas e bitucas de cigarro. Nossos oceanos e o que tem nele, como os frutos do mar, estão fervilhando de partículas de plástico em desintegração. As nanopartículas de plástico são particularmente perigosas, pois podem penetrar em quase qualquer parte do corpo, incluindo o cérebro e causar danos em escalas de tempo alarmantemente longas", destaca Naidu.
Segundo o especialista, que não participou do estudo, sem uma ação internacional urgente, a taxa de entrada de plásticos nos oceanos aumentará 2,6 vezes até 2040. "As emissões químicas perigosas de plásticos atravessam fronteiras internacionais. Por isso, precisamos de um plano global. Devemos agir agora para proteger a nós mesmos, o planeta e as gerações futuras", alerta.
Charlene Trestail, ecotoxicologista da Universidade de New South Wales, na Austrália, explica os danos causados pelos microplásticos ao habitat marinho. "Eles são confundidos com alimentos e comidos por pequenos animais, como mexilhões, ostras e camarões. Uma vez ingeridos, podem causar estragos. Os microplásticos interferem na produção de enzimas digestivas no estômago, danificam os intestinos e liberam substâncias químicas potencialmente nocivas dentro do trato digestivo dos animais. Parte dessa poluição se deve às nossas escolhas de consumo: cada pedaço de plástico que descartamos tem o potencial de escapar dos fluxos de resíduos", defende.