edição genética

Tratamento genético de dose única pode ser esperança contra AME; entenda

Testado em ratos, tratamento genético de dose única recupera a função motora e aumenta a sobrevida. A expectativa de cientistas norte-americanos é que a técnica possa ser usada em humanos com atrofia muscular espinhal

Isabella Almeida
postado em 31/03/2023 06:00
 (crédito: Dimitar Dilkoff/AFP)
(crédito: Dimitar Dilkoff/AFP)

A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença de causa genética que pode ser tratada por uma lista restrita de drogas — incluindo o remédio "mais caro do mundo", que custa em média R$ 6 milhões (Leia Para saber mais). A busca por abordagens mais acessíveis e que possam curar a doença mobiliza cientistas. Uma pesquisa divulgada na edição de ontem da revista Science traz avanços nesse sentido. Por meio de uma técnica de edição genética, cientistas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, conseguiram resgatar a função motora e aumentar o tempo de vida de camundongos modificados para ter a doença.

O neurologista infantil Paulo Lobão explica que os pacientes com AME têm uma falha na produção de SMN, proteína responsável por "alimentar" neurônios motores, o que leva a uma degeneração progressiva dessas células. A maioria das drogas atuais não restaura totalmente a regulação do SMN, o que requer doses repetidas ao longo da vida. A equipe americana propõe uma abordagem diferente.

"Das três drogas para atrofia muscular espinhal, o nusinersena e o risdiplam são transitórias. No caso do zolgensma, tem uma redosagem difícil. Nenhuma delas restaura a proteína SMN aos níveis nativos. Essas limitações nos motivaram a desenvolver um tratamento único de edição de genes que pudesse restaurar permanentemente os níveis normais de proteína SMN com mecanismos reguladores nativos, sem a necessidade de dosagens repetidas", detalha David Liu, um dos pesquisadores de Harvard.

A nova terapia converte o gene SM2 parcialmente ativo, que codifica a proteína SMN, em uma forma totalmente ativa, a SMN1. David Liu conta que ele e os colegas estudaram 79 estratégias genéticas para chegar a esse resultado. Das tentativas realizadas, apenas uma conseguiu converter genes SMN2 em SMN1 com alta eficiência de edição, atingindo eficácia de 99%.

As cobaias submetidas à abordagem tiveram a função motora recuperada e um aumento significativo da expectativa de vida: de 17 dias sem o tratamento experimental para mais de 100 dias com ele. Em um primeiro momento, porém, a diferença foi menor, de 17 para 23 dias.

Segundo Liu, isso ocorreu em razão da curta janela de tempo para que a técnica de edição agisse nos ratos antes que os neurônios fossem afetados pela atrofia muscular espinhal. "São seis dias para a correção ocorrer antes que o destino dos neurônios motores seja selado, e a edição de base em camundongos leva cerca de uma a três semanas. Isso explica por que a extensão da vida útil foi modesta, apesar da conversão eficiente de SMN2 para SMN1."

Uso combinado

Quando a equipe decidiu combinar a abordagem experimental com um medicamento já disponível para a AME, o tempo de vida das cobaias aumentou consideravelmente. "A coadministração in vivo de dose única de nusinersen e do editor de base estendeu muito a vida útil do animal de uma média de 17 dias sem tratamento para 111 dias com o tratamento. Isso se deu juntamente com o resgate substancial da função motora em ensaios comportamentais, como o tempo necessário para os camundongos se endireitarem e não ficarem de costas", relata o cientista.

Segundo Liu, a janela de tratamento que beneficia humanos com AME é de meses ou até mais de um ano. Ele e a equipe esperam uma aplicação clínica da terapia genética que desenvolveram. "São descobertas que poderiam informar uma futura abordagem terapêutica de edição de base para o tratamento da doença em humanos", justificam, em nota, os pesquisadores de Harvard. "Estudos assim são essenciais para promover um tratamento assertivo e qualidade de vida para esses pacientes", avalia o neurologista Paulo Lobão.

Conforme o médico, existem cinco tipos clínicos de AME, sendo os mais comuns os tipos 1, 2 e 3, que se diferem pela idade de início e grau de acometimento do paciente. "Tem pacientes com tipo 1 que são dependentes de ventilação mecânica, acamados, necessitando de tratamento transdisciplinar e cuidados intensivos domiciliares", explica. Crianças com o tipo 2 sentam, mas não andam. No 3, adquirem a marcha em algum momento da vida.

Lobão ressalta que, em testes de laboratório com estruturas humanas, a abordagem desenvolvida pela equipe de Harvard teve um resultado de 99% de eficácia, com dose única, sinalizando uma possível aplicação clínica no futuro. "A grande vantagem é que a terapia gênica não tem a necessidade de um tratamento a longo prazo como atualmente existe com os medicamentos Spinraza (nusinersena) e Evrysdi (risdiplam)", compara.

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Disponíveis no SUS

O nusinersena é o tratamento mais antigo e fornecido, no Brasil, para todos os tipos de atrofia muscular espinhal (AME), independentemente da condição clínica do paciente. No entanto, o Sistema Único de Saúde (SUS) só libera o medicamento, que tem valor médio de R$ 320 mil a dose, para as formas tipo 1 e 2. O ridisplam foi incorporado ao SUS há cerca de um ano, e o custo particular do remédio é de aproximadamente R$ 70 mil.

Em dezembro de 2022, o Ministério da Saúde incorporou onasemnogeno abeparvoveque (Zolgensma) para o tratamento de crianças com até 6 meses de idade e AME do tipo I. A droga funciona como terapia genética, alterando o DNA do paciente, em um sistema parecido com a abordagem proposta pela equipe da Universidade de Harvard. Há casos, porém, em que a droga precisa ser reaplicada.

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