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Novas composições de Beethoven: DNA revela detalhes da vida do músico

Análise do DNA do músico alemão revela que ele teve propensão genética a doenças no fígado e até um caso extraconjugal na família

Isabella Almeida
postado em 23/03/2023 06:00
 (crédito: Ira F. Brilliant Center for Beethoven Studies, San Jose State University)
(crédito: Ira F. Brilliant Center for Beethoven Studies, San Jose State University)

Herdeiro de pai músico, Ludwig Van Beethoven tinha as sinfonias no DNA. Uma pesquisa publicada na última edição da revista Current Biology amplia as informações genéticas sobre um dos maiores compositores da história. O trabalho de sequenciamento genético mostra que ele carregava uma propensão a doenças no fígado e descarta que a surdez na vida adulta teria ocorrido devido a uma intoxicação por chumbo. A equipe de cientistas também descobriu indícios de um caso extraconjugal na família do famoso alemão, morto em 1827.

As descobertas foram possíveis graças à análise de cinco mechas de cabelo do compositor nascido em 1770, na cidade de Bonn. Inicialmente, a equipe analisou oito madeixas, obtidas de coleções de relíquias do Centro de Estudos Beethoven de San Jose, na Califórnia, do Museu da Casa de Beethoven de Bonn, na Alemanha, e de um colecionador membro da Sociedade Beethoven Americana, Kevin Brown. Dois materiais foram considerados falsos — incluindo um dos mais famosos: um corte de cabelo feito pelo músico Ferdinand Hiller no leito de morte de Beethoven. Um terceiro também foi descartado.

A partir dos cabelos autênticos, o grupo pôde desmistificar dois problemas de saúde comumente associados ao músico: a doença celíaca e a intolerância à lactose. Beethoven não tinha nenhuma delas, afirma a equipe de pesquisadores liderada por Tristan Begg, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. O projeto contou com a parceria do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha.

A intoxicação por chumbo — que teria atingido Beethoven e causado a surdez na idade adulta — também foi descartada. Uma mecha de cabelo previamente analisada indicava a presença do metal pesado. Todavia, foi descoberto que a madeixa examinada não era autêntica.

O grupo também identificou uma predisposição genética para doenças que afetam o fígado e uma contaminação pelo vírus causador da hepatite B, que acometeu Ludwig poucos meses antes de seu falecimento. "Pudemos eliminar uma grande quantidade de outras causas genéticas menos plausíveis", afirma, em nota, Johannes Krause, do instituto alemão.

Segundo o pesquisador, os problemas de saúde do criador da Quinta Sinfonia, combinados com o uso de bebidas alcoólicas, podem ter contribuído para a sua morte aos 56 anos. "Colocando em vista o histórico médico conhecido, é bem provável que foi uma combinação desses três fatores. Mas um estudo futuro terá que esclarecer em que medida cada fator estava envolvido."

Natália Trevizoli, hepatologista do Hospital Brasília, explica que a ingestão de álcool pode agravar o quadro de hepatite B, pois a substância é metabolizada principalmente no fígado. Dessa forma, a exposição excessiva pode causar inflamação e danos às células hepáticas, o que piora a situação do órgão afetado pela infecção viral. "A associação de fatores que agridem o fígado pode implicar em uma doença de evolução mais rápida, com maior risco de cirrose, insuficiência hepática e câncer primário de fígado."

Desejo expresso

A perda da audição, enfrentada pelo compositor a partir dos 20 anos de idade, também permanece um mistério. Essa e outras respostas parecem ter intrigado o compositor em vida, indicam os autores do estudo."Em 1802, Beethoven pediu que, após a sua morte, sua doença fosse descrita e tornada pública", relatam em nota. "Apesar de não termos conseguido identificar uma explicação genética para seu distúrbio auditivo nem para seus problemas gastrointestinais, descobrimos que Beethoven tinha uma predisposição genética a doenças do fígado."

Também em nota, Begg conta que o sequenciamento genético de amostras do compositor era um plano antigo, de pelo menos 10 anos. A falta de um material biológico adequado e de técnicas mais sofisticadas de análise do DNA fez com que o geneticista e os colegas esperassem tanto tempo.

Agora, o grupo espera que o trabalho renda novas composições. "Ao tornar o genoma de Beethoven disponível publicamente para pesquisadores, caso mais mechas de cabelo venham a ser acrescentadas à série cronológica inicial, acreditamos que as questões remanescentes sobre sua saúde e sua genealogia possam ser respondidas um dia", disse.

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  • Pesquisador extrai amostra de DNA de cabelo em laboratório da Universidade de Tunbigen, na Alemanha
    Pesquisador extrai amostra de DNA de cabelo em laboratório da Universidade de Tunbigen, na Alemanha Foto: Susanna Sabin
  • Beethoven em seu leito de morte - litografia após seu próprio desenho, por volta de 1827
    Beethoven em seu leito de morte - litografia após seu próprio desenho, por volta de 1827 Foto: Beethoven-Haus Bonn
  • Mecha de cabelo de Beethoven, pertencente ao colecionador Kevin Brown, da Sociedade Americana Beethoven
    Mecha de cabelo de Beethoven, pertencente ao colecionador Kevin Brown, da Sociedade Americana Beethoven Foto: Kevin Brown
  • Mecha de Beethovn analisada
    Mecha de Beethovn analisada Foto: Anthi Tiliakou
  • Beethoven pediu que seus problemas de saúde fossem investigados depois da sua morte
    Beethoven pediu que seus problemas de saúde fossem investigados depois da sua morte Foto: Beethoven-Haus Bonn

Dúvidas sobre o avô

Desentendimentos e intercorrências familiares costumam pegar as pessoas de surpresa. Na família de Beethoven, não foi diferente. Mas, em vez do caso ser descoberto à época, foi preciso o avanço de tecnologias médicas e científicas para trazê-lo à tona. O trabalho de sequenciamento genético feito por cientistas da Universidade de Cambridge e do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva revela a ocorrência de um caso extraconjugal: um de seus ancestrais seria fruto de uma traição.

Os cientistas analisaram a genética de parentes do compositor que vivem na Bélgica, mas não conseguiram encontrar correlações entre eles. Alguns compartilham um ancestral paterno de Beethoven que viveu do fim do século 16 e começo do 17. No entanto, não foi notada correspondência com o cromossomo Y encontrado nas amostras autênticas de cabelo do compositor.

Os estudiosos concluíram que isso se deve a pelo menos uma criança nascida de um relacionamento extraconjugal na linha familiar paterna diretamente ligada a Ludwig Van Beethoven. Por não ter registro batismal conhecido, uma das teorias é que Johann van Beethoven, pai do compositor, não seja filho biológico de Lodewijk van Beethoven, avô do músico.

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