Foram mais de três décadas de planejamento até que o gigante de 6t e 6,5m de diâmetro finalmente chegasse ao céu. Pouco mais de um ano depois de seu lançamento e oito meses após as primeiras fotos serem reveladas, o supertelescópio espacial James Webb (JWST) surpreende os astrônomos com descobertas que colocam em jogo boa parte das teorias cosmológicas. Embora fosse esperado que o instrumento inaugurasse uma era na astronomia, ele tem feito isso com uma rapidez significativa. E essa é só uma amostra, dizem os especialistas.
"O mais poderoso telescópio infravermelho já construído está funcionando bem, melhor do que o especificado para sua construção, e os dados obtidos com o JWST já começaram a abalar os alicerces do que sabíamos", afirma Eva Villaver, pesquisadora do Departamento de Astrofísica do Centro de Astrobiologia do Conselho Superior de Investigações Científicas, na Espanha. "Os dados nos mostram o que não podíamos ver até agora e, em muitos casos, não é o que esperávamos. Assim é a ciência", diz.
Uma das surpresas mais recentes foi revelada em um artigo publicado na revista Nature. O James Webb flagrou galáxias supermassivas onde elas não poderiam estar: entre 500 milhões e 700 milhões depois do Big Bang. Pela teoria da formação galáctica, nesse momento, elas deveriam ser bebezinhos, e não aglomerados tão avançados quanto a Via Láctea, hoje.
Há muito ainda por vir, diz Javier Gómez Elvira, engenheiro aeronáutico que participou da Missão Laboratório de Ciência Marte, da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa). "O JWST está descobrindo um Universo que não poderia ser visto com o telescópio Hubble, além de ultrapassar os limites centenas de milhões de anos do que é conhecido atualmente. Entre as perguntas que deve responder estão: De que são feitos os planetas? Como as galáxias são construídas? Qual é a coisa mais distante que podemos observar? Como o Universo emergiu da idade das trevas para formar as primeiras estrelas e galáxias?", enumera.
Exoplanetas
Para Eva Villaver, uma das áreas com as quais o telescópio mais deve contribuir é a dos exoplanetas, aqueles que estão em outros sistemas solares. "Fascina-me pensar que o JWST vai revolucionar o nosso conhecimento de uma área de estudo: os planetas extra-solares e suas atmosferas, que nem existia quando foi concebido no papel", diz. Em janeiro, o equipamento confirmou a existência do LHS 475b, que tem quase o tamanho da Terra e orbita uma estrela na Constelação de Octans. As observações permitiram excluir modelos atmosféricos do planeta, algo que nenhum outro instrumento conseguiu fazer.
"O JWST fornecerá muitas novas visões sobre a composição das atmosferas de alguns exoplanetas. Ele não é realmente um instrumento de busca de vida, mas quanto mais aprendermos sobre as atmosferas de outros planetas, mais entenderemos as condições que podem existir em suas superfícies", explica o astrofísico Jason Steffen, da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, especialista em exoplaneta e ex-integrante da missão Kepler da Nasa. Steffen esclarece que há duas maneiras de o James Webb observar esses corpos: uma para o caso daqueles em trânsito e outra para obter imagens diretas.
"A tecnologia de imagem direta deve ajudar os cientistas a encontrar a luz emitida por planetas jovens que acabaram de se formar. Para os planetas em trânsito, o JWST analisará duas assinaturas principais: a curva de fase, que nos dirá quão escuro ou brilhante é o objeto, e o espectro de trânsito, que nos dirá um pouco da composição química", conta. Os planetas em trânsito, diz Steffen, foram o foco da Kepler e, agora, seu estudo será mais aprofundado, com o Webb.
Veja, ao lado, as seis descobertas que o James Webb fez apenas nos dois primeiros meses de 2023.
Redes de gás e poeira
Imagens do MIRI, o único instrumento do telescópio capaz de operar em comprimentos de onda do infravermelho médio, revelam a presença de uma rede de características altamente estruturadas dentro de 19 galáxias: trata-se de cavidades brilhantes de poeira e enormes bolhas cavernosas de gás que revestem os braços espirais. É a primeira vez que se observa a formação de estrelas, gás e poeira em galáxias próximas com resolução sem precedentes. Os dados estão sendo explorados por 21 pesquisas diferentes, que fornecem uma nova visão sobre como alguns dos processos de menor escala no Universo, como o início da formação estelar, impactam a evolução dos maiores objetos no cosmos: as galáxias. A observação foi relatada em uma edição especial da revista The Astrophysical Journal Letters.
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Bebês supermassivos
Os astrônomos estimam que 50 mil fontes de luz infravermelha próxima estão representadas nesta imagem. As fontes brancas cercadas por um brilho nebuloso são as galáxias do Aglomerado de Pandora, onde a concentração de massa é tão grande que o tecido do espaço-tempo é deformado pela gravidade, criando uma superlupa natural chamada "lente gravitacional". Em um artigo na revista Nature, pontinhos vermelhos difusos são descritos como possíveis galáxias formadas muito pouco tempo depois do Big Bang. Elas não deveriam ser tão robustas assim, pois ainda eram bastante jovens, o que desafia teorias atuais. Também está sendo pesquisado se, na verdade, o James Webb flagrou um buraco negro supermassivo, igualmente do início do Universo.
"Coliseu" do espaço
Um asteroide previamente desconhecido com diâmetro de 100 a 200 metros — aproximadamente do tamanho do Coliseu de Roma — foi detectado acidentalmente pelo Webb quando o instrumento passava por uma calibração. A equipe de astrônomos chegou a pensar que se tratava de uma falha. O objeto é provavelmente o menor observado até agora pelo telescópio e pode ser um exemplo de um corpo do tipo medindo menos de 1km de comprimento dentro do Cinturão de Asteroides, localizado entre Marte e Júpiter. Mais pesquisas são necessárias para melhor caracterizar sua natureza e propriedades. Se confirmado que é mesmo um asteroide, haverá importantes implicações para a compreensão da formação e evolução do Sistema Solar. O resultado também sugere que o supertelescópio poderá contribuir acidentalmente para a detecção de novos objetos do tipo.
Inventário gelado
Para se ter um planeta habitável, o gelo é um ingrediente vital, por ser o principal portador de vários elementos-chave da luz: carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre (coletivamente chamados de Chons). No nosso Sistema Solar, acredita-se que eles foram lançados na superfície da Terra por impactos com cometas ou asteroides gelados. Nessas regiões do espaço, grãos de poeira gelada fornecem um cenário único para átomos e moléculas se encontrarem, o que pode desencadear reações químicas que formam substâncias muito comuns como a água. Com observações do James Webb, astrônomos apresentaram um inventário detalhado dos gelos mais profundos e frios medidos até agora em uma nuvem molecular. Trata-se do censo mais abrangente dos ingredientes gelados disponíveis para formar as futuras gerações de estrelas e planetas antes de serem aquecidos durante a formação de estrelas jovens.
O primeiro exoplaneta
Com apenas duas observações de trânsito, o instrumento espectrógrafo de infravermelho próximo (NIRSpec) do Webb capturou, pela primeira vez, um exoplaneta. Classificado como LHS 475 b, o planeta tem quase o mesmo tamanho que o nosso, com 99% do diâmetro da Terra. Segundo os pesquisadores, os primeiros resultados observacionais de um objeto rochoso do tamanho da Terra abrem as portas para muitas possibilidades futuras no estudo de atmosferas de corpos celestes do tipo pelo supertelescópio espacial. A equipe observou que, embora seja possível que o planeta não tenha atmosfera, existem algumas composições atmosféricas que não foram descartadas, como uma de dióxido de carbono puro. O Webb também revelou que o LHS 475 é algumas centenas de graus mais quente que a Terra, sendo, provavelmente, mais parecido com Vênus. O exoplaneta está relativamente próximo, a apenas 41 anos-luz de distância, na constelação de Octans.
Discos empoeirados
Uma das regiões de formação estelar mais dinâmicas em galáxias próximas, a NGC 346 começa a ser desvendada pelo James Webb. Ela está localizada na Pequena Nuvem de Magalhães (PNM), uma galáxia anã próxima à Via-Láctea que contém concentrações mais baixas de elementos mais pesados que o hidrogênio ou o hélio, os metais. Como os grãos de poeira no espaço são compostos principalmente dessas moléculas, os cientistas esperavam que houvesse apenas pequenas quantidades de poeira e que seria difícil detectá-la. Mas novos dados de Webb revelaram exatamente o oposto. Anteriormente, já se havia identificado gás em torno de protoestrelas dentro de NGC 346, mas as observações no infravermelho próximo do telescópio marcam a primeira vez em que a poeira também foi encontrada nos discos. Segundo os astrônomos, o que se vê são os blocos de construção não apenas das estrelas, mas, potencialmente, de planetas.
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Apesar de ser um instrumento espacial como nenhum outro, o James Webb não é, diferentemente do que se costuma ler, o substituto do Hubble. O supertelescópio servirá como um observatório complementar do veterano, que opera e coleta dados inovadores há mais de 30 anos. “Há uma enorme diferença entre os dois observatórios, e isso cria possibilidades empolgantes”, afirma o astrofísico Jason Steffen, da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, que integrou a missão Kepler da Nasa. Enquanto o Hubble olha principalmente na parte visível do espectro de luz, o Webb foi projetado para enxergar no infravermelho. “Os comprimentos de onda mais longos da luz infravermelha permitem que o telescópio perfure as nuvens de poeira rodopiante – evidência da formação de estrelas e planetas – que a luz visível captura, dando aos cientistas uma visão mais nítida do que nunca das atmosferas de corpos celestes distantes”, diz Steffen.