hipertensão

Pressão alta na gravidez é fator de risco para doenças cerebrovasculares

Pré-eclâmpsia e eclâmpsia são ligadas a uma maior ocorrência de problemas como declínio na atenção e na memória quando as mulheres chegam aos 65 anos

Fernanda Fonseca*
postado em 02/03/2023 06:00
 (crédito:  ISHARA S.  KODIKARA)
(crédito: ISHARA S. KODIKARA)

Os distúrbios hipertensivos durante a gravidez, incluindo a pré-eclâmpsia e a eclâmpsia, são reconhecidos como fatores de risco para doenças cardíacas e cerebrovasculares. Um estudo publicado pela revista Neurology sugere outro complicador: esse quadro também pode ser um agravante para o declínio cognitivo entre mulheres mais tarde na vida, quando elas chegam aos 65 anos.

A partir do Mayo Clinic Study for Aging (MSCA), um relatório baseado no envelhecimento cognitivo de indivíduos com 50 anos ou mais que vivem em Minnesota, nos Estados Unidos, os autores avaliaram uma amostra de 2.239 mulheres com, em média, 73 anos. "As informações sobre as gestações foram extraídas a partir dos prontuários médicos para determinar se foram gestantes hipertensas e de qual tipo", conta a autora do estudo, Michelle Mielke, professora e presidente de epidemiologia e prevenção na Wake Forest University School of Medicine.

Na pesquisa, os autores tiveram como enfoque dois distúrbios hipertensivos na gravidez: a pré-eclâmpsia e a eclâmpsia. "A pré-eclâmpsia é uma doença progressiva, multissistêmica, que se desenvolve após 20 semanas de gestação. É caracterizada pelo surgimento de elevação da pressão arterial associado a edema e/ou perda de proteína na urina", explica Ângelo Pereira, coordenador da Obstetrícia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília. "Pode ocorrer também nos casos de hipertensão associado a lesão de órgãos alvo, como coração, pulmão, cérebro, rins e fígado", completa. Segundo o médico, a eclâmpsia é o desenvolvimento de crises convulsivas generalizadas em gestantes com sinais e sintomas de pré-eclâmpsia.

As participantes da pesquisa estadunidense foram submetidas a testes a cada 15 meses, durante cinco anos, e os resultados foram utilizados para avaliar o impacto de cada distúrbio hipertensivo e o declínio percebido. "Todas fizeram testes cognitivos, que incluíram quatro domínios: memória, atenção/função executiva, linguagem e visuoespacial. Também foi avaliada a cognição global, que é uma média de todos esses domínios", continua Mielke.

Das mulheres, 83% tiveram pelo menos uma gravidez. E entre aquelas com gestações que ultrapassaram 20 semanas, 147 tiveram pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, 100 tiveram hipertensão gestacional ou crônica e 1.607 não apresentaram distúrbios hipertensivos. Os resultados da análise mostraram que mulheres com qualquer distúrbio hipertensivo durante a gravidez experimentaram maiores declínios tanto na cognição global quanto na específica, comparadas às com gestações normais. Os desfechos foram piores para aquelas que tiveram pré-eclâmpsia ou eclâmpsia. "Elas demonstraram maiores declínios na cognição global, linguagem, atenção e função executiva", afirma Mielke.

Diana Santana, neurocirurgiã do Sírio-Libanês de São Paulo, explica que o declínio cognitivo global é caracterizado por uma desordem nas variadas funções cognitivas. "Fazem parte dessa avaliação diversos domínios: aprendizado e memória, linguagem, funções executivas, atenção complexa, motora perceptiva e cognição social", lista. "Para a definição de declínio cognitivo global, é necessária a alteração de pelo menos dois domínios cognitivos, enquanto o específico vai apresentar deterioração em apenas algumas dessas áreas".

Vascularização

Em relação a possível conexão entre os fatores de risco vascular, como a hipertensão, e o comprometimento cognitivo, Santana afirma que a intensa vascularização do cérebro faz com que qualquer doença que cause comprometimento dos vasos sanguíneos, afetando a circulação cerebral, possa trazer consequências deletérias. "Portanto, a cognição também pode estar prejudicada quando o fornecimento de sangue não acontece de forma adequada devido a doenças como hipertensão, diabetes e hábitos de vida, como o tabagismo", enfatiza.

No caso da hipertensão gestacional, da eclâmpsia e da pré-eclâmpsia, a neurologista lembra que se tratam de doenças sistêmicas. "Elas podem promover algum grau de disfunção endotelial e inflamação sistêmica, afetando a circulação cerebral e resultando em um dano vascular a longo prazo, o que pode se manifestar como um declínio cognitivo", detalha.

Os autores da pesquisa afirmam que, com base na compreensão da fisiopatologia do comprometimento cognitivo induzido pela hipertensão, é provável que os mecanismos subjacentes a esse fenômeno sejam complexos, multifacetados e atrelados aos processos de envelhecimento vascular. Por isso, a importância de que a investigação científica continue. "Estudos adicionais são necessários para avaliar se o controle adequado desses fatores pode reduzir o risco de declínio cognitivo na velhice", indicam.

Além disso, as integrantes da amostra eram predominantemente brancas, o que pode, segundo os autores, fazer com que os resultados não sejam generalizáveis para outras populações. "Mulheres que são minorias sub-representadas têm taxas mais altas de distúrbios hipertensivos da gravidez. É fundamental examinar a relação com a cognição entre esses grupos", concluem.

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

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coordenador da Obstetrícia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília

Qual é o perfil das mulheres que são mais propensas a desenvolver distúrbios hipertensivos na gravidez?

São as pacientes em sua primeira gestação, aquelas acima do peso, sedentárias, que têm idade acima dos 35 anos, apresentam alguma doença autoimune, diabetes, doença renal, história familiar de pressão alta, gestações gemelares ou mulheres que engravidaram por meio de técnicas de reprodução humana, como a fertilização in-vitro.

Como a pressão alta durante a gravidez é um fator de risco para doenças cardíacas e cerebrovasculares?

Isso pode ser explicado por fatores genéticos, bem como hábitos, condições de vida e doenças prévias que são fatores de risco comuns às doenças. Mas sabe-se também que a pré-eclâmpsia induz a alterações metabólicas e fisiológicas, como disfunção endotelial, resistência insulínica, atividade pró-inflamatória e alterações do colesterol, que podem permanecer mesmo após o parto e causar doenças cardíacas e neurológicas anos mais tarde. As alterações vasculares no cérebro em decorrência da pré-eclâmpsia podem levar a demência, transtorno de estresse pós-traumático e depressão.

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