Uma em cada três meninas e um em cada cinco meninos sofrem de distúrbios alimentares globalmente. Ao todo, 22,36% das crianças e dos adolescentes de 6 a 18 anos apresentam condições como anorexia, compulsão alimentar e bulimia, entre outros, ou uma combinação delas. As estatísticas, consideradas preocupantes por especialistas, são de uma análise que avaliou 32 estudos de 16 países, publicada na revista Jama, da Associação Médica Norte-Americana, e inclui dados de 63.181 participantes dos cinco continentes.
Distúrbios alimentares são definidos como condições comportamentais nos quais os hábitos associados à comida sofrem alterações, afetando a saúde física e mental. Geralmente, ocorre em combinação com outros transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade. Fatores genéticos e ambientais também podem influenciar.
A pesquisa publicada na Jama baseia-se em um questionário de triagem composto por cinco perguntas que, em vez de diagnosticar o distúrbio, aponta a possibilidade de existência de algum transtorno alimentar. Segundo os autores, de instituições da Espanha e do Reino Unido, essa é a ferramenta mais usada no mundo para investigar condições do tipo.
No artigo, os pesquisadores destacam que os números oficiais sobre distúrbios alimentares baseados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) provavelmente estão aquém da realidade. "Com base no DSM-5, a prevalência de transtornos alimentares em crianças e adolescentes (11 a 19 anos) tem sido estabelecida entre 1,2% (meninos) e 5,7% (meninas), com incidência crescente nas últimas décadas", dizem os autores, liderados por José Francisco Lópes-Gil, do Centro de Pesquisa em Saúde e Social da Universidade de Castilla-La Mancha, na Espanha.
IMC
"Como algumas crianças e adolescentes com transtornos alimentares podem ocultar os principais sintomas da doença e retardar a busca por atendimento especializado devido a sentimentos de vergonha ou estigmatização, é razoável considerar que os transtornos alimentares são subdiagnosticados e subtratados", diz o artigo. Na revisão, os pesquisadores descobriram que os distúrbios afetam 30% das meninas e 16,98% dos meninos, sendo que as estatísticas aumentam com a idade e de acordo com índice de massa corporal (IMC) — quanto maior a medida, maior a incidência.
"O estudo mostra que crianças com um IMC mais alto aparentemente correm risco aumentado de desenvolver distúrbios alimentares. É possível que esses jovens tenham enfrentado discriminação ou estigma com base em seu peso por parte de pessoas importantes em suas vidas e, portanto, se envolvam em distúrbios alimentares para tentar perder peso", acredita Gemma Sharp, líder do Grupo de Pesquisa em Imagem Corporal e Distúrbios Alimentares da Universidade de Monash, na Austrália, que não participou da pesquisa.
De acordo com os autores, o IMC maior associado à probabilidade elevada de transtorno alimentar é uma informação importante para familiares e profissionais de saúde. "Jovens com excesso de peso são a população que parece apresentar sintomas de transtorno alimentar com mais frequência. Embora a maioria dos adolescentes que desenvolve um transtorno alimentar não relate problemas prévios de excesso de peso, alguns adolescentes podem interpretar mal o que é uma alimentação saudável e se envolver em comportamentos não saudáveis (por exemplo, pular refeições para gerar um déficit calórico), o que pode levar ao desenvolvimento de um distúrbio alimentar", destacam.
Para Gemma Sharp, outra conclusão importante do estudo é que ninguém está livre de sofrer da condição. "A descoberta de que as meninas são mais propensas a serem impactadas do que os meninos não é inesperada; no entanto, a proporção de 17% em meninos não deve ser ignorada — qualquer pessoa de qualquer sexo pode ter distúrbios alimentares", diz.
Autoestima
Na opinião de Abigail Matthews, diretora do Programa de Distúrbios Alimentares do Hospital da Criança de Cincinnati, nos Estados Unidos, as mídias sociais podem estar colaborando para o aumento de casos de transtornos entre crianças e jovens. "Infelizmente, é muito comum meus pacientes falarem sobre o impacto negativo das mídias sociais na imagem corporal e na autoestima. Quando estão nessas plataformas, eles são infiltrados com imagens de seus colegas que parecem ter 'tudo' — corpos perfeitos e vidas perfeitas. Como a maioria de nós sabe, muitas imagens nas mídias sociais são adulteradas com filtros e ferramentas de edição, então os corpos retratados são irreais e inatingíveis", relata.
Matthews conta que há uma campanha em curso da Academia de Distúrbios Alimentares dos Estados Unidos para que plataformas de redes sociais como Instagram e TikTok sejam mais responsáveis com o tema. "À luz de relatórios recentes de que os algoritmos podem inundar rápida e permanentemente as contas dos usuários com conteúdo que promove alimentação desordenada e dieta extrema, escrevemos com um pedido urgente à liderança corporativa em plataformas de mídia social como Facebook, Instagram e TikTok, para tomar medidas imediatas que modifiquem suas plataformas para acabar com esses danos."