Nos últimos três anos, a chamada covid longa — sintomas que afetam os pacientes por muito tempo depois da fase aguda — colocou em foco uma doença com muitas características semelhantes. Trata-se da fadiga crônica, também chamada encefalomielite miálgica (SFC/EM), condição em que a pessoa sente-se exausta boa parte do tempo, além de ter dores musculares e articulares, sofrer febre baixa e perda de memória. Sem causa definida, a síndrome pode estar associada a alterações no microbioma intestinal, segundo dois artigos publicados na edição deste mês da revista Cell Host & Microbe.
A SFC/EM é uma doença grave, crônica e debilitante. Mal-estar pós-esforço, distúrbios do sono, dificuldades cognitivas e problemas gastrointestinais são outros sintomas da condição, para a qual não há tratamento específico. Em um dos estudos, pesquisadores da Universidade Columbia, em Nova York, analisaram a composição genética das bactérias intestinais em amostras fecais coletadas de 106 pessoas com a síndrome, e de 91 controles saudáveis. Segundo os autores, os resultados revelaram diferenças importantes na diversidade do microbioma, na quantidade, nas vias metabólicas e nas interações entre espécies bacterianas intestinais.
A equipe do epidemiologista Brent L. Williams, autor sênior do estudo, descobriu que as pessoas com SFC/EM tinham níveis anormalmente baixos de várias espécies em comparação com controles saudáveis, incluindo a Faecalibacterium prausnitzii (F. prausnitzii) e a Eubacterium rectale. A atividade desses micro-organismos produz uma substância chamada butirato, que desempenha um papel importante na manutenção da saúde intestinal. Nos pacientes com a síndrome, uma bactéria produtora de acetato também estava reduzida.
Butirato
Análises mais detalhadas confirmaram que a redução dessas bactérias foi associada, nos pacientes com fadiga crônica, à menor produção do butirato, a principal fonte de energia para as células que revestem o intestino. O metabólito fornece até 70% das necessidades energéticas celulares, promove suporte para o sistema imunológico intestinal e auxilia na proteção contra doenças do trato digestivo. Simultaneamente, nas pessoas com SFC/EM, houve aumento dos níveis de nove outras espécies, incluindo a Enterocloster boteae e a Ruminococcus gnavus, associadas, respectivamente, a enfermidades autoimunes e inflamatórias intestinais.
Os cientistas também observaram que a abundância de F. prausnitzii foi inversamente relacionada à gravidade da fadiga nos pacientes, sugerindo uma possível ligação entre as bactérias intestinais e os sintomas da síndrome. Os resultados indicam que os desequilíbrios em 12 espécies de micro-organismos podem ser usados como biomarcadores para a classificação da SFC/EM, podendo ajudar com o diagnóstico.
"Essa pesquisa demonstra que existem assinaturas bacterianas robustas de disbiose (desequilíbrio) intestinal em indivíduos com SFC/EM", diz Williams. "Isso ajuda a expandir esse crescente campo de pesquisa, identificando os distúrbios estruturais e funcionais no microbioma em uma doença crônica que afeta a qualidade de vida de milhões de pessoas." No Brasil, não há dados estatísticos. Nos Estados Unidos, ela é estimada em 2,5 milhões de casos.
No outro estudo publicado na Cell Host & Microbe, pesquisadores do Laboratório Jackson em Farmington, Connecticut, coletaram e analisaram dados clínicos, amostras fecais e de sangue de 149 pessoas com SFC/EM diagnosticadas nos últimos quatro anos e há mais de uma década, além de 79 controles saudáveis. Os resultados indicaram que, no primeiro grupo, havia menor diversidade bacteriana, enquanto nos pacientes há pelo menos 10 anos com a doença, o microbioma era mais estável, semelhante ao de quem não sofre da enfermidade. A equipe, liderada por Julia Oh, encontrou níveis mais baixos de várias espécies produtoras de butirato, incluindo a F. prausnitzii.
Causas
Houve também uma redução nas espécies associadas ao metabolismo do triptofano em todos os participantes com a síndrome. "É importante observar que esta pesquisa mostra correlação, não causalidade, entre essas alterações do microbioma e a SFC/EM", diz Julia Oh. "Mas essas descobertas são o prelúdio para muitos outros experimentos que esperamos fazer para entender mais sobre a síndrome e suas causas subjacentes."
O grupo da pesquisadora também coletou dados clínicos e de estilo de vida detalhados dos participantes. Ao combiná-los com as informações genéticas e da microbiota, os cientistas desenvolveram uma maneira de classificar e diferenciar com precisão os pacientes da síndrome dos controles saudáveis. Usando o método, eles descobriram, por exemplo, que, embora pessoas diagnosticadas há mais de 10 anos tenham um microbioma mais equilibrado, elas sofrem com sintomas mais graves, além de irregularidades metabólicas progressivas.
"Esses estudos fornecem evidências robustas para a disbiose microbiana em pacientes com síndrome da fadiga crônica, abrindo as portas para uma investigação mais aprofundada sobre o microbioma para decifrar se o desequilíbrio é uma causa ou consequência da SFC/EM", acredita Katherine Seton, cientista do Instituto Quadram, na Inglaterra, que pesquisa a influência de micróbios intestinais nas doenças e na saúde. "As terapias direcionadas ao microbioma, como o transplante de micróbios fecais, nos permitirão entender se a restauração de um microbiota saudável é um benefício clínico em pacientes com a síndrome, o que indicaria uma relação causal entre as bactérias intestinais e a patogênese da SFC/EM", diz Seton, que não participou dos estudos.
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