Um grupo de astrônomos brasileiros descobriram uma dinâmica no Universo que desafia uma teoria científica criada há mais de um século: um anel que orbita fora do limite estabelecido como o máximo para que um sistema de anéis exista em torno de um objeto central. A descoberta desafia os pesquisadores da área a apontar que o entendimento da comunidade astronômica ainda é limitado em relação a fenômenos considerados "dominados" pela ciência.
O anel foi encontrado em torno de Quaoar, objeto transnetuniano que orbita na região além de Netuno — último planeta do Sistema Solar. O ajuntamento de rochas e poeira está há 4,1 mil quilômetros do corpo celeste, distância que faria, de acordo com a teoria astronômica, com que os restos rochosos se agregassem e se tornassem um satélite, e não um anel.
O estudo que resultou na descoberta foi liderado pelo doutor em astronomia brasileiro e professor do Observatório Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro Bruno Morgado e publicado na revista Nature na quarta-feira (8/2).
Essa é a terceira vez na história que os astrônomos detectam um anel ao redor de um corpo celeste de menor porte. O primeiro anel em um tipo pequeno foi descoberto apenas em 2013, pelo astrônomo brasileiro Felipe Braga Ribas, que detectou a presença do fenômeno ao redor do Centauro Chariklo — até então, achava-se que apenas grandes planetas — Júpiter, Saturno, Urano e Netuno — do Sistema Solar poderiam sustentar um sistema de anéis ao redor deles.
Em 2017, outra descoberta confirmou o novo entendimento: um sistema de anéis no planeta anão Haumea. No entanto, os brasileiros fizeram história com o estudo publicado nessa quarta-feira (8/2) por ser a primeira vez que foi detectado um anel situado a uma distância superior a que normalmente está um sistema de anéis do corpo central ao qual orbita, tanto nos planetas gigantes do Sistema Solar quanto em Centauro Chariklo e em Haumea. A técnica utilizada para a descoberta foi a de ocultação estelar (saiba mais abaixo).
Até então, o padrão mostrado pelos anéis encontrados no Universo mostram que todos são situados a uma distância exata do corpo celeste central. Ao estudar a situação, o astrônomo Edouard Roche escreveu, em 1850, uma teoria que está em vigor até hoje: qualquer objeto situado a até 2,5 vezes o raio de um planeta ou corpo celeste será destruído pela força da maré, nome dado à energia da gravidade.
Com isso, o objeto se esfarela e passa a orbitar em torno do planeta ou corpo — os restos rochosos dele são o que formam os anéis, que são compostos também por outros elementos, como pedaços de gelo. Caso o objeto esteja fora do limite de Roche, ele iria se agregar cada vez mais e se tornar um satélite do corpo principal.
O anel encontrado em torno de Quaoar está a cerca de 4,1 mil quilômetros do objeto massivo, o que corresponde a cerca de 7,4 raios do corpo celeste. Em outras palavras, o anel não deveria estar ali — era esperado, ao menos, que os restos rochosos não fossem anéis e sim se agregassem e formassem um satélite.
“Até agora, as observações confirmavam a teoria de Roche: todos os anéis densos dos quatro planetas gigantes do Sistema Solar, bem como os anéis de Chariklo e Haumea, encontram-se dentro ou perto do limite de Roche. Mas o anel de Quaoar desafia esse quadro”, pontua Bruno Morgado.
Os pesquisadores afirmam que novos estudos são necessários para compreender como o anel de Quaoar existe fora do limite de Roche. No entanto, a detecção do objeto mostra que anéis ao redor de corpos celestes menores devem ser mais comuns do que era pensado pelos astrônomos e eles devem existir em diferentes formas, o que desafia ainda mais a astronomia.
“O estudo destas estruturas pode auxiliar os cientistas a responderem questões fundamentais sobre os mecanismos de formação de luas em torno de planetas do Sistema Solar e de outros sistemas estelares”, conclui Morgado.
Também compuseram a equipe dos estudos os astrônomos brasileiros Felipe Braga-Ribas e Giuliano Margoti, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFRP); Chrystian Luciano Pereira, Roberto Vieira Martins, Flavia Luane Rommel, Rodrigo Carlos Boufleur e Julio Ignacio Bueno de Camargo, do Observatório Nacional; e Marcelo Assafin, Altair Ramos Gomes Júnior, Gustavo Benedetti Rossi, do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA).
Ocultação estelar: técnica permitiu a descoberta do anel de Quaoar
A técnica utilizada pelos astrônomos para observar o Quaoar e descobrir um anel foi a ocultação estelar. O fenômeno é, na verdade, a observação de um corpo celeste quando esse passa na frente de uma estrela, considerada uma “estrela de fundo”. Quando o corpo passa, as estrelas são “escondidas” pela sombra dele e é essa sombra que é estudada pelos astrônomos.
“Hoje, ocultações estelares fornecem medidas com precisão da ordem do quilômetro, só alcançáveis com sondas espaciais in loco. Para observar ocultações estelares, colaborações globais são necessárias, uma vez que o evento pode ocorrer em diferentes locais da Terra”, destaca Morgado.
No caso do Quaoar, os astrônomos utilizaram dados de diversos telescópios ao redor do mundo para mapear as estrelas próximo ao corpo celeste. Depois, os pesquisadores registraram as quedas de brilho das estrelas momentos antes e depois do Quaoar passar por elas, o que revela a presença do anel. A partir da análise das quedas de brilho foi possível determinar as propriedades físicas do anel, como largura e quantidade de material presente. O disco de partículas de Quaoar tem uma grande variação de densidade, incomum em outros anéis de corpos celestes pequenos.
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