Jornal Correio Braziliense

sepse

Antibiótico azitromicina reduz em 33% risco de morte materna, aponta estudo

Apenas uma dose de azitromicina evita a infecção generalizada durante o parto vaginal e o óbito em decorrência da complicação

A sepse, um tipo de infecção grave, está entre as principais causas de morte materna em todo o mundo, causando cerca de 260 mil óbitos anualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em países desenvolvidos, a taxa de mulheres que perdem a vida durante a gestação ou 42 dias após é cerca de 5%, enquanto nos subdesenvolvidos esse número chega a 11%. Uma única dose de um antibiótico popular pode reverter esse quadro. Em um estudo apresentado, ontem, na reunião anual da Sociedade de Medicina Materno-Fetal dos Estados Unidos, cientistas mostram que a azitromicina reduz em 33% o risco de morte materna em decorrência de septicemia.

Também publicada no American Journal of Obstetrics & Gynecology, a pesquisa desenvolvida por pesquisadores da Universidade do Alabama em Birmingham, nos Estados Unidos, acompanhou quase 30 mil participantes de sete países integrantes da rede global do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano para Pesquisa em Saúde de Mulheres e Crianças. As mulheres eram da África, Ásia e América Latina.

Elas estavam, pelo menos, na 28ª semana de gravidez, se planejavam para ter um parto vaginal e foram designadas, de forma aleatória, a receber uma dose de azitromicina ou de um placebo. Dessa forma, 14.590 receberam o antibiótico e 14.688, a substância neutra. Todas foram acompanhadas por 42 dias após o parto. A análise dos dados mostrou que uma única dose de azitromicina, administrada por via oral, foi capaz de reduzir o risco de morte materna ou de sepse em 33% em mulheres que tiveram um parto vaginal.

Segundo Alan Tita, principal autor do estudo e subespecialista em medicina materno-fetal na Escola de Medicina na Universidade de Alabama, "a azitromicina fornece cobertura contra bactérias adicionais que causam infecções maternas". A droga é prescrita para tratar uma ampla variedade de infecções bacterianas, com "pesquisas anteriores apoiando a sua eficácia".

No novo estudo, a equipe observou benefícios como redução do risco de ocorrência de endometrite materna, infecções, reinternações e visitas não programadas ao hospital. "Nossa pesquisa mostra que apenas uma dose de azitromicina pode ser uma intervenção útil e de baixo custo para reduzir a sepse e as mortes maternas concomitantes", enfatiza Tita. "A simplicidade dessa intervenção deve permitir que sua adoção em todo o mundo proteja as mães durante o parto", defende, em nota.

Combinação de fatores

Os pesquisadores optaram por analisar os efeitos do antibiótico em partos vaginais devido às maiores taxas desse tipo de procedimento em países de baixa e média renda e aos maiores índices de mortalidade materna globalmente. "Muitos desses países têm baixas taxas de cesariana. Então, as infecções mais graves que levam à morte ocorrem após o parto vaginal", explica o autor.

Segundo Ângelo Pereira, coordenador da Obstetrícia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, a sepse materna é mais comum em países em desenvolvimento pelo menor acesso à saúde de qualidade, pela falta de informação e educação em saúde sexual. "Essa combinação de fatores leva a um maior número de gestações e suas complicações infecciosas, seja ao longo da gravidez por doenças não tratadas, como pneumonias e infecções urinárias, seja no parto e no abortamento pela realização de procedimentos em ambientes insalubres, pela dificuldade em acesso a antibiótico em tempo oportuno e pelo atraso no reconhecimento e no enfrentamento da sepse de forma efetiva", detalha.

Tatianna Ribeiro, obstetra e especialista em reprodução humana da clínica Rehgio, em Brasília, lembra que alterações fisiológicas da gravidez podem mascarar e piorar a resposta do organismo a um processo de sepse, dificultando seu diagnóstico. "A maior parte dos agentes etiológicos causadores da sepse materna já compõem naturalmente a flora vaginal da mulher. Essa flora sofre alterações durante a gestação e só retorna ao estado fisiológico prévio por volta de seis semanas após o parto", explica. "O desenvolvimento da doença vai se dar pela ascensão desses micro-organismos para o útero ainda mesmo durante o trabalho de parto, tendo seu 'momento de pico' por volta do 3º dia".

A médica diz que, na gravidez, o útero se encontra mais suscetível às infecções devido à grande área sensibilizada pelo descolamento da placenta. Outros fatores obstétricos que influenciam no desenvolvimento da infecção são corrimento vaginal, história de infecção pélvica, gravidez múltipla, reprodução assistida e procedimentos invasivos, como cerclagem cervical, parto cesáreo, trauma vaginal e hematoma de ferida operatória. Obesidade, diabetes, intolerância à glicose e idade materna acima de 35 anos também são facilitadores para o quadro infeccioso.

Nesse cenário, Ângelo Pereira afirma que o uso de antibióticos, no momento do parto, é fundamental para reduzir as taxas de infecções e, consequentemente, a infecção generalizada. "Porém, as taxas de sepse no início da gestação, durante os casos de aborto infectado e ao longo da gravidez por complicações clínicas não serão contempladas", lembra o obstetra. Para a redução eficaz da sepse materna, avalia o médico, são necessárias medidas mais amplas, que contemplem todos os momentos da gestação, assim como "ações educativas e de planejamento familiar que melhorem as condições de vida das mulheres em idade fértil".

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza