Quase metade das gestações no mundo é indesejada, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, a prevenção de uma gravidez compete, em grande parte, às mulheres, já que, de todos os métodos anticoncepcionais disponíveis, poucos têm como enfoque a população masculina. Mesmo com esforços para desenvolver métodos adicionais, as pesquisas têm sido limitadas por baixa eficácia, longo tempo de pré-tratamento ou efeitos colaterais indesejados. Como alternativa, pesquisadores dos Estados Unidos acabam de apresentar um medicamento que, com apenas uma dose, poderá deixar homens inférteis por um curto período de tempo, menos de 24 horas. Os primeiros resultados, em camundongos machos, são promissores e podem representar um avanço nos esforços para desenvolver uma pílula anticoncepcional masculina.
No estudo, publicado, ontem, na revista Nature Communications, Melanie Balbach, Jochen Buck e colegas desenvolveram inibidores de adenilil ciclase solúvel (sAC), uma enzima crucial para a mobilidade de espermatozoides e para o processo de maturação necessário para ocorrer a fertilização. "O sAC é como o 'interruptor' do esperma, sendo ativado assim que ele é ejaculado", explica Balbach, do Departamento de Farmacologia da Faculdade Weill Cornell Medicine, em Nova York, e principal autora do estudo. "Como o sAC é tão crucial para a função e a fertilidade do esperma, ele foi escolhido como alvo contraceptivo", completa.
Os pesquisadores demonstraram, em camundongos de laboratório, o potencial do inibidor enzimático como contraceptivo masculino, podendo reduzir a mobilidade espermática nos animais e, possivelmente, em humanos. "Nosso objetivo é desenvolver uma abordagem contraceptiva sob demanda em que a motilidade do esperma e, portanto, a fertilidade, são bloqueadas apenas por algumas horas", explica a autora.
A equipe realizou uma série de experimentos para demonstrar a ação contraceptiva do método. Meia hora depois da administração do inibidor por via oral ou por injeção, foi possível isolar esperma do local de armazenamento ou no trato genital feminino após a cópula. As células ficaram imóveis devido à ausência da enzima, e a eficácia contraceptiva foi caindo ao longo do tempo: de 100% nas primeiras duas horas e de 91% nas primeiras três horas, voltando aos níveis normais após um dia.
"Cerca de 2 horas e meia depois, o esperma recupera lentamente a motilidade, uma vez que os níveis de inibidor de sAC nos machos caem abaixo de um limite efetivo", explica a autora. "Vinte e quatro horas depois, a motilidade está totalmente recuperada", seguem. Nenhum impacto negativo na saúde foi detectado nas cobaias, que receberam a administração do medicamento durante seis semanas.
Anatomias distintas
Apesar dos resultados promissores, os autores enfatizam que há uma distinção importante entre a reprodução das cobaias e a dos humanos: a anatomia feminina. "Em camundongos, não há barreira física entre a vagina e o útero, e o sêmen depositado na vagina avança sem impedimentos", informam, no artigo. "Em humanos, o esperma ejaculado deve ser móvel para atravessar o colo do útero, escapar do ambiente normalmente inóspito da vagina e entrar no ambiente permissivo do útero." A expectativa é de que , com os inibidores de sAC, o esperma de um homem que tomou o contraceptivo permaneça preso na vagina, não persistindo por muito tempo após a ejaculação.
De acordo com os pesquisadores, a estratégia proposta — de uma infertilidade temporária após uma única dose do remédio — é distinta de todos os outros métodos existentes, bem como dos esforços anteriores para desenvolver um contraceptivo masculino. "As abordagens hormonais ou os tratamentos não hormonais que bloqueiam a produção de espermatozoides requerem tratamento crônico por até três meses e são muito mais propensos a efeitos colaterais", compara Balbach. "Nosso método também oferece uma flexibilidade muito maior, pois não requer um mês de preparação para se tornar infértil e a fertilidade é restaurada muito mais rapidamente".
Desafios
Segundo Tatianna Ribeiro, obstetra e especialista em reprodução humana da clínica Rehgio, em Brasília, a ideia de criar um anticoncepcional masculino existe há quase tanto tempo quanto a do feminino, mas, além das questões culturais, um dos principais desafios é o fato de que, enquanto a mulher libera um óvulo por mês, o homem produz milhões de espermatozoides por dia. "Mesmo quando o homem perde cerca de 90% da capacidade de produzi-los, segue sendo fértil. Com dificuldade e diminuição de chances de engravidar, mas, ainda assim, fértil", diz.
Para a obstetra, outro desafio é convencer a indústria farmacêutica de que vale a pena investir em um método com esse formato. "A pílula anticoncepcional feminina funciona tão bem e é tão eficiente que, do ponto de vista econômico, a incerteza de uma pílula masculina não compensa o risco do investimento", justifica. "Há, ainda, o receio de impotência sexual e infertilidade entre os homens. Alguns testes também foram realizados e descontinuados devido a efeitos colaterais e intensas queixas por parte dos homens."
Na avaliação de Balbach, a expectativa em torno de uma possível adesão de homens ao método é positiva. "Nossa abordagem foi parte de um estudo de pesquisa de demanda de contracepção masculina realizado em vários países com vários milhares de homens. Os homens que participaram desse estudo e suas parceiras estavam muito interessados em uma pílula anticoncepcional masculina sob demanda", relata.
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Para casais
Para Edson Borges Jr., ginecologista e membro da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), a facilidade de uso — limitado ao momento da relação sexual — é um atrativo para homens e para os casais. "Se for comprovada a ação da paralisação dos espermatozoides com uma única dose, um pouco antes da atividade sexual, não tenho dúvidas de que revolucionará o modo de relacionamento dos casais. Não só para aqueles com encontros esporádicos como para os casados que desejam evitar a concepção", afirma.
A possibilidade de envolver os dois parceiros no planejamento familiar também chama a atenção de Tatianna Ribeiro. "Esse estudo mostra uma forma rápida, eficaz, não duradoura e não invasiva de método contraceptivo masculino que possibilitaria compartilhar a responsabilidade da gravidez de forma igualitária entre parceiro e parceira", diz a obstetra.
De acordo com Melanie e seus colegas, mais pesquisas são necessárias para determinar se o inibidor funcionará efetivamente em humanos e para identificar possíveis efeitos colaterais. "Atualmente, estamos testando em um segundo modelo animal, em coelhos, cujo sistema reprodutor é bastante semelhante ao humano", conta. A pesquisadora prevê o início de testes clínicos em humanos dentro de dois a três anos.
*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
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