Há sete anos, arqueólogos liderados por Ramadan Hussein, da Universidade de Tübigen, escavavam um cemitério de elite na região de Saqqara quando se depararam com uma construção até então desconhecida da egiptologia. Perto da pirâmide de Unas, a equipe descobriu uma oficina de mumificação a 13m de profundidade. Embora as câmaras de embalsamamento não sejam uma novidade no Egito, essa foi a primeira — e, por enquanto, a única — localizada debaixo da terra. Ali, havia 121 recipientes de barro, contendo as substâncias usadas para preservar os corpos. Agora, a análise desse material revelou preciosidades sobre a técnica não conhecidas pelos estudiosos.
A primeira grande surpresa, na opinião do arqueólogo Maxime Rageout, da Universidade de Tübigen, é o fato de a maioria das substâncias não ser oriunda do Egito. Algumas vieram do Mediterrâneo, outras de muito mais longe. É o caso de resinas encontradas nas florestas tropicais asiáticas, indicando uma rede de comércio mais globalizada do que se esperava para a época: 2,6 mil anos atrás. "Para mim, é surpreendente pensar em materiais que vieram de tão longe. E são substâncias bastante distintas", disse, em uma coletiva de imprensa on-line, o coautor de um estudo sobre as descobertas, publicado na revista Nature.
Muitos dos potes de cerâmica encontrados na oficina tinham rótulos: alguns com os nomes das substâncias, outros contendo instruções, como "passar na cabeça". Os pesquisadores selecionaram 22 vasilhas para análise química e arqueológica. "Conhecemos os nomes de muitos desses ingredientes de embalsamamento desde que os antigos escritos egípcios foram decifrados", conta Susanne Beck, da Universidade de Tübingen, líder da escavação. "Mas, até agora, só conseguíamos adivinhar quais substâncias estavam por trás de cada nome."
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Na entrevista coletiva, os pesquisadores explicaram que, antes da descoberta da oficina subterrânea, havia duas formas de deduzir as substâncias usadas no embalsamamento egípcio. Uma pelos textos, outra na análise das próprias múmias. Nenhum dos métodos, porém, era preciso. Muitas vezes, as instruções nos hieróglifos se resumiam a nominar os químicos como "óleo" ou "resina", o que diz muito pouco sobre sua composição. Por outro lado, ao extrair as informações diretamente dos corpos embalsamados, corre-se o risco de as amostras estarem contaminadas por outras substâncias.
Por isso, a descoberta dos potes lançou uma nova luz sobre uma das práticas egípcias que mais têm fascinado pesquisadores e leigos ao longo da história. A avaliação química das moléculas dos produtos trouxe uma série de surpresas, disse Maxime Rageot. Desde que os hieróglifos foram decifrados, uma substância rotulada de antiu foi traduzida como mirra ou incenso. "Mas, agora, mostramos que, na verdade, trata-se de uma mistura de ingredientes muito diferentes que conseguimos separar com o auxílio de cromatografia gasosa e de espectrometria de massa." O material era bem mais complexo do que se pensava: uma mistura de óleo de cedro e de cipreste com gorduras animais.
Outra substância desconhecida até agora é o dammar, parecida com a goma, obtida de árvores da Índia e do sudeste asiático — a palavra, inclusive, é malaia. Os pesquisadores também descobriram o elemi, uma resina parecida com a extraída na vegetação de florestas tropicais do sul da Ásia e da África. Os pesquisadores não sabem dizer se, ao buscar essas substâncias, os embalsamadores sabiam exatamente para que serviam ou se, levados pela curiosidade por produtos exóticos, testavam até acertar.
Mas de uma coisa os arqueólogos não têm dúvida: o conhecimento dos embalsamadores sobre as matérias-primas era extremamente sofisticado. Eles não apenas misturavam substâncias, mas usavam processos químicos diferentes, como destilação ou aquecimento, dependendo da finalidade de cada uma. "Muito antes da descoberta dos micróbios, eles conheciam perfeitamente substâncias antifúngicas e antibacterianas, que preservam os corpos. Tinham um grande conhecimento de microbiologia, mesmo sem saber da existência de bactérias. Um conhecimento enorme, acumulado por séculos de experiência", explica Philipp Stockhammer, arqueólogo da Universidade Ludwig Maximilian, em Munique, que também participou do estudo.
"Estudos químicos de múmias sugerem que as receitas de embalsamamento se tornaram mais complexas com o tempo", disse o coautor do estudo Mahmoud Bahgat, bioquímico do Centro Nacional de Pesquisa do Egito no Cairo, na coletiva de imprensa. "Precisamos ser tão espertos quanto eles para descobrir as intenções."
As informações encontradas nos rótulos dos recipientes mostram que diferentes substâncias eram usadas em partes diversas do corpo. A resina de pistache e o óleo de rícino iam apenas na cabeça, por exemplo. Segundo os pesquisadores, muitas novidades devem surgir a partir da descoberta da oficina de mumificação. "Graças a todas as inscrições nos rótulos, no futuro conseguiremos decifrar o vocabulário da química egípcia antiga que não entendemos suficientemente até o momento", acredita Stockhammer.
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