Os fungos sempre foram motivo de interesse entre pesquisadores: no século 20, o gênero Penicillium notatum deu origem à penicilina, um dos antibióticos mais usados, até hoje, contra infecções no mundo. Estudos recentes indicam a aplicação desses organismos para funções diversas — como produção de combustíveis, degradação de compostos químicos e até fabricação de detergentes. Agora, um grupo de cientistas de universidades norte-americanas trabalha em um projeto para usá-los na transformação de resíduos plásticos de oceanos em componentes-chave para produtos farmacêuticos.
O estudo, publicado pela Angewandte Chemie, uma revista da Sociedade Alemã de Química, recorre a um fungo comum do solo, o Aspergillus nidulans, para a conversão de polietileno, um tipo de plástico muito utilizado no dia a dia — em sacolas e embalagens, por exemplo —, em produtos úteis à indústria. Aristóteles Góes-Neto, coordenador do Laboratório de Biologia Molecular e Computacional de Fungos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que esse microfungo é próximo ao Penicillium. "É uma espécie muito estudada cientificamente e, inclusive, um dos modelos do qual, estudando, conhecemos muito sobre genética", diz.
Partindo de uma abordagem química, os pesquisadores transformaram os polietilenos em partículas com tamanho suficiente para serem digeridas pelos fungos. No processo, oxigênio e catalisadores relativamente baratos quebraram as longas cadeias de átomos de carbono do plástico em moléculas menores, chamadas ácidos dicarboxílicos, explica Berl Oakley, coautor do artigo e professor de biologia molecular na Universidade do Kansas.
Segundo André Casimiro de Macedo, professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC), o processo utilizado é uma clivagem oxidativa do polímero. As cadeias de átomos de carbono resultantes do plástico decomposto servem como alimento para fungos que foram geneticamente modificados para o objetivo da equipe americana.
"Basicamente, o Aspergillus come esses compostos e usa os átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio para crescer e realizar outras atividades celulares. Nós o projetamos para que usasse esses átomos para produzir compostos farmacologicamente relevantes", explica Oakley. Os micro-organismos metabolizaram asperbenzaldeído, citreoviridina e motilina, utilizados em medicamentos diversos, como para distúrbios no trato digestivo.
Ao contrário das abordagens anteriores, relata o cientista, os fungos modificados digerem os polímeros com maior velocidade, podendo produzir grandes quantidades de compostos farmacologicamente ativos em até quatro dias. Os processos tradicionais duram meses. "Se nossa técnica fosse um carro, ele estaria a 200 milhas por hora, alcançando 60 milhas por galão e funcionaria com óleo de cozinha reaproveitado", enfatiza, em nota.
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A melhora no processo se deve, em grande parte, ao aprimoramento da expressão dos genes do Aspergillus nidulans feito no laboratório Universidade do Kansas. "Modificamos o genoma de várias maneiras para que ele produzisse os compostos farmacologicamente ativos com grande eficiência. Sem essas modificações, muito pouco é produzido", avalia Oakley.
Biopotencial
Góes-Neto lembra que fungos e derivados estão intensamente presentes no dia a dia: desde os cogumelos comestíveis, queijos, bebidas fermentadas a enzimas utilizadas em processos industriais diversos. "Ou seja, quando você acorda, come produtos em que se usa fungos, o pão, por exemplo. E são eles que te curam quando você está doente, que agem na decomposição, já que são os principais decompositores de ambientes terrestres no nosso planeta", ilustra.
Esses organismos também são grandes produtores de compostos chamados metabólitos secundários, que têm grande potencial biotecnológico, afirma o especialista da UFMG. "Por exemplo, os próprios antibióticos naturais, como a penicilina, são exemplos de metabólitos secundários produzidos por fungos." Há a expectativa de desenvolvimento de compostos com funções antiparasitárias, imunossupressoras, antitumorais e antivirais.
Por isso, os fungos têm sido o foco de muitos estudos visando o seu escalonamento industrial. "Sobretudo pela enorme variedade de espécies e pela infinidade de moléculas que podem ser produzidas. Algumas dessas podem ser mais complexas do que a maioria das substâncias obtidas de forma sintética", afirma André Casimiro. "O objetivo dos pesquisadores era explorar e avaliar fungos capazes de produzir moléculas de alto valor agregado, visando também a degradação do polietileno. Com isso, observaram o potencial de produção de diversos produtos biossintéticos, que incluem medicamentos como antibióticos, estatinas redutoras de colesterol, imunossupressores e antifúngicos."
Para o projeto, os pesquisadores usaram polietilenos presentes no Oceano Pacífico, recolhidos na Ilha de Santa Catalina, na Califórnia. Oakley pondera que o trabalho é uma "prova de princípio", mas que tem potencial para melhorar os processos de reaproveitamento, considerando que os polietilenos não são tão reciclados. "Muito é basicamente derretido, transformado em tecido e vai para várias outras coisas plásticas (...) Uma coisa que é necessária é, de alguma forma, livrar-se economicamente do plástico. E se alguém pode fazer algo útil a um preço razoável, isso o torna mais economicamente viável", afirma, em nota.
*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
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Biossensor monitora excesso de flúor na água
Incolor e inodoro, o flúor é encontrado, naturalmente, na água. No entanto, se ingerido em excesso, pode ser prejudicial à saúde. Segundo dados da OMS, no mundo, mais de 400 milhões de pessoas são afetadas por recursos hídricos contaminados por esse mineral. E nem sempre sabem do perigo. Um novo método de testagem desenvolvido por universidades americanas promete identificar quando essa exposição é tóxica.
Trata-se de um biossensor preciso, de baixo custo, fácil manuseio e capaz de indicar, com simplicidade, se os níveis de flúor estão além do recomendado. O novo dispositivo biossensor foi testado, com sucesso, na zona rural do Quênia, fornecendo evidências de que o teste pode ser facilmente usado fora de um laboratório e interpretado com precisão por não especialistas.
O estudo foi liderado pela antropóloga Sera Young, professora de antropologia no Weinberg College of Arts and Sciences, e pelo biólogo Julius Lucks, professor de engenharia química e biológica na McCormick School of Engineering. A equipe de pesquisa coletou 57 amostras de água de 36 residências para avaliar a precisão da medição da concentração de flúor considerando o método padrão-ouro e o experimental.
O novo teste consiste na preparação de uma solução que é congelada e desidratada. Ao entrar em contato com a amostra de água contaminada, ele produz um sinal visualmente detectável indicando o excesso de flúor. "Seis horas após os testes de biossensor serem reidratados pelos participantes do estudo, a equipe de campo classificou a saída como positiva para flúor se uma cor amarela fosse observada e negativa se não houvesse mudança de cor", explicam os criadores em um artigo que detalha a solução tecnológica, divulgado na revista NPJ Clean Water.
Os resultados mostraram que o biossensor tem 84% de chance de prever corretamente os níveis de flúor acima do limite estipulado pela OMS. De acordo com os cientistas, os testes também foram altamente utilizáveis, com apenas 1 dos 57 exames apresentando discrepância de interpretação entre o observado pelo usuário e pela equipe científica. "Essa é uma maneira totalmente nova de medir a qualidade da água", disse Young. "O estudo mostra que podemos colocar nas mãos das pessoas um teste baseado em uma biologia muito complexa, mas que funciona de maneira muito simples."
Segundo Luks, há a possibilidade de a metodologia ser usada na detecção de outros produtos químicos, como o chumbo. "A precisão, a simplicidade, a rapidez, o custo relativamente baixo e a facilidade de campo desses testes facilitariam a ampla implementação, democratizando, assim, o conhecimento sobre a segurança da água para todos", justifica.