Diagnosticada com fibrose cística com apenas seis meses de vida, a influenciadora digital Jade Monte-Mor, de 26 anos, conta que tenta fazer com que a doença não seja uma limitadora em sua vida. Há três anos, ela usa oxigênio 24 horas e faz questão de viajar, ir a festas e ter uma vida mais próxima possível do que considera "normal".
A influenciadora relata que descobriu a doença após um teste genético. Antes de receber o diagnóstico, ela perdeu a irmã mais velha, Jéssica, na época com apenas seis anos, para a fibrose cística.
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Jade, que é de Taquara (RJ), conta que, até os três anos, Jéssica era uma criança que não tinha problema de saúde. Mas começaram a surgir sintomas que os médicos não conseguiam explicar, como a falta de ar. Depois de diversos exames, a menina recebeu o diagnóstico de fibrose cística. Foi a morte da irmã que fez com que os médicos fizessem diversos exames e descobrissem que Jade também tinha a condição.
"Na época da minha irmã, a fibrose cística não era nada conhecida, foi infelizmente tratada como tuberculose, com remédios fortes que não eram os certos, perdeu-se muito tempo. Descobrimos a doença tarde demais", conta.
A influenciadora tinha apenas um ano quando perdeu a irmã e não fazia ideia do que estava acontecendo. Ela sabe o que a família e a irmã mais velha enfrentaram através dos relatos dos pais.
Depressão
Na infância, Jade teve uma vida como a de outras garotas da sua idade. A condição não a impedia de frequentar a escola, correr e brincar, por exemplo.
"Quando era mais nova, tinha um fôlego invejável, sempre fui apaixonada naqueles pula-pula, corria, brincava, fazia de tudo, sempre ciente do meu tratamento e da minha doença e sempre recebendo o apoio de toda família", conta a influenciadora.
Na adolescência, a influenciadora recorda que teve crises de ansiedade e depressão. Nessa época, ela passou a rejeitar a doença, parou por conta própria de tomar os medicamentos para a fibrose cística e interrompeu o tratamento. Ela precisou de acompanhamento psicológico para retomar o tratamento.
"Nessa fase a gente quer ser igual aos outros, se encaixar, e quando não é assim é difícil de entender e aceitar", diz.
Uso de oxigênio 24h por dia
Em 2019, ao ter chikungunya, a condição de Jade se agravou e ela teve que ficar 24 dias internada. Foi nessa época que a influenciadora passou a usar oxigênio 24 horas e viu sua rotina mudar drasticamente. Além disso, em junho do ano passado, ela teve covid-19 e, enquanto se recuperava, teve um episódio de hemoptise (eliminação de sangue pela tosse) e aneurisma pulmonar.
"Acordei e não conseguia colocar os pés no chão, foi uma dor que vinha por dentro do corpo, dos pés à cabeça, uma dor inexplicável! Sentia como se um raio me queimasse por dentro. Tornozelos, joelhos e pulsos, eram os que mais doíam. Fui para o hospital mais próximo e, além das dores, tinha febre de 39,7°C, que não passava", lembra.
Por conta do agravamento da doença, Jade perdeu capacidade pulmonar. Ela entrou para a fila de transplante de pulmão e aguarda um novo órgão. Desde então, ela trancou o curso na faculdade de pedagogia e deixou o estágio que fazia.
"Tomo cerca de 20 comprimidos, faço duas sessões de fisioterapia e seis inalações diariamente", acrescenta.
Apesar das dificuldades da rotina intensa de tratamento, Jade conta que viu nas redes sociais uma alternativa para não ficar parada. Todas as semanas ela grava e divulga vídeos mostrando o seu dia a dia e explicando sobre a doença.
"A ideia é justamente desmistificar que o oxigênio é algo limitante. Sim, temos nossos limites, mas também podemos nos adaptar e fazer coisas normais", recorda.
E ter que carregar um cilindro de oxigênio constantemente não impede a influenciadora de sair e se divertir. Algumas adaptações são necessárias, como ir a locais que tenham tomadas para carregar o cilindro de oxigênio. Quando não há essa possibilidade, ela explica que é necessário permanecer algumas horas a menos fora de casa para não ficar sem ar.
Além disso, ela também costuma usar cadeira de rodas quando sai, já que caminhar puxando o carrinho em que fica o equipamento causa fadiga devido ao comprometimento de seu pulmão.
"Já fui à praia, passeei em shopping, viajei e fui até mesmo em um festival de rock no ano passado. No festival, era tudo bem acessível, inclusive eles colocaram uma tomada para que meu oxigênio ficasse ligado e eu pudesse curtir até o fim. É possível fazer tudo, a gente só precisa de um pouco de acessibilidade e uma tomada por perto", brinca Jade.
Deixando o oxigênio de lado
Assim como Jade, a estudante Luana Reinert, 22 anos, moradora de Curitiba (PR), já precisou usar oxigênio constantemente durante três anos. No entanto, a necessidade ficou para trás há pouco mais de um ano, depois que a estudante começou a usar um medicamento modulador da proteína CFTR, que a ajuda a trabalhar de maneira mais efetiva. (Veja abaixo o que é a fibrose cística e o papel d
A jovem foi diagnosticada com a doença aos dois meses, por meio do teste do pezinho e teste do suor. Mas foi aos 17 anos que a doença se agravou e ela teve a primeira internação. Com apenas 30% da capacidade pulmonar e pesando 42 quilos, ela não conseguia mais fazer atividades como caminhar ou até mesmo dar risada.
"Se eu desse uma risada espontânea, eu tinha crises de tosse de uma hora, mais ou menos, então eu precisava me concentrar para não rir. Foi um período muito difícil, primeiro para aceitar que eu precisava usar o oxigênio e, em seguida, precisei usar a cadeira de rodas porque era muito fraca. Larguei a faculdade, porque os médicos disseram que eu não conseguiria ter uma vida normal naquele momento", recorda.
Foi após três anos usando o oxigênio continuamente que, no final de 2021, Luana passou a usar o medicamento de alto custo Trixacar. Inicialmente ela fazia vaquinhas e campanhas para arrecadar o dinheiro e comprar a medicação, que custa em torno de R$ 20 mil, até que ela conseguiu na Justiça o direito de recebê-lo gratuitamente.
"Hoje eu já consigo tomar banho em pé sozinha e caminhar pequenas distâncias sem precisar do oxigênio. Só faço uso dele para dormir e fazer atividade física na fisioterapia", acrescenta a estudante.
Apesar da evolução em seu quadro de saúde, Luana ainda aguarda por um transplante de pulmão.
Fibrose cística: o que é, quais os sintomas e o tratamento
A fibrose cística é uma doença genética rara, que provoca alteração na proteína que produz o muco e as enzimas digestivas. Ela também é conhecida como a "doença do beijo salgado", pois o suor fica com excesso de sal. Estima-se que a doença atinja cerca de 70 mil pessoas no mundo.
"A fibrose cística acontece quando a criança tem dois genes defeituosos, um vindo da mãe e outro do pai. Este gene chamado CFTR produz uma proteína anormal (também denominada CFTR) em diversos órgãos, fazendo com o que o organismo produza uma secreção muito mais espessa que o normal, dificultando o funcionamento adequado dos sistemas acometidos, principalmente o pulmão e o sistema digestório", explica Sonia Mayumi Chiba, médica pneumopediatra responsável pelo ambulatório de fibrose cística da UNIFESP.
O diagnóstico é normalmente feito na triagem neonatal, conhecido popularmente como teste do pezinho. O exame identifica os recém-nascidos com suspeita da doença e a confirmação é realizada por meio do teste do suor, que avalia a concentração de cloreto (um dos componentes do sal), e o exame genético, que mostra quais as mutações presentes nos genes.
Entre os sintomas da fibrose cística, estão:
- Falta de ar
- Tosse crônica
- Pneumonia de repetição
- Sinusite
- Diarreia
- Dificuldade de crescer e ganhar peso
- Diabete
- Infertilidade
A fibrose cística não afeta só os pulmões. Atinge diversos órgãos, como pâncreas, rins, fígado, estômago, intestino e até mesmo a face. Por isso, a pessoa com a doença faz o acompanhamento com diversos especialistas, como pneumologistas, gastroenterologistas, fisioterapeutas e nutricionistas.
"Os principais medicamentos para tratamento do quadro pulmonar são: inalação com fluidificante ou hidratantes da secreção brônquica, ou inalação com solução hipertônica, antibióticos e fisioterapia respiratória. A dieta é hipercalórica e a maioria dos pacientes faz reposição de enzimas pancreáticas para digestão e absorção de gorduras, proteínas e outros nutrientes. Uso de suplementos alimentares para aumentar o aporte calórico e vitaminas são fundamentais para manter o estado nutricional adequado", acrescenta Chiba.
Entre os medicamentos indicados para a doença, os moduladores da proteína CFTR são os mais eficazes porque ajudam essas proteínas defeituosas a funcionarem de maneira mais efetiva, segundo os especialistas. No entanto, eles são de alto custo e apenas um está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde).
"O modulador chamado Ivacaftor foi incorporado aos SUS em 2020. Mas ele é oferecido para as pessoas com fibrose cística elegíveis (precisam apresentar determinado tipo mutação genética) e são poucos pacientes que a possuem. Outro modulador do CFTR, o Trikafta está disponível em diversos países e é para pacientes com uma ou duas mutações, o que representa de 70% a 80% dos pacientes com fibrose cística. Ele ainda não está disponível no SUS e tem como fator limitante o seu alto custo", acrescenta Chiba.
Para ter acesso ao medicamento, a maioria dos pacientes entra com pedido judicial e obtém o direito de recebê-los gratuitamente.
Ainda não há cura para a fibrose cística, mas o uso de medicamento ajuda os órgãos atingidos a funcionarem novamente de forma correta. O tratamento e acompanhamento médico devem ser realizados por toda vida e em alguns casos pode ser necessário o transplante de pulmão.
"O transplante pulmonar é indicado para portadores da fibrose cística que têm doença pulmonar já avançada, com função pulmonar muito comprometida, apesar de tratamento otimizado", diz Sâmia Rached, pneumologista, coordenadora da Comissão Científica de Fibrose Cística da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
-Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64341463