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meio ambiente

Quase 40% da Amazônia foram degradados por atividades humanas, diz estudo

Estudo internacional com a participação de 11 cientistas brasileiros mostra que atividades humanas na Amazônia destruíram uma área maior do que se pensava, com impactos que reverberam em todo o planeta. Autores propõem a criação de sistema de monitoramento

Ritmo acelerado

Segundo os resultados publicados na Science, as ações humanas impactaram o bioma milhares de vezes mais rápido que processos climáticos e geológicos naturais teriam feito. As consequências ainda não são de total conhecimento dos pesquisadores, mas, de acordo com eles, "está claro que o efeito cumulativo pode ser tão importante quanto o desmatamento para emissões de carbono e a perda de biodiversidade", como disse, em nota, Jos Barlow, professor de ciência da conservação na Universidade de Lancaster, no Reino Unido e coautor do projeto.

O conceito de degradação florestal é definido pelos cientistas como mudanças transitórias ou de longo prazo causadas pelo homem. "A degradação é diferente do desmatamento, onde a floresta é completamente removida e um novo uso da terra, como a agricultura, é estabelecido em seu lugar. Embora florestas altamente degradadas possam perder quase todas as árvores, o uso da terra em si não muda", destacam os autores, em nota.

A pesquisa indica quatro principais ações que impulsionam a degradação: incêndios florestais, efeitos de borda (mudanças que ocorrem em florestas adjacentes a áreas desmatadas), extração ilegal de madeira e seca extrema. Esses distúrbios podem afetar diferentes áreas florestais. Projeções feitas durante o projeto sugerem que, em 2050, os fatores continuarão sendo as mais importantes fontes de emissão de carbono na atmosfera, independentemente do crescimento ou da supressão do desmatamento. Para chegar a esse cenário, foi necessário fazer uma revisão analítica de dados científicos baseados em imagens de satélite.

Estresse hídrico

Os pesquisadores também sintetizaram dados que descrevem as mudanças na região entre 2001 e 2018.

"Mesmo em um cenário otimista, quando não houver mais desmatamento, os efeitos das mudanças climáticas farão com que a degradação da floresta continue, levando a mais emissões de carbono", disse, em nota, David Lapola, líder do estudo e pesquisador do Centro de Pesquisa Meteorológica e Climática Aplicada à Agricultura da Unicamp (Cepagri/Unicamp). "Prevenir o avanço do desmatamento continua sendo vital e também pode permitir que mais atenção seja direcionada a outros fatores de degradação florestal", destacou.

O cientista do clima e professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Alexandre Costa destaca que as condições apresentadas pelos estudiosos podem levar a estresse hídrico, mudanças na eficiência da fotossíntese e na distribuição de eventos extremos. "Em 2005, 2010 e 2016, tivemos secas de uma dimensão que, tradicionalmente, só ocorriam em um em cada 50 anos. Essas secas produzem um impacto sensível, porque a vegetação da Amazônia não é adaptada para essas condições. A mortalidade de árvores cresce muito nessas secas também", pontua.

"A degradação beneficia poucos, mas coloca fardos importantes sobre muitos. Poucas pessoas lucram com os processos de degradação, mas muitas perdem em todas as dimensões do bem-estar humano — incluindo saúde, nutrição e os apegos locais às paisagens florestais onde vivem", afirmou, em comunicado, Rachel Carmenta, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, e coautora do estudo. "Além disso, muitos desses fardos estão ocultos no presente; reconhecê-los ajudará a permitir uma melhor governança com justiça social."

Soluções 

O estudo demonstra o grau de vulnerabilidade do sistema e mostra que o risco do ponto de não retorno é bem mais grave do que se imagina, acredita o cientista climático Alexandre Costa. Por isso, há urgência na solução desses problemas, diz. Os autores do estudo propõem a criação de um sistema de monitoramento da degradação florestal, prevenção e combate ao desmatamento ilegal e controle do uso do fogo.

Os pesquisadores também sugerem a implementação de "florestas inteligentes" que, assim como a ideia de "cidades inteligentes", usaria diferentes tipos de tecnologias e sensores para coletar dados úteis a fim de melhorar a qualidade do meio ambiente. "Ações e políticas públicas e privadas para conter o desmatamento não irão necessariamente abordar a degradação também. É preciso investir em estratégias inovadoras", ressalta David Lapola.

A ecologista humana e diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coautora do estudo, Patricia Pinho, afirma que uma governança adequada é fundamental para combater os efeitos das ações humanas. "O Brasil, assim como outros países detentores de florestas tropicais, tem sido um grande emissor de gases de efeito estufa por conta do próprio desmatamento, incidência de incêndios e períodos de seca extrema. O que o nosso estudo mostra é que diversas ações precisam de uma governança adequada, um sistema de monitoramento para desmatamento e para o próprio processo de degradação ambiental."

Recomposição crucial

"Se nós não tivermos políticas que envolvem fatores locais, como reversão dos processos de degradação, fragmentação, defaunação e, também, políticas globais que limitem o aquecimento planetário a valores não muito maiores dos que a gente tem agora, mesmo se zerarmos o desmatamento, talvez percamos o bioma da Amazônia. Não é que o desmatamento zero não seja necessário, é, na verdade, fundamental. Mas é crucial um trabalho que trata da recomposição do sistema com respeito às comunidades e povos que habitam o local de forma sustentável."

Alexandre Costa, cientista do clima, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Reflexos no Tibete

Os extremos climáticos na floresta amazônica estão afetando diretamente as mudanças observadas no Tibete, a 20 mil quilômetros de distância, destaca um estudo publicado na revista Nature Climate Change. "Ficamos surpresos", disse Jurgen Kurths, coautor do trabalho, que envolveu cientistas de China, Europa e Israel. Os pesquisadores usaram dados de todo o mundo sobre a temperatura próxima da superfície ao longo dos últimos 40 anos. Com essas informações, montaram um mapa de conexões climáticas da América do Sul ao sul da África, e dali para o Oriente Médio e, finalmente, o Tibete. No estudo foram utilizadas simulações de computador para mapear como o aquecimento global poderia determinar essas correlações de longa distância até o ano de 2100.