Se você tem dificuldade em enxergar estrelas durante à noite, saiba que não é uma coincidência: de acordo com um estudo analítico promovido por pesquisadores do Centro Alemão de Pesquisa em Geociências, o céu visto durante a noite tem se tornado 9,6% mais brilhante a cada ano — o que faz com que os pontos de luz que habitam a Via Láctea, antes vistos com facilidade à olho nu, se tornem cada vez menos visíveis.
De acordo com os especialistas que conduziram o estudo, a claridade é resultado do aumento de luzes artificiais que permanecem ligadas durante a noite — como as que vêm de iluminação pública, painéis enormes de LED para anúncios publicitários e decoração. O estudo foi publicado na revista Science, na quinta-feira (19/1).
“Em grande parte da superfície terrestre, o céu noturno não faz mais a transição completa para a luz das estrelas e da Lua após o pôr do sol. Em vez disso, o céu continua a brilhar como um crepúsculo artificial causado pela dispersão de luz na atmosfera, derivada da implantação de novas tecnologias de iluminação e novas cidades”, explica o doutor em física da Universidade da Pensilvânia e autor do estudo Christopher Kyba.
O brilho no céu se dá quando a luz do solo é “refletida por nuvens e partículas de água no ar e causa um clareamento do céu em grandes áreas”. O fenômeno é estudado há, pelo menos, 12 anos por Kyba.
Foi por isso que o cientista lançou, em 2011, uma iniciativa científica chamada Globe at night (Globo de noite), na qual propõe que pessoas de todo o mundo detalhem o céu noturno de diversos pontos do mundo para averiguar o impacto da poluição de luz no horizonte.
Com os dados registrados na plataforma, Kyba e os outros pesquisadores do estudo analisaram o céu noturno nos últimos nove anos. Foi pela base de dados alimentada pelo que o doutor em física chamada de cientistas cidadãos que foi possível constatar o aumento da poluição de luz em várias regiões do mundo.
No estudo, os cientistas analisaram os dados inseridos na plataforma entre 2014 e 2022. O ano de 2014 foi escolhido como marco para o intervalo analisado por ter sido lançado um conjunto de dados obtidos por satélites terrestres que averiguou o brilho do céu naquele ano — até então, não havia dados.
Foram 51.351 observações da visibilidade estelar a olho nu. A constatação é de que o brilho no céu aumentou de 7% a 10% em cada ano nos lugares em que os observadores estavam — a média dos nove anos é 9,6%.
“Nesse ritmo, se isso continuasse e alguém nascesse em um lugar onde, ao nascer, você pudesse ver 250 estrelas, quando fizesse 18 anos, você só conseguiria ver 100 estrelas. É uma mudança muito grande!”, alerta o pesquisador.
O aumento é maior do que o registrado por satélites — os equipamentos detectaram o crescimento do brilho em 2% ao ano. De acordo com Kyba, a leitura dos observadores mecânicos é prejudicada porque “existem várias diferenças entre observar a radiância da superfície com satélites e a radiância do céu vista por humanos no solo”. A maioria dos satélites “tem pouca ou nenhuma sensibilidade à luz emitida em direção ao horizonte” — essa luz é a que mais contribui para o brilho no céu.
O problema da noite se tornar dia: organismos de seres vivos são afetados
Kyba alerta a comunidade científica e os governadores globais de que a situação pode ser mais do que um empecilho para observar uma noite estrelada: ela pode afetar o ritmo de organismos vivos.
No estudo, os pesquisadores apontam a pesquisa feita pela cientista Franziska Kupprat para testificar os prejuízos da poluição de luz em seres vivos. O experimento feito em laboratório reproduz os níveis de intensidade de luz indireta de um céu brilhante por luz artificial em um aquário com peixes de água doce e salgada.
O resultado foi uma diminuição na melatonina dos peixes, hormônio que permite que os animais produzam funções de sobrevivência, como maior energia, reprodução, entre outros — além de regular o ritmo circadiano, ritmo que se regula entre o dia e a noite.
“Em nosso experimento, que imitou as intensidades do brilho do céu em superfícies aquáticas urbanas e suburbanas, mesmo a intensidade mais baixa de 0,01 lx foi suficiente para reduzir a concentração de melatonina à noite”, detalha Franziska Kupprat no estudo O brilho do céu pode reduzir as concentrações noturnas de melatonina na perca da Eurásia?.
Se os peixes são expostos à luz o tempo todo, então a produção de melatonina é diminuída e o ciclo de vida e de reprodução do peixe é alterado — o que em grande escala pode afetar até mesmo as pescas sustentáveis para alimentação.
Para Kyba, o aumento do brilho do céu mostra que a “visibilidade das estrelas está se deteriorando rapidamente” e que “as políticas para transformação da iluminação das cidades não estão impedindo o aumento do brilho do céu, pelo menos nas escalas continental e global”.
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