O tratamento de infecções pulmonares é realizado por meio de medicamentos que atuam diretamente contra o agente causador — fungos, vírus ou bactérias. Conforme a condição do paciente, médicos recorrem a antifúngicos, antivirais ou antibióticos. Pesquisadores da Espanha criaram o primeiro "remédio vivo" para tratar esse tipo de complicação.
O medicamento tem como alvo a Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria que é causa comum de infecções hospitalares e resistente a diversos tipos de antibiótico. Para combatê-la, a equipe apostou em outro micro-organismo, a bactéria Mycoplasma pneumoniae, responsável por infecções pulmonares. O patógeno foi modificado para não causar doenças no órgão vital e combinado com doses de antibióticos que, por conta própria, não funcionariam contra a P. aeruginosa.
Em testes com camundongos, o tratamento de dose única dobrou a taxa de sobrevivência das cobaias, em comparação às que não receberam o "remédio vivo". A administração não mostrou sinais de toxicidade nos pulmões. Além disso, o sistema imune dos animais eliminou a bactéria modificada em um período de quatro dias. Os resultados do experimento foram publicados na revista Nature Biotechnology.
Na visão dos pesquisadores, o estudo abre as portas para a criação de cepas de M. pneumoniae para combater outros tipos de doenças respiratórias, como câncer de pulmão ou asma. "Ela pode ser alterada com uma variedade de cargas diferentes — sejam citocinas, nanocorpos ou defensinas. O objetivo é diversificar o arsenal da bactéria modificada e liberar todo o seu potencial no tratamento de uma variedade de doenças complexas", diz, em nota, Luis Serrano, um dos autores do estudo e professor da Instituição Catalã de Pesquisa e Estudos Avançados.
Escudo biológico
As infecções por P. aeruginosa são difíceis de serem tratadas porque a bactéria vive em comunidades que formam biofilmes que aderem a várias superfícies do corpo e formam estruturas que escapam ao alcance dos antibióticos. A M. pneumoniae foi modificada justamente para dissolver esses biofilmes, liberando a ação de medicamentos.
"Desenvolvemos um aríete que ataca bactérias resistentes a antibióticos. O tratamento abre buracos nas paredes celulares, fornecendo pontos de entrada cruciais para os antibióticos invadirem e eliminarem infecções", comemora, em nota, María Lluch, coautora do estudo e pesquisadora da Universidade Internacional da Catalunha.
A escolha pela M. pneumoniae se deu devido à fácil adaptação dessa bactéria ao tecido pulmonar. "Depois de administrar a versão modificada, ela viaja direto para a fonte de uma infecção respiratória, onde se instala como uma fábrica temporária e produz uma variedade de moléculas terapêuticas", detalham os autores.
Na visão do presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, David Urbaez, as medicações disponíveis estão, cada dia mais, apresentando "insucessos terapêuticos", uma vez que as bactérias têm capacidade de desenvolver mecanismos de resistência das mais variadas naturezas. "Uma vez que se domina essa técnica de modificação genética de outras bactérias, elas se tornam coadjuvantes no tratamento, como no caso desse ensaio", pontua o infectologista.
O próximo passo dos pesquisadores é realizar mais testes antes de chegar aos ensaios clínicos, com humanos. A previsão é de que o tratamento seja administrado por meio de um nebulizador, dispositivo que transforma o remédio líquido em uma névoa, inalada por um bocal ou uma máscara.