Tucunaré, pirarucu, tambaqui e tilápia são alguns dos peixes de água doce mais consumidos no Brasil, especialmente por comunidades ribeirinhas da região norte. Porém, espécies de rios ou lagos podem ser prejudiciais à saúde. Uma pesquisa divulgada na revista Environmental Research mostrou que o consumo anual de uma única porção corresponde à ingestão de água potável contaminada com PFAS durante um mês. Esses químicos, chamados substâncias per e polifluoralquílicas (PFAS), são utilizados em diversos produtos, para deixá-los impermeáveis, antiaderentes e resistentes a manchas e, em níveis elevados, são nocivas. "A extensão em que o PFAS contaminou os peixes é impressionante", disse, em nota, Nadia Barbo, estudante de pós-graduação da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e pesquisadora principal do projeto.
Durante a análise, foi descoberto que a quantidade média das substâncias químicas era 280 vezes maiores em peixes de água doce frescos, comparado a algumas espécies vendidas comercialmente. Os dados do teste realizado pela Agência de Proteção Ambiental e da Administração de Alimentos e Medicamentos apontaram que uma única refeição contendo o alimento pode levar a uma exposição aos PFAS semelhante ao que ocorreria com o consumo diário de outras espécies de frutos-do-mar durante um ano.
Os cientistas analisaram dados de mais de 500 amostras de filés de peixe coletados nos Estados Unidos pela Agência de Proteção Ambiental (EPA), de 2013 a 2015. O nível médio de concentração dos químicos foi de 9,5 mil nanogramas por quilo. Nos Grandes Lagos da América do Norte, chegou a 11,8 mil nanogramas por quilo. "As descobertas são um problema particular para comunidades preocupadas com a justiça ambiental, cuja sobrevivência, muitas vezes, depende da ingestão de peixes de água doce que elas capturam", destacaram, em nota, os pesquisadores do Grupo de Trabalho Ambiental da EPA.
Regulamentação
A médica nutróloga Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) e membro da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento, ressalta que os PFAS são toxinas permanentes que, ao se acumularem na água, no solo, no ar e até nos organismos vivos, podem afetar as funções reprodutivas e o desenvolvimento desde a gestação. "Elas conseguem atravessar a barreira placentária, o sistema imune e causar danos em tecidos do fígado, pâncreas, rins, pulmões, cérebro e até o leite materno", diz.
De acordo com os autores do artigo, os resultados do estudo reforçam a necessidade de regulamentação estrita para esse tipo de químico considerado tóxico. "As pessoas que consomem peixes de água doce, especialmente aquelas que pescam e comem peixe regularmente, correm o risco de apresentar níveis alarmantes de PFAS em seus corpos. Crescendo, eu ia pescar toda semana e comia aqueles peixes. Mas, agora, quando vejo peixes, só penso na contaminação por PFAS", contou, em um comunicado, David Andrews, Ph.D, cientista sênior do EWG e um dos principais autores do estudo.
Apesar de destacar a importância do estudo para questões de saúde pública, Tasha Stoiber, cientista sênior do Grupo de Trabalho Ambiental e coautora do artigo, afirma que o teste recebeu pouca atenção. "O que é bastante surpreendente, dados os altos níveis de PFAS encontrados nos peixes de água doce. E, até onde sabemos, existem muito poucas publicações analisando esses dados da EPA", ressalta.