Falta de ar, dificuldade de concentração, perda do paladar e fadiga são algumas das dezenas de condições associadas à covid longa, síndrome caracterizada pela persistência ou pelo aparecimento de novos sintomas depois da infecção pelo Sars-CoV-2. Agora, um estudo com mais de 2 milhões de registros médicos indica que, em um ano, os pacientes que tiveram a forma leve da doença voltam ao normal. Publicado na revista British Medical Journal, o artigo de uma equipe israelense também indica que pessoas vacinadas apresentam menos complicações respiratórias após curadas, comparadas àquelas sem a imunidade induzida.
Em pouco mais de três anos de circulação do coronavírus, 600 milhões de pessoas foram infectadas em todo o globo. Boa parte delas — os estudos estimam de 38% a 80% — sofrem de condições crônicas passada a fase infecciosa da covid. "As sequelas e sua associação com idade, sexo, variantes e situação vacinal ainda não estavam claras", destaca Maytal Bivas-Benita, principal autora do estudo e pesquisadora sênior do Instituto de Pesquisa KI em Kfar Malal, em Israel. "Nosso estudo mostra que pessoas com covid leve tiveram um risco aumentado de sintomas (depois da infecção), a maioria dos quais se resolveu em um ano após o diagnóstico."
O estudo mostra que crianças foram menos afetadas pela covid longa, o risco foi igual independentemente do sexo, e que todas as variantes estudadas causaram as sequelas temporárias. Entre vacinados, os casos de dispneia (falta de ar) foram menores, em comparação aos pacientes que não foram imunizados.
Segundo Bivas-Benita, a maioria das pesquisas sobre covid longa não é padronizada, com diferenças na qualidade dos dados e falta de métodos comparativos apropriados, além de ausência de um grupo controle, para comparação. "Para fornecer tratamento contínuo eficiente e prevenir eventos adversos associados a possíveis efeitos a longo prazo, é preciso determinar a magnitude e a gravidade desse fenômeno", sustenta.
Para resolver as defasagens das pesquisas anteriores, os cientistas israelenses compararam o estado de saúde de pessoas não infectadas ao daquelas que se recuperaram da covid-19 leve passado um ano da infecção. Eles usaram registros eletrônicos de um banco de saúde pública de Israel, com dados de mais de 2 milhões de indivíduos testados para o Sars-CoV-2 entre 1º de março de 2020 e 1º de outubro de 2021. Mais de 70 condições de longa duração foram analisadas em um grupo de infectados e não infectados combinado.
Os pesquisadores também compararam as condições de saúde em pessoas não vacinadas, com e sem infecção por covid-19, controlando idade, sexo e variantes do coronavírus, nos períodos iniciais (30 a 180 dias) e tardios (180 a 360 dias) do diagnóstico. Para garantir que apenas a doença leve fosse avaliada, os cientistas excluíram pacientes internados em hospitais com as formas mais graves da doença. Outros fatores potencialmente influentes, como ingestão de álcool, tabagismo, nível socioeconômico e uma série de enfermidades crônicas preexistentes também foram considerados.
Risco ampliado
Uma primeira análise constatou que a covid-19 foi associada, de forma significativa, ao aumento do risco de várias condições, incluindo perda de olfato (anosmia) e paladar (disgeusia), falta de concentração e comprometimento da memória, dificuldades respiratórias, fraqueza, palpitações, amigdalite estreptocócica e tontura nos períodos iniciais e tardios. Em comparação com pessoas não infectadas, por exemplo, a forma leve da doença elevou em 4,5 vezes o risco de disgeusia e anosmia até os 180 primeiros dias, e em quase três vezes passados de seis meses a um ano. Fraqueza e dificuldades respiratórias foram as principais condições presentes no período de estudo, de 12 meses.
Quando as sequelas foram avaliadas por idade, as dificuldades respiratórias também foram as mais comuns, aparecendo em cinco das seis faixas etárias, mas permanecendo ao longo do primeiro ano pós infecção apenas nos grupos de 19 a 40 anos, 41 a 60 e acima de 60. Já a fraqueza foi registrada em quatro estratos e se manteve nas pessoas entre 19 e 40 anos e de 41 a 60. Quanto ao sexo, homens e mulheres apresentaram pouca diferença. Os resultados foram semelhantes independentemente das variantes estudadas (selvagem, alfa e delta).
Embora apontem algumas limitações, como registros médicos incompletos, os autores destacam que o artigo publicado ontem é um dos maiores em termos de tamanho e diversidade da população e tempo de acompanhamento dos pacientes de covid leve. "As descobertas devem se aplicar a populações ocidentais semelhantes, em todo o mundo", destaca Bivas-Benita.