Com o passar dos anos, é natural a redistribuição de gordura corporal e a perda de massa muscular. Contudo, em algumas pessoas, essas alterações são mais acentuadas: caminhada lenta, exaustão, fraqueza e baixos níveis de atividade física são características da síndrome da fragilidade, condição que aumenta a propensão a quedas, reduz a qualidade de vida e pode levar à morte. Agora, um estudo publicado na revista British Medical Journal Open indica uma forte associação entre o excesso de peso na meia-idade e o risco aumentado do problema entre idosos.
Segundo os autores, da Universidade de Oslo, a fragilidade e a pré-fragilidade afetam 12% e 45%, respectivamente, das pessoas acima de 50 anos, globalmente. Embora idosos com índice de massa corporal (IMC) baixo estejam em maior risco, novas pesquisas encontram uma relação entre a obesidade e a propensão ao problema. "A obesidade agrava o declínio da força muscular associada à idade, a capacidade aeróbica e a funcionalidade física, piorando, portanto, a saúde e o bem-estar", destaca a autora correspondente, Shreeshti Uchai, do Departamento de Nutrição da instituição norueguesa. "O excesso de peso também está intimamente associado a distúrbios metabólicos", lembra.
Os estudos existentes, porém, se concentram na obesidade instalada já na velhice. Os pesquisadores de Oslo queriam verificar se o acúmulo de peso a longo prazo, começando na meia-idade, poderia facilitar a ocorrência de pré-fragilidade e fragilidade mais tarde. Para isso, utilizaram dados de participantes de um levantamento nacional, o Estudo de Tromso, que contém informações sobre obesidade geral (IMC) e abdominal (circunferência da cintura). A ideia era investigar se as condições, separadamente e em conjunto, afetariam o risco futuro de debilidade física.
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IMC
O Estudo Tromso foi realizado em sete fases, desde 1974 a 2016, e inclui informações de 45 mil residentes da Noruega, com idades entre 25 e 99 anos. A pesquisa atual baseou-se nos dados coletados a partir de 1994, com 4.509 pessoas acima de 45 anos. A média etária no início do estudo foi de 51 anos, com acompanhamento ao longo de duas décadas. Um IMC inferior a 18,5 foi categorizado como abaixo do peso; já o normal entre 18,5-24,9.
Os sobrepeso e a obesidade caracterizaram-se, respectivamente, pelo índice entre 25-29 e acima de 30. Quanto à circunferência da cintura, as classificações foram: normal (94cm ou menos para homens e 80cm ou menos para mulheres); moderadamente alto (95-10 cm e 81-88cm); e alto (acima de 102cm e acima de 88cm).
Nos últimos anos avaliados pelo estudo — 2015 e 2016 —, 28% dos participantes eram pré-frágeis, 1% frágeis e 70,5% considerados fortes. Embora, ao longo de duas décadas, todos tenham ganhado peso e centímetros na cintura, as proporções de IMC e gordura abdominal normais no início do monitoramento foram mais significativas entre aqueles que, na velhice, mantiveram a força física.
Os que eram obesos em 1994 tinham quase 2,5 vezes mais chances de serem pré-frágeis/frágeis no fim do período de estudo, comparado aos com índice de massa corporal normal. Da mesma forma, aqueles com circunferência da cintura moderadamente alta ou alta no início tinham, respectivamente, 57% e duas vezes mais chances de serem pré-frágeis/frágeis do que aqueles com a medida adequada.
Aqueles que começaram com um IMC normal, mas circunferência da cintura moderadamente alta, ou que estavam acima do peso, mas sem obesidade abdominal, não tiveram risco significativo de pré-fragilidade/fragilidade no fim do monitoramento. Porém, isso aconteceu entre os obesos e com cintura moderadamente alta no começo do acompanhamento. As probabilidades maiores de desenvolver fraqueza quando idosos foram observadas naqueles que ganharam peso e aumentaram a medida do abdômen ao longo dos 21 anos estudados.
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Inflamação
Segundo os pesquisadores, é preciso considerar que o estudo é observacional, ou seja, não investiga a relação de causa e efeito. Além disso, poucas pessoas abaixo do peso faziam parte da amostra. Mesmo assim, eles apontam alguns dos mecanismos que podem explicar os resultados. "Isso inclui aumento da capacidade inflamatória das células adiposas e sua infiltração nas musculares, o que provavelmente potencializa o declínio natural da massa e força dos músculos relacionado à idade, aumentando, assim, o risco de fragilidade", explica Shreeshti Uchai.
No artigo, os autores ressaltam que, no contexto em que a população envelhece rapidamente e a epidemia de obesidade aumenta, o estudo "destaca a importância de avaliar e manter rotineiramente o IMC ideal e a circunferência da cintura durante a vida adulta para reduzir o risco de fragilidade na velhice".
De acordo com o geriatra Otávio Castello, membro da diretoria da regional DF da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, a síndrome da fragilidade do idoso é um tema central desta área médica. "Tudo o que se estuda sobre ela é importante por a fragilidade ser uma das maneiras pelas quais a gente avalia um idoso em relação a riscos", diz. "Um idoso com a síndrome que entra no hospital tem uma chance muito maior de complicação, de a internação dele ser mais longa e, até mesmo, de morrer. Então, além de ser um problema em si, a síndrome da fragilidade é uma lente pela qual o idoso deve ser avaliado", diz.
O especialista destaca que o estudo norueguês acompanhou, durante muitos anos, um número expressivo de pessoas, apontando o excesso de peso e medidas na meia-idade como um dos fatores de risco para a síndrome da fragilidade na velhice. "É um estudo robusto e mostra que a obesidade é fator de risco para um envelhecer com decrepitude, com mais desabilidade, maior dependência de cuidados. Isso deve estimular as pessoas a controlar a obesidade em todas as fases da vida", acredita.
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Educar para o envelhecimento
A gente espera uma epidemia de fragilidade dos idosos com o envelhecimento da população. Existe a fragilização, pelo envelhecimento, pela perda muscular, ainda que você seja ativo, pela senescência. Soma-se a isso, se o idoso é obeso, ele tem maior restrição para fazer atividade física, tem doenças que comprometem a prática de exercícios, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, cerebrais… A obesidade aumenta o risco não só de acidente vascular cerebral, mas de demência, infarto. Aumenta também as artroses que impedem ou dificultam a atividade e até mesmo o emagrecimento desse indivíduo. Então, com o aumento da obesidade, a gente espera que esses pacientes estejam mais frágeis. É importante a gente pensar nisso, inclusive, para a educação das pessoas. Quando educamos a população para envelhecer saudável, com peso adequado, sabemos a tradução disso para o envelhecimento bem-sucedido e uma longevidade sustentável. Acredito que as políticas públicas ainda estejam muito deficientes para o envelhecimento saudável. As faculdades só falam de doença; vertentes da linha médica ou multidisciplinar também falam muito pouco de promoção da saúde. É fundamental que a gente fale disso não só durante o processo de envelhecimento, que a gente sabe que começa aos 28 anos, mas já ao nascer. Eu diria que é uma prática que deve existir, inclusive, quando a gente pensa em engravidar. Porque temos a noção que crianças saudáveis serão jovens saudáveis e idosos saudáveis.
Maisa Kairalla, médica geriatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
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» Atividade física melhora cognição
Reduzir em oito minutos o tempo de atividade física diária é o suficiente para diminuir os benefícios de exercícios moderados ou vigorosos para o cérebro. Um estudo publicado no Journal of Epidemiology & Community Health acompanhou 4.481 pessoas acima de 46 anos e monitorou os níveis de movimentação intencional durante a semana. Os pesquisadores avaliaram a memória e a função executiva dos participantes após a prática e durante períodos de sedentarismo. O desempenho nos testes foi proporcional ao tempo dedicado às atividades físicas, com ganhos percentuais expressivos. Por outro lado, ao tirar apenas alguns minutos de exercícios, os cientistas notaram uma queda cognitiva de até 2%.
Três perguntas para...
Andrea Pereira, médica nutróloga do Hospital Israelita Albert Einstein e cofundadora da ONG Obesidade Brasil e do projeto Longidade
Considerando o processo de envelhecimento acelerado e o aumento da obesidade, podemos esperar uma epidemia da síndrome da fragilidade de idosos?
Temos duas populações que aumentam no mundo todo, a acima dos 60 anos e a das pessoas com obesidade. E a síndrome de fragilidade já é uma grande preocupação, portanto, considerando esses dois aspectos, teremos muitos mais casos de síndrome de fragilidade.
Um dos fatores de risco para a fragilidade do idoso é a falta de atividade física. A obesidade pode ter um papel no sedentarismo?
As pessoas com obesidade têm mais dificuldade de praticar atividade física, além de ser difícil encontrar locais, roupas e condições adequados para a sua prática. Isso faz com que exista uma tendência ao sedentarismo nesse grupo de pessoas. Porém, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país mais sedentário da América Latina, portanto precisamos pensar seriamente nas consequências futuras disso.
A senhora acredita que as políticas públicas de saúde e as recomendações das sociedades médicas estão preparando bem as pessoas para um envelhecimento saudável?
Infelizmente, faltam políticas públicas de prevenção para a obesidade e que garantam um envelhecimento saudável. As recomendações baseadas em dados científicos são os pilares das sociedades médicas, porém não são praticadas efetivamente pelo serviço público brasileiro. Temos um grande trabalho pela frente.