Em um planeta com cerca de 8 bilhões de pessoas, busca-se cada vez mais formas de produzir alimentos em larga escala que demandem menos custo e não prejudiquem a natureza. A agricultura sustentável é um modo de cultivo que, aliada aos avanços tecnológicos, tem potencial para responder a essa urgência. Pesquisas em andamento no Canadá e nos Estados Unidos indicam caminhos nesse sentido: os projetos prometem diminuir os impactos ambientais das práticas agrícolas sem comprometer a lucratividade.
A equipe da York University aposta em sensores de luz. Na fotossíntese, as plantas captam luz solar e a convertem em energia química. Nesse processo, os vegetais emitem uma luz vermelha imperceptível a olho nu. Esse fenômeno, chamado fluorescência atrasada, pode indicar se a planta está saudável ou não — informações que servem de indicadores sobre o crescimento e o rendimento de plantações agrícolas.
O dispositivo portátil criado pelos cientistas canadenses detecta justamente essa luminescência oculta. "Podemos dizer o quão saudável é a planta pela robustez da luz vermelha que ela emite. Quanto mais fraca é a luz, menos saudável é a planta", enfatiza, em nota, Ozzy Mermut, uma das autoras do artigo que detalha a solução tecnológica, publicado na revista Biosensors.
O sensor é simples, barato, pode ser carregado à mão — trata-se de uma pequena câmara em forma de maleta — e tem potencial para informar o comportamento das plantas sob diversas condições ambientais, como seca, calor, estresse por frio ou inundação. "Ele faz isso de uma maneira nova e poderosa, o que nos permite estudar esse fenômeno de emissão de plantas diretamente em campo", informa, em nota, William Pietro, também criador do dispositivo.
Professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), Euclydes Marega Júnior explica que detectores de luz extremamente sensíveis são baseados na tecnologia chamada Avalanche Photodiode (APD). "Eles conseguem pegar um sinal pequeno e transformá-lo em algo grande", ilustra. É o caso da luminescência atrasada das plantas, que tem baixa intensidade.
O equipamento criado por Mermut e Pietro também tem em sua composição lâmpadas de LED, com cores que imitam a luz solar, e um circuito eletrônico."Nele, os pesquisadores fazem as medidas em campo, gerando uma memória que pode ser conectada a um computador posteriormente", explica Marega Júnior. Segundo o professor, com a tecnologia, é possível também interligar o equipamento a um dispositivo portátil e fazer medições em tempo real, como um laptop ou um smartphone.
Testes
A solução foi testada nas folhas de três plantas vivas e saudáveis colhidas nos jardins da York University — Schefflera arboricola, comumente utilizada em bonsais, Prunus virginiana, um tipo de cerejeira nativa da América do Norte, e Coleus amboinicus, também chamada de orégano cubano ou hortelã-grosso — e em uma folha de Spinacia oleracea, o espinafre, comprado em um supermercado. Em média, foram realizadas cinco medições por espécie.
Em cada experimento, a folha era colocada dentro do equipamento, jogava-se a luz de LED e ela era apagada rapidamente, com o objetivo de medir a luminescência que retornava da folha, explica Marega Júnior. Os dados brutos de intensidade do fenômeno e de tempo foram, então, processados e agrupados por um microprocessador embutido na parte eletrônica do dispositivo. "Em seguida, a informação foi enviada, via internet, para um computador que executa um software capaz de interpretar, registrar e exibir os dados em tempo real", detalham os autores do artigo.
Os pesquisadores analisaram as plantas sob quatro estressores: frio, seca, calor e inundação. Os resultados confirmaram dados de estudos anteriores. Por exemplo, sabia-se que o orégano cubano e o espinafre não reagem bem ao frio. No teste da equipe canadense, ambas as plantas diminuíram drasticamente o índice de fluorescência após serem expostas, durante 15 minutos, a um ambiente com temperaturas mais baixas.
Mermut e Pietro ponderam que as informações fornecidas pelos sensores precisam ser analisadas por especialistas. "Não podemos discernir individualmente todos os estressores capazes de afetar uma planta em seu ambiente natural e que tipo de mecanismos estão envolvidos naqueles que afetam a saúde dela. Agora, queremos colocar essa tecnologia de biossensores nas mãos de cientistas em vários campos de aplicação", afirmam.
Outro plano da dupla é usar a tecnologia portátil em veículos de vigilância não tripulados. "Nos drones, eles poderiam sobrevoar florestas tropicais, como as do Brasil, para investigar como as plantas estão reagindo ao ambiente em evolução e aos efeitos da industrialização", preveem Mermut e Pietro.
Quanto à produção de alimentos ecologicamente sustentáveis, os criadores ilustram o uso na horticultura. "Para otimizar práticas agrícolas ou na análise dos efeitos de novos fertilizantes e nutrientes no solo das culturas", detalham. Também são cogitadas aplicações em ecossistemas aquáticos, "para investigar os impactos nas plantas em consequência de mudanças climáticas, poluição, emissões de gases de efeito estufa, entre outros estressores".
*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
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Ritmo de emissão
A clorofila — pigmento que dá a coloração verde às plantas — capta e armazena a luz solar, que será utilizada para quebrar as moléculas de água e gás carbônico para formar glicose. Nesse processo, uma pequena fração da energia luminosa absorvida pela clorofila é revertida. Isso resulta na emissão de fótons em escalas de tempo muito maiores, de milissegundos até horas. Pode parecer pouco tempo, mas a fluorescência normal é mais rápida: com emissões em nanossegundos. Por isso, o termo "atrasada".
Estudos vêm indicando que a luminescência pode ser um avaliador do estado fisiológico da planta em interação com condições ambientais. Eduardo Gusmão, professor do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Viçosa, Campus Florestal, compara o processo a uma balança: "Se a fluorescência é um aspecto de dissipação da energia pelas plantas, quando tem qualquer desbalanceamento nesse processo de uso e dissipação de energia, a gente consegue detectar isso pela fluorescência. Então, por meio de um estresse, as plantas vão tender a reduzir a capacidade de fotossíntese e aumentar os indicadores de florescência".
Colhendo luz vermelha para cultivar alimentos
Os painéis solares fotovoltaicos são alternativas de produção de energia elétrica limpa e renovável. Além de residências e indústrias, essa tecnologia está presente na agricultura por meio dos sistemas agrovoltaico. Neles, as plantas são cultivadas sob a sombra desses painéis, de preferência com menos água. Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Davis, nos Estados Unidos, encontraram uma maneira de tornar a técnica mais eficiente de uma forma inusitada: aproveitando melhor o Sol.
"Olhamos para a luz e para o Sol como um recurso e decidimos otimizá-lo", conta Majdi Abou Najm, um dos autores do artigo, divulgado na revista Earth's Future. Para isso, a equipe desenvolveu um modelo de fotossíntese e transpiração vegetal e, em laboratório, reproduziu a resposta de várias plantas, incluindo alface, manjericão e morango, a diferentes espectros de luz.
A análise de sensibilidade para as variáveis ambientais e de cultivo mais importantes — irradiância, temperatura do ar, umidade e gás carbônico — indicou que o espectro vermelho pode ser otimizado para cultivar alimentos. A parte azul, por sua vez, é menos eficiente em termos de assimilação de carbono e uso de água, o que sinaliza que ela pode ser mais eficaz para produzir energia solar.
Em uma segunda etapa do projeto, os pesquisadores testaram a eficácia da solução em uma plantação de tomate, durante o verão californiano, e obtiveram resultados promissores. Najm, porém, pondera que o trabalho é inicial. "Nosso estudo foi um abridor de portas para inspirar uma nova geração de painéis solares que possam otimizar a luz para a cogeração de alimentos e energia", afirma.
O cientista enfatiza, também, que a solução poderá contribuir para o manejo sustentável da terra com o uso da água e a produção de alimentos. "Não podemos alimentar mais 2 bilhões de pessoas em 30 anos sendo apenas um pouco mais eficientes em termos de água e continuando como fazemos", diz Najm. "Precisamos de algo transformador, não incremental. Se tratarmos o Sol como um recurso, podemos trabalhar com sombra e gerar eletricidade enquanto produzimos plantações." (MLG)