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Célula nervosa atua para ajustar a temperatura do corpo; entenda

Chamada de EP3, a célula nervosa atua para manter o corpo humano a 37°C. Mecanismo descoberto por cientistas do Japão funciona em outros mamíferos e poderá ajudar na criação de drogas para problemas como hipotermia e insolação

O hipotálamo é a região do cérebro responsável pela manutenção da temperatura corporal nos humanos: em torno de 37° C. Ao menos 2°C de variação, para baixo ou para cima, é suficiente para desequilibrar os processos fisiológicos do organismo. Saber exatamente qual grupo de neurônios atua nesse "termostato natural" tem sido um desafio para cientistas. Pesquisadores liderados pela Universidade de Nagoya, no Japão, deram um passo importante nessa busca ao descobrir a influência dos neurônios EP3.

"Essa descoberta não só contribui para responder a questões fundamentais da fisiologia, do tipo: 'Como nossa temperatura corporal é fixada em 37°C?', como também abre caminho para o controle artificial da temperatura corporal em humanos com problemas de termorregulação", ilustra Kazuhiro Nakamura, um dos autores do estudo, publicado, neste mês, na revista Science Advances.

Kazuhiro Nakamura - Kazuhiro Nakamura, um dos autores do estudo.

Nos humanos e em boa parte dos outros mamíferos, o centro de regulação da temperatura do cérebro fica na área pré-óptica, uma parte do hipotálamo que controla funções vitais do corpo. Os cientistas investigaram, de forma inédita, a atividade dos EP3s nessa porção do cérebro. "Eles descobriram uma área nova no hipotálamo que contribui para o controle de temperatura no corpo em várias situações, como febre e em casos de frio extremo", afirma Carlos Uribe, neurologista do Hospital Brasília e do DF Star e doutor em ciências da saúde pela Universidade de Brasília (UnB).

A equipe analisou como essas células nervosas agiam em resposta a variações na temperatura em experimentos com ratos, cuja medida padrão é de 28° C. Durante duas horas, as cobaias foram expostas a temperatura baixa (4° C), confortável (24°) e alta (36°). Os resultados mostraram que a exposição a 36° C ativou os neurônios EP3. Nas outras condições, não.

Na análise do tecido cerebral dos roedores, o grupo observou as fibras nervosas dos EP3 a fim de identificar para onde os sinais desses neurônios eram transmitidos. O hipotálamo dorsomedial, responsável por ativar o sistema nervoso simpático, foi o principal endereço. Também chamada de sistema nervoso autônomo, essa parte do cérebro controla as funções automáticas do corpo, como respiração, batimento cardíaco, pressão arterial, digestão e temperatura corporal.

A análise também evidenciou que o mediador que os neurônios EP3 usam para transmitir sinais ao hipotálamo dorsomedial é o ácido gama-aminobutírico (Gaba), considerado o principal neurotransmissor inibitório do corpo. "Geralmente, quando essa substância é liberada, é um sinal para diminuir o nível de atividade de uma célula", elucida Uribe. "Por exemplo, em um ambiente quente, os sinais são aumentados para suprimir as saídas simpáticas, resultando em fluxos sanguíneos aumentados na pele para facilitar a saída do calor do corpo e evitar hipertermia", ilustra, em nota, Nakamura.

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Intervenção

Outra forma encontrada pela equipe para estudar a atividade dos neurônios EP3 foi quimiogenética, realizada em outro grupo de ratos. Nakamura conta ao Correio que o processo usa receptores, chamados Dreadds, que não existem no corpo dos animais e podem ser ativados por substâncias injetáveis para causar a excitação ou a inibição das células nervosas.

Roedores foram geneticamente modificados para estimular ou inibir a atividade dos neurônios EP3 na área pré-óptica. O grupo, então, introduziu vírus específicos no cérebro das cobaias para gerar febre. "A injeção da droga artificial para excitar seletivamente os neurônios EP3 reduziu a temperatura corporal dos ratos, enquanto a injeção da droga artificial para inibir seletivamente os neurônios EP3 aumentou a temperatura", relata o cientista.

Nas próximas etapas da investigação, o grupo de pesquisadores pretende, além de entender "o princípio mecanicista no centro termorregulador que determina a temperatura do corpo para o valor específico de 37°C", chegar a descobertas que possam ajudar no desenvolvimento de soluções farmacológicas capazes de ajustar artificialmente a temperatura corporal. "Se desenvolvermos drogas que tenham como alvo esses receptores ou canais, isso permitirá ativar ou inibir seletivamente os neurônios EP3 para controlar artificialmente a temperatura corporal e o metabolismo", projeta Nakamura.

A expectativa é de que essa nova frente de intervenção ajude a tratar insolação, hipotermia e, até mesmo, a obesidade. Segundo Uribe, para compensar a queda de temperatura, a produção de calor dentro do corpo aumenta, buscando, dessa forma, manter o equilíbrio. "Pode até ser que isso seja útil no emagrecimento, com a queima de calorias", cogita o neurologista.

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

Cérebro saudável é mais quente

Apesar de 37ºC ser considerada a temperatura natural do corpo, estudos mostram que, em algumas regiões, essa referência pode não ser a ideal. É o caso do cérebro. Em um artigo divulgado, em junho, na revista Brain, pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular do Conselho de Pesquisa Médica (MRC), em Cambridge, Reino Unido, mostraram que cérebros humanos saudáveis são mais quentes do que se pensava, excedendo 40ºC.

A equipe produziu o primeiro mapa 4D da temperatura saudável do órgão humano submetendo 40 voluntários, com idade entre 20 a 40 anos, a exames de espectroscopia de ressonância magnética (MRS). Eles concluíram que as temperaturas variam de acordo com a região do cérebro, idade, sexo e hora do dia. As mais altas foram detectadas em mulheres, durante o dia.

Os dados, avalia o grupo, também poderão ajudar futuras abordagens médicas."Descobrimos que a temperatura do cérebro cai à noite, antes de dormir, e sobe durante o dia. Há boas razões para acreditar que essa variação diária está associada à saúde do cérebro a longo prazo, algo que esperamos investigar a seguir", indica, em nota, John O'Neill, líder do grupo no MRC Laboratory for Molecular Biology.