A dependência excessiva de combustíveis fósseis é o acelerador das mudanças climáticas, com impactos perigosos na saúde humana em todo o mundo. Dados do relatório Lancet Countdown on Health and Climate Change, elaborado por uma rede de pesquisadores internacionais a partir da produção científica mais atual, mostram que nenhum país está a salvo com o aumento da probabilidade e da gravidade de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, fortes precipitações, incêndios florestais, tempestades e secas, entre outros, e o custo anual de milhares de vidas.
O documento, publicado às vésperas da 27ª Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), realizada em novembro, indica que o aquecimento global já afeta todos os pilares da segurança alimentar, pois reduz o rendimento das culturas e encurta diretamente a estação produtiva. Além disso, a exposição ao calor extremo piora condições preexistentes, como doenças cardiovasculares e respiratórias, causa insolação, problemas de saúde mental, impacta negativamente a gestação e reduz a capacidade de execução de exercícios físicos, entre outros. Por fim, as alterações no clima predispõem a propagação de doenças infecciosas — o período adequado para a transmissão da malária aumentou 32,1% nas Américas entre 2012 e 2021, comparado a 1951-1960, e o risco de dengue foi 12% maior no mesmo período, globalmente.
- Calor excessivo aumenta chances de derrame e de doenças renais.
- Consequências do aquecimento global já são ameaça à sobrevivência.
Ainda assim, novos indicadores revelam que governos e empresas continuam a priorizar a extração e a queima de combustíveis fósseis, diz o relatório, elaborado por mais de 100 cientistas e especialistas climáticos. A presença do carbono no sistema energético — o setor que, individualmente, mais contribui para as emissões globais de gases de efeito estufa — sofreu redução de menos de 1% desde 1992, quando foi estabelecida, no Rio de Janeiro, a Convenção Quadro de Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC). No ritmo atual, seriam necessários 150 anos para que o campo de geração de energia fosse totalmente descarbonizado.
"As estratégias atuais de muitos governos e empresas levarão o mundo a um futuro fatalmente mais quente, amarrando-nos ao uso de combustíveis fósseis, que estão fechando rapidamente as perspectivas de um planeta habitável", critica Paul Ekins, líder do grupo de trabalho que produz o relatório e professor de recursos e política ambiental na Bartlett School, na University College London. "Isso é resultado de uma falha profunda em reconhecer a necessidade de uma repriorização urgente do financiamento para garantir um futuro saudável, acessível e com zero carbono", afirma o especialista.
Qualidade do ar
Contudo, Ekins ressalta que "uma resposta centrada na saúde ainda pode proporcionar um futuro próspero" para o planeta. "Melhorias na qualidade do ar ajudariam a evitar mortes resultantes da exposição à poluição do ar por partículas derivadas de combustíveis fósseis, das quais houve 1,3 milhão apenas em 2020", afirma. Outra medida citada pelo especialista, com base em evidências científicas atuais, é acelerar uma transição para dietas mais balanceadas e baseadas em vegetais. "Isso não apenas reduziria 55% das emissões do setor agropecuária, pela produção de carne vermelha e leite, mas também evitaria até 11,5 milhões de mortes relacionadas à dieta anualmente e reduziria o risco de doenças zoonóticas."
Os autores do relatório destacam que, hoje, apenas 27% dos centros urbanos são classificados como "moderadamente verdes", e muitas pessoas ainda dependem do ar-condicionado para resfriamento. O equipamento foi responsável, em 2020, por 900 bilhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono e por 24 mil mortes por exposição ao PM2,5, partículas poluentes muito finas que acabam aspiradas para os pulmões. "O redesenho urbano que coloca a saúde em primeiro lugar pode fornecer mais espaços verdes que reduzem o calor urbano, melhoram a qualidade do ar e beneficiam a saúde física e mental", diz o texto.
Avanços
Dados da sétima edição do relatório Lancet Countdown on Health and Climate Change mostram que, apesar da aposta insistente do setor de energia em combustíveis fósseis, há motivos para acreditar em melhorias. Por exemplo: embora a geração total de energia limpa seja insuficiente, atingiu níveis recordes em 2020, e as fontes de carbono zero representaram 80% do investimento em métodos de geração de eletricidade no ano seguinte.
Pela primeira vez, o emprego direto e indireto em renováveis excedeu o da indústria de extração de combustível fóssil. "O próprio setor da saúde, embora ainda responsável por 5,2% de todas as emissões globais, demonstrou uma liderança climática impressionante, e 60 países se comprometeram a fazer a transição para sistemas de saúde resilientes ao clima e/ou com baixo ou zero carbono líquido na COP26 (realizada na Escócia, em 2021)", indica o texto.
"O mundo está em um momento crítico. Nosso compromisso global de reduzir os combustíveis fósseis está muito fora do caminho. Devemos mudar, caso contrário nossos filhos enfrentarão um futuro de mudanças climáticas aceleradas, ameaçando a própria sobrevivência", diz o professor Anthony Costello, copresidente do projeto Lancet Countdown. "Uma resposta centrada na saúde para as crises atuais ainda ofereceria a oportunidade de proporcionar um futuro saudável, resiliente e de baixo carbono, onde pessoas de todo o mundo podem não apenas sobreviver, mas prosperar. Ainda há tempo para concretizar esse futuro se agirmos agora."