Os últimos 12 meses foram frutíferos para várias áreas da ciência. Da genética à astrofísica, pesquisadores de todo o mundo revelaram descobertas com potencial de impactar a humanidade. Uma nova tecnologia para vacinas, uma espécie de arroz que pode ser colhido o ano inteiro para reduzir a fome no mundo e a identificação de genes que aumentam a resistência contra vírus e bactérias são algumas delas. Como todos os anos, a revista científica norte-americana Science escolheu os 10 avanços mais significativos do ano.
O "mais mais", segundo a equipe editorial da Science, é um instrumento que tem como principal missão nada menos que revelar os segredos mais bem guardados do Universo, como o processo de formação planetária: o supertelescópio James Webb. Foram duas décadas de desenvolvimento, US$ 10 bilhões de investimento e muitos contratempos. Porém, depois de uma viagem de 1,5 milhão de quilômetros, finalmente ele começou a mandar os primeiros sinais à Terra, em junho.
Diferentemente do supertelescópio que o antecedeu, o Hubble, o James Webb pode capturar luz infravermelha, incluindo a emitida pelas primeiras estrelas que surgiram. Poucos dias depois de o equipamento começar a mandar sinais para a Terra, os pesquisadores passaram a descobrir milhares de novas galáxias mais distantes do que qualquer outra documentada anteriormente — algumas, talvez, mais de 150 milhões de anos mais velhas do que a mais antiga identificada pelo Hubble. Além disso, os telescópios são capazes de coletar luz suficiente de objetos astronômicos — desde estrelas nascentes a exoplanetas — para revelar de que são feitos e como se movem pelo espaço.
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Conheça, abaixo, as outras escolhas da Science:
DNA de 2 milhões de anos
No início deste mês, um artigo publicado na revista Nature surpreendeu por revelar as amostras de DNA mais antigas já identificadas: nada menos que 2 milhões de anos. Os 41 fragmentos microscópicos (foto) foram encontrados em argila e quartzo da idade do gelo, no norte da Groenlândia. O material genético foi usado para mapear um ecossistema de 2 milhões de anos, que resistiu a mudanças climáticas extremas. Por isso, os cientistas, das universidades de Cambridge, na Inglaterra, e de Copenhague, na Dinamarca, acreditam que a pesquisa poderá revelar pistas sobre a adaptação de espécies vegetais e animais a alterações drásticas de temperatura, tal como vem ocorrendo desde o século 20.
Resistência à peste
Graças a material genético de pessoas que morreram há quase 700 anos, vítimas da peste bubônica, pesquisadores da OMS e do Instituto Pasteur, na França, identificaram genes que podem conferir resistência a micro-organismos patógenos, como a bactéria Y. pestis. Com avançadas técnicas de sequenciamento, os cientistas analisaram 200 restos mortais, descobrindo que, em apenas quatro anos, uma pressão seletiva da pandemia medieval sobre o sistema imunológico resultou em uma variante funcional que, com duas cópias, aumentou em 40% a chance de sobrevivência. Por outro lado, essas mesmas mutações parecem aumentar o risco de doenças autoimunes, como a de Crohn, algo que os pesquisadores vão investigar com mais profundidade.
Bactéria "gigante"
Em junho, pesquisadores da Universidade de Berkeley, nos EUA, revelaram, na revista Science, a estrutura de uma bactéria tão grande que pode ser vista a olho nu (foto). Ela é nada menos que 5 mil vezes maior que a média e, como comparação, os autores sugerem imaginar um homem adulto em contraste com o Monte Evereste. O micro-organismo, de 2cm, foi descoberto em 2009 em um manguezal de Guadalupe, no caribe. À primeira vista, não se sabia do que se tratava, até a análise genética apontar que era, de fato, uma bactéria. Mas, diferentemente das comuns, a Ca Thiomargarita magnifica, tem um DNA mais organizado, concentrado em uma estrutura com uma membrana. Caso seja possível cultivá-la em laboratório, a espécie poderá revelar muito sobre o mundo microbiano.
Arroz perene
Com uma população mundial que ultrapassou os 8 bilhões em novembro, alimentar tanta gente pode ser um desafio. Em um estudo publicado na revista Nature Sustainability, cientistas da Universidade de Yunnan, na China, relataram o sucesso no cultivo de uma variedade de arroz perene, que não precisa ser replantado a cada estação. Isso reduz custos para agricultores — só de mão de obra, uma economia estimada em 60%, além de menos gastos com fertilizantes. A espécie, desenvolvida em 2016, foi testada em campo, em Yunnan (foto) e, segundo os pesquisadores, também é mais resistente a pestes e variações climáticas.
Desvio de órbita
Embora, por enquanto, a humanidade não precise se preocupar com isso, um dia a Terra pode ficar na rota de colisão com um asteroide. Mas, agora, já se sabe que é possível desviá-lo. Isso foi provado pela Agência Espacial Norte Americana (Nasa), com uma missão realizada em setembro. Os cientistas projetaram uma colisão provocada pela nave Dart entre o satélite Dimporphos e o asteroide Didymos (foto) para verificar se haveria mudança de órbita. No mês seguinte, a Nasa confirmou que o objetivo foi alcançado: houve uma alteração de 32 minutos, ou 4% no tempo da órbita. Em um comunicado, a agência afirmou que o sucesso é uma demonstração do empenho para salvar o planeta de "qualquer surpresa que o Universo possa nos enviar".
Inteligência artificial
Há um bom tempo, a inteligência artificial vem sendo utilizada por cientistas para fins diversos, como a descoberta de moléculas que podem dar origem a novos tratamentos. Neste ano, a empresa DeepMind deu um passo à frente com o lançamento do AlphaFold2. O programa de IA prevê a montagem de estruturas proteicas (foto), com potencial de mostrá-las em um nível até então inatingível e de detalhar os blocos individuais de construção de cada uma delas. A aplicação prática é enorme: desde revelar detalhadamente um vírus ou uma bactéria a ajudar na criação de medicamentos e vacinas mais precisos. Segundo a DeepMind, o programa mostra todas as peças de quebra-cabeças que, até agora, não podiam ser montadas em sua totalidade.
Vírus ligado à esclerose múltipla
No começo do ano, um estudo publicado na Science por pesquisadores da Universidade de Harvard apresentou fortes evidências de que o vírus Epstein-Barr (EBV) seria uma das principais causas para o desenvolvimento da doença neurológica esclerose múltipla (EM). Embora muito comum e normalmente inofensivo na população em geral, o micro-organismo, quando combinado com outros fatores, como genéticos e de estilo de vida, pode desencadear a grave enfermidade, para a qual não existe cura. A descoberta poderá levar ao desenvolvimento de tratamentos que combatam a EM diretamente em suas causas.
Vacina para VSR
O vírus sincicial respiratório (VSR) é a principal causa global de morte em crianças menores de 5 anos, e uma vacina eficaz é considerada fundamental. Em um estudo publicado em agosto na revista Nature Communications, pesquisadores do Hospital Infantil de Boston mostraram que um imunizante protegeu camundongos recém-nascidos contra infecções. Além disso, em laboratório, provocou fortes respostas em células imunológicas de bebês humanos. Embora várias vacinas potenciais estejam em fase avançada em ensaios com adultos, não há substâncias do tipo para crianças desde o dramático fracasso de uma candidata, em 1966, que aumentou o risco de morte. Os cientistas, agora, combinaram dois adjuvantes que se mostraram seguros e eficazes. A próxima etapa serão estudos com animais maiores.
Legislação ambiental
Aqui não se trata de uma pesquisa, mas da aprovação, pelo Congresso norte-americano, da Lei de Redução da Inflação em agosto. É a maior e mais abrangente legislação climática da história do país. Os números básicos são impressionantes e sem precedentes: US$ 369 bilhões investidos em programas de energia e mudanças climáticas, uma redução estimada de 40% dos níveis de emissões de gases de efeito estufa até 2030, em referência a 2005, e US $60 bilhões para apoiar ações de justiça ambiental. A lei é considerada um passo fundamental para a redução da dependência em combustíveis fósseis, cuja queima é a principal causa do aquecimento global.