LEVANTAMENTO

Confiança na ciência caiu após campanhas de desinformação, diz Fiocruz

Aceitação da vacina é grande, mas a desconfiança com empresas farmacêuticas abrange quase metade dos entrevistados. Cerca de 13% afirmam não querer tomar dose de reforço do imunizante contra a covid-19

A confiança do brasileiro na ciência diminuiu nos últimos seis meses, de acordo com uma pesquisa coordenada por membros da Fiocruz e de três universidades brasileiras e da Espanha. O índice de pessoas que declararam acreditar na área caiu de 90% para 68,9%, entre junho e dezembro deste ano.

Apesar de ser maioria, a credibilidade na ciência é menor do que o último levantamento que mediu a convicção do brasileiro, em junho, pela empresa 3M. A conclusão dos coordenadores da pesquisa atual é de que a confiança “parece ter sido afetada negativamente por campanhas organizadas de desinformação, que cresceram em quantidade e impacto durante a pandemia de covid-19”.

A ciência, assim como as vacinas, passaram a ser alvo de grupos antivacina em todo o mundo, movimento que se intensificou com a pandemia da covid-19. Além disso, no Brasil, o disparo de fake news em massa com conteúdos falsos que despertam desconfiança sobre as inovações da ciência, disseminadas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), foram comuns nos últimos dois anos e, mais ainda, no período pré-eleições de outubro.

“Acredita-se que os cientistas permitiram que ideologias políticas influenciassem suas pesquisas sobre o coronavírus durante a pandemia”, diz o relatório. Os dados apontaram aos pesquisadores que a confiança do brasileiro na ciência não se trata apenas do conhecimento que possuem, mas também “de valores, posicionamentos morais e visões políticas”.

“Isso indica um cenário de desafios para gestores, cientistas, educadores e profissionais de comunicação, que precisam desenhar estratégias de comunicação pública da ciência que levem em consideração as especificidades de local, perfil de público e contexto”, alertam os pesquisadores.

A pesquisa entrevistou 2.069 pessoas com 16 anos ou mais, entre agosto e outubro deste ano. A margem de erro é de 2,2% e o intervalo de confiança é de 95%. O trabalho foi coordenado pelos pesquisadores Luisa Massarani, da Fiocruz; Ildeu Moreira e Yurij Castelfranchi, das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Minas Gerais (UFMG); Carmelo Polino, da Universidade de Oviedo, na Espanha; e Vanessa Fagundes, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

Apesar dos pontos de alerta, os pesquisadores afirmam que o levantamento trouxe um saldo positivo para a ciência. Quando solicitados para colocar em ordem crescente atores da sociedade nos quais buscava informação, os cientistas foram apontados, por 47,3%, como a segunda categoria que mais inspira confiança para falar sobre um assunto.

Médicos foram os primeiros, apontados por 60,1%, e jornalistas o terceiro (36,4%). Artistas e políticos foram citados apenas por 1,5% dos entrevistados. Além disso, 25% dos entrevistados disseram lembrar de alguma instituição que faz pesquisa científica no Brasil — o Instituto Butantan, a Fiocruz e a USP foram as mais citadas.

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Vacinas: 13% dos entrevistados afirmam que não tomarão doses de reforço da covid-19

A pesquisa apontou bons índices de aceitação geral de vacinas, como 86,7% dos entrevistados considerarem imunizantes importantes para proteger a saúde pública; e 75,7% afirmarem a seguridade das vacinas.

Por outro lado, alguns dados foram apontados como um alerta. Os pesquisadores afirmam que as respostas mostram “uma exagerada percepção dos riscos”. Os efeitos colaterais foram supervalorizados por 46,4%, que afirmam que os possíveis efeitos de imunizantes podem ser um risco. Além disso, 40% dizem não confiar em empresas farmacêuticas por acreditar que “esconderiam os perigos das vacinas”.

Outro dado preocupante se refere aqueles que afirmam não ter intenção de tomar doses de reforço da vacina contra a covid-19 (13%) e que não vacinar os filhos contra a doença (8%). O perfil desse grupo foi mapeado pelos pesquisados, que afirmam que ele é composto por pessoas “profundamente diferentes por sexo e por valores”.

“A chance de recusar vacina aos filhos é muito maior entre os homens e cresce entre as pessoas que declaram que o crescimento econômico e a criação de empregos devem ser prioridades máximas, mesmo quando a saúde da população sofra de algum modo”, define o relatório.

Percepções morais também são um traço diferenciado do grupo resistente à vacina. “Aquelas pessoas que participam menos da política, ou que expressam valores de tipo sexista (os homens são melhores que as mulheres na política, ou na ciência, ou devem ter prioridade nos empregos) são também os que têm maiores chances de expressar cautela ou medo sobre vacinação ou segurança das vacinas, mesmo controlando pelo efeito da renda e da escolaridade”, diz o relatório.

Para os pesquisadores, não há evidências de um grupo consolidado de “negacionistas da ciência” no Brasil, o que é uma vantagem em relação ao mundo para que as ações de defesa da área possam ter maior êxito. Eles indicam que focar em campanhas que detalham os benefícios da ciência para a população — como qualidade de vida, oportunidades de emprego, equidade social — “podem facilitar processos de aprendizado e apropriação social do conhecimento”.

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