Pandemia climática

Calor excessivo aumenta chances de derrame e de doenças renais

Estudos mostram os efeitos em humanos da exposição a temperaturas extremas, como piora de doenças crônicas e aumento da ocorrência de derrame e problemas renais

Ano a ano, os registros de calor batem recorde, uma consequência direta das mudanças climáticas. O lançamento na atmosfera de gases como CO2, principalmente pela queima de combustíveis fósseis, amplifica um fenômeno natural, o efeito estufa, uma camada que permite a absorção dos raios solares. Os impactos diretos na saúde humana começam ainda na fase fetal e atingem, especialmente, crianças com menos de 1 ano e idosos (veja arte). Um cenário que tende a piorar. Com base nas condições atuais de emissões, a Organização Meteorológica Mundial, um organismo das Nações Unidas, prevê que, nos próximos cinco anos, há 50% de chance de a temperatura média global aumentar até 1,5ºC, em relação ao período pré-industrial.

"Com o aumento da temperatura, as crianças, as mulheres e os idosos são os mais afetados. Isso porque, nas crianças, a capacidade de equilibrar a temperatura corporal (termorregulação) ainda está sendo desenvolvida; nos idosos, essa espécie de 'termostato' costuma apresentar falhas; e as mulheres, por apresentarem maior nível de gordura corporal que os homens, são mais vulneráveis ao calor", explica a nefrologista Caroline Reigada, especialista em medicina intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Além de insolação e exaustão por calor, os efeitos diretos do excesso de temperatura pioram condições crônicas, aumentando o risco de morte por doenças pulmonares, cardiovasculares e renais.

Segundo Reigada, pacientes renais são mais vulneráveis à exposição ao calor e à desidratação, com aumento do risco de cálculos renais e lesão renal aguda. Um estudo publicado, em outubro, na revista American Journal of Kidney Diseases, por exemplo, relacionou a história meteorológica no estado de Nova York, nos Estados Unidos, com dados de mais de 1,1 milhão de atendimentos de emergência durante 2005 e 2013. Os pesquisadores descobriram um número maior de ocorrências por problemas nos rins, como pedras e infecções do trato urinário, durante dias com exposição a temperaturas mais altas.

Agora, um estudo publicado na revista Circulation, da Academia Norte-Americana do Coração, com dados de 32 milhões de óbitos globais, mostrou que uma em cada 100 mortes cardiovasculares pode ser atribuída a temperaturas extremas. A insuficiência cardíaca foi a doença dessa categoria mais associada aos efeitos de frio ou calor excessivo, com um risco 12% de mortalidade nos dias de muito calor, e 37% nos mais gelados."Essa é uma descoberta importante, uma vez que uma em cada quatro pessoas com insuficiência cardíaca é readmitida no hospital dentro de 30 dias após a alta, e apenas 20% dos pacientes sobrevivem 10 anos após o diagnóstico", destacou, em nota, Haitham Khraishah, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Maryland, em Baltimore.

Outras condições cardiovasculares que mostraram relação com temperaturas extremas foram acidente vascular cerebral (AVC), doença cardíaca isquêmica e arritmias. As descobertas foram baseadas em uma análise de óbitos que ocorreram em 567 cidades em 27 países (incluindo o Brasil) em cinco continentes, entre 1979 e 2019. A definição de clima extremo variava de cidade para cidade. Foi definido como o 1% superior ou o 1% inferior da "temperatura mínima de mortalidade", que se refere àquela onde há a menor taxa de mortes.

Prejuízos neurológicos

Calor ou frio extremo e flutuações da temperatura também estão associados à piora de sintomas de doenças neurológicas, como enxaqueca crônica, demência, esclerose múltipla e Parkinson, segundo um estudo publicado, no mês passado, na revista Neurology. Em uma revisão de artigos científicos, os autores também constataram, assim como no artigo da Circulation, uma prevalência maior de AVC devido às mudanças climáticas.

"Embora a comunidade internacional busque reduzir o aumento da temperatura global para menos de 1,5°C antes de 2100, mudanças ambientais irreversíveis já ocorreram e, à medida que o planeta esquenta, essas mudanças continuarão a ocorrer", diz o autor da revisão, Andrew Dhawan, da Clínica Cleveland Clinic, em Ohio, nos Estados Unidos. "Ao testemunharmos os efeitos de um planeta em aquecimento na saúde humana, é imperativo que os neurologistas antecipem como as doenças neurológicas podem ser afetadas."

Para a revisão, os pesquisadores analisaram estudos publicados sobre mudanças climáticas, poluentes, temperaturas extremas e doenças neurológicas entre 1990 e 2022. Eles identificaram 364 pesquisas relevantes, que destacaram as relações entre a variabilidade da temperatura e o agravamento dos sintomas neurológicos. A revisão mostrou que eventos climáticos extremos e flutuações de temperatura foram associados à incidência e gravidade do AVC, enxaquecas, hospitalização em pacientes com demência e piora da esclerose múltipla.

A revisão também mostrou que a exposição a poluentes transportados pelo ar, especialmente nitratos e material particulado fino, também conhecido como PM 2.5 (partículas tóxicas com menos de 2,5 mícrons de diâmetro), foi associada à incidência e à gravidade de AVC, dores de cabeça, risco de demência, doença de Parkinson e piora de esclerose múltipla. Outra informação é a de que as mudanças climáticas favorecem a proliferação e aumentam o alcance geográfico de micro-organismo que podem causar doenças neuroinfecciosas, como meningite meningocócica e encefalite transmitida por carrapatos.

 

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Nem os fetos escapam

Os fetos de mulheres que trabalham ao ar livre sob calor extremo podem mostrar sinais de tensão antes que suas mães sejam afetadas, segundo um pequeno estudo com 92 agricultoras de subsistência na Gâmbia, África. Publicada na revista The Lancet Planetary Health, a pesquisa é a primeira a medir os impactos do estresse térmico na vida intrauterina.

Os resultados incluem que, para cada aumento de 1°C na exposição, houve uma elevação de 17% na tensão fetal, medida pelo aumento da frequência cardíaca e pelo fluxo sanguíneo mais lento através do cordão umbilical. A equipe, liderada por pesquisadores da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, descobriu que mesmo um aumento modesto na temperatura corporal devido à execução de tarefas manuais em calor extremo produziu evidências de alteração fisiológica na gestante e no feto.

"As mudanças climáticas levam a temperaturas cada vez mais extremas em todo o mundo, e a África Subsaariana é particularmente vulnerável aos impactos climáticos", disse, em nota, Ana Bonell, principal autora. "Os resultados sugerem que temos que encontrar intervenções eficazes para proteger essas mulheres e reduzir os resultados adversos no parto, como prematuridade, baixo peso ao nascer e natimortalidade."

Os sintomas maternos de condições adversas causadas pelo calor também foram coletados. Náusea, vômito, dor de cabeça, tontura, fraqueza, dor muscular, fadiga e boca seca foram comuns entre as participantes, com mais da metade das mulheres relatando ter sofrido pelo menos um sintoma durante as visitas de campo. O estresse térmico materno ainda foi fortemente relacionado à tensão fetal.

Os pesquisadores sugerem que um fator fisiológico importante a ser considerado em trabalhos futuros é o desvio de sangue da placenta para a pele, que parece ocorrer em temperaturas centrais mais baixas do que as destacadas por estudos anteriores. As descobertas também destacam a necessidade de mais trabalho para identificar e avaliar as intervenções que ajudarão as trabalhadoras agrícolas grávidas na África Subsaariana a se adaptarem ao trabalho em calor extremo. (PO) 

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