Com a advertência do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, de que o homem se transformou em uma "máquina de destruição em massa", a 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15) começou ontem, em Montreal, no Canadá. O desafio dos delegados de 196 países é chegar a um documento, até o dia 19, que garanta, nas próximas décadas, a estabilização e, depois, a reversão da perda de espécies, no momento em que a taxa de extinção de animais e plantas é 1 mil vezes maior que a natural.
Sem o brilho da COP do clima, que atraiu cerca de 100 líderes mundiais no Egito para discutir metas sobre o aquecimento global, esta é, porém, considerada uma das conferências internacionais mais críticas já realizadas. "Talvez seja uma das reuniões mais importantes que a humanidade já teve", acredita o biólogo brasileiro Alexandre Antonelli, diretor científico do Kew Gardens, no Reino Unido. "Temos uma janela de oportunidade muito estreita para deter a perda de biodiversidade até 2030 e reverter seu declínio até 2050. Talvez nunca mais tenhamos essa chance." Atualmente, 1 milhão de espécies de animais e plantas correm risco de extinção.
A COP15 acontece com dois anos de atraso, devido à pandemia de covid-19. Embora o Canadá seja a sede do evento, a presidência da conferência é da China, que não convidou governantes. Observadores e cientistas temem que a ausência de líderes diminua o peso das decisões, apesar do senso de urgência para a construção do chamado novo Quadro da Biodiversidade Global. O documento define a agenda da biodiversidade pós 2020, e estabelece metas para que, nos oito próximos anos, a perda de espécies se estabilize e passe a cair em 2050. Por isso, esta edição é considerada fundamental.
Economia
"Se não concordarmos em proteger a natureza, então nada mais importa", discursou o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, antes de ser interrompido por indígenas que fizeram um protesto. "Genocídio indígena é igual a ecocídio", destacaram os manifestantes. "Não estamos em harmonia com a natureza. Pelo contrário, estamos tocando uma melodia muito diferente, uma cacofonia do caos, tocada com instrumentos de destruição", definiu António Guterres. "No fim das contas, estamos nos suicidando por poder."
O secretário-geral da ONU lembrou que o prejuízo econômico causado pela destruição dos ecossistemas é estimado em US$ 2,7 trilhões anuais a partir de 2030, por um relatório recente do Instituto Bennett de Políticas Públicas da Universidade de Cambridge. "Como a perda da biodiversidade reduz o desempenho econômico, ficará mais difícil para os países pagarem suas dívidas, sobrecarregando os orçamentos governamentais e forçando-os a aumentar impostos, cortar gastos ou aumentar a inflação", explica Matthew Agarwala, um dos autores do documento.
Um dos pontos centrais da COP15 é a chamada meta 30x30: proteger 30% das terras e mares globais até 2030. "Não escolhemos esse número de 30% aleatoriamente. É o limiar crítico segundo os maiores cientistas para evitar o risco de extinção e também para garantir nossa segurança alimentar e econômica. Trinta por cento, isso é bastante viável", disse Trudeau, ontem.
Saiba Mais
O objetivo tem o apoio de todas as partes, exceto da Turquia, que se opôs. A França, por sua vez, considera uma prioridade e quer que o percentual seja mais ambicioso: 50%. Embora os Estados Unidos não façam parte da convenção, o presidente Joe Biden emitiu uma ordem executiva para que o país cumpra, ao menos, esse objetivo.
Porém, o rascunho do texto da conferência tem mais colchetes que palavras, indicando falta de concordância das partes em vários pontos. O principal deles, como na conferência do clima, é a criação de um fundo para financiar ações de proteção da biodiversidade nos países em desenvolvimento.
Estipular uma data final para uso de pesticidas e metas sobre mudanças no uso da terra (o desmatamento é o maior propulsor da perda de biodiversidade) são outros pontos conflituosos. O Brasil, por exemplo, se opõe ao objetivo de se alcançar a agroecologia (produção de alimentos de forma sustentável), de mencionar defensivos agrícolas e fertilizantes no documento e na meta de redução de poluição sonora e luminosa, entre outros.
Restrição a commodities
Na véspera da abertura da COP15, a União Europeia (UE) anunciou uma lei que proibirá países do bloco de importar commodities associadas ao desmatamento. A mudança no uso da terra, especialmente o desflorestamento para fins agrícolas, é a principal causa da perda da biodiversidade, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnud).
Cobertura do Correio Braziliense
Quer ficar por dentro sobre as principais notícias do Brasil e do mundo? Siga o Correio Braziliense nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram, no TikTok e no YouTube. Acompanhe!
Newsletter
Assine a newsletter do Correio Braziliense. E fique bem informado sobre as principais notícias do dia, no começo da manhã. Clique aqui.