O consumo de alimentos ultraprocessados pode impactar diretamente a função cognitiva. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) constatou que pessoas que ingeriam mais de 20% das calorias diárias de produtos do tipo (veja ao lado) apresentavam um declínio maior, comparado àquelas que não recorrem tanto a itens como salgadinhos e embutidos nas refeições. A pesquisa, publicada na revista norte-americana Pnas, foi realizada com dados de pessoas saudáveis e sem histórico de demência ou problemas de memória.
O estudo mostrou que a alta ingestão dos ultraprocessados resultou em um declínio 28% mais rápido na função cognitiva global e 25% na executiva. A autora da pesquisa, Natalia Gomes Gonçalves, explica que a segunda é a que nós utilizamos para planejar e executar tarefas, enquanto que a primeira é a combinação da executiva, da memória e da fluência verbal. Outro resultado importante é que a associação do consumo desses produtos e a piora da cognição foi mais forte em pessoas de 35 a 59 anos, comparado com os participantes mais velhos.
"Também vimos que pessoas que tinham uma alta aderência à dieta Mind não apresentavam maior taxa de declínio cognitivo quando consumiam mais de 20% de calorias diárias de alimentos ultraprocessados", diz Natalia. "A dieta Mind já foi associada, em vários estudos, à melhor performance cognitiva e prevenção de demência. Ela é rica em grãos integrais, vegetais de folhas verdes, legumes, nozes, frutas vermelhas, peixe, frango e azeite de oliva", destaca.
Os resultados complementam uma pesquisa publicada em agosto, da mesma pesquisadora e incluem dados de 10.775 indivíduos com idade média de 51,6 anos e pelo menos um diploma universitário, que foram acompanhados por um tempo médio de oito anos.
Para a diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), Marcella Garcez, o estudo se soma a outros da literatura com resultados semelhantes. Segundo a especialista, as associações entre ultraprocessados com distúrbios neurocognitivos e da mente podem ser explicadas, entre outras coisas, por alterações metabólicas causadas pelos produtos com baixa qualidade nutricional. Os mecanismos potenciais que sustentam esses efeitos incluem glicação, estresse oxidativo elevado e inflamação, as principais vias que levam à neurodegeneração e aos transtornos mentais. "Portanto, o consumo frequente desses alimentos deve ser evitado em todas as faixas etárias, pois estamos falando dos impactos da dieta na prevenção do declínio cognitivo precoce, e não no tratamento de patologias instaladas", assinala Marcella Garcez.
Rótulo
No Brasil, é lei que os rótulos de alimentos contenham a lista com todos os ingredientes que o compõem. De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, um número elevado de ingredientes (frequentemente cinco ou mais) e, sobretudo, a presença daqueles com nomes pouco familiares e não usados em preparações culinárias (gordura vegetal hidrogenada, óleos interesterificados, xarope de frutose, isolados proteicos, agentes de massa, espessantes, emulsificantes, corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários outros tipos de aditivos) indica que o produto pertence à categoria dos ultraprocessados.
Ainda de acordo com o documento, produzido pelo Ministério da Saúde, essa categoria de alimentos deve ser evitada porque tem composição nutricional desbalanceada, favorece o consumo excessivo de calorias e tende a afetar negativamente a cultura, a vida social e o ambiente. Para Natalia Gonçalves, uma forma de reduzir a ingestão desses produtos é dedicar mais tempo no preparo de refeições caseiras, em vez de comprar comida pronta.
"O clássico arroz, feijão, bife e salada é um ótimo exemplo de prato sem ultraprocessados. Também gostaria de enfatizar que o nosso Guia Alimentar para a População Brasileira tem várias dicas de como seguir uma alimentação saudável, respeitando a cultura alimentar e a disponibilidade de alimentos locais no Brasil todo", enfatiza a pesquisadora.